JC e-mail 3867, de 13 de Outubro de 2009.
21. Dupla de brasileiros decifra o genoma de levedura do álcool
Cepa industrial de microrganismo resiste a ambiente hostil e ajuda usineiros a produzir etanol que abastece automóvel
Eduardo Geraque escreve para a "Folha de SP":
A levedura responsável por 10% de toda a produção de álcool combustível no mundo não é mais uma incógnita genética para os cientistas. Usado há décadas de forma empírica, o microrganismo conhecido como PE-2 ou Pedra-2, uma variante robusta do fungo microscópico Saccharomyces cerevisiae, teve o conjunto de seu DNA finalmente "soletrado".
O genoma será uma plataforma de trabalho importante, dizem os autores do sequenciamento, Gonçalo Pereira (Universidade Estadual de Campinas) e Juan Argueso (Unicamp e Universidade Duke, EUA). Vários outros cientistas também assinam o artigo sobre o trabalho, publicado na revista "Genome Research".
"Temos agora muitas informações genéticas. Podemos tentar manipular essa levedura para que ela seja mais eficiente ainda", diz Pereira.
Casca-grossa
A genética, em parte, constatou o que os empregados das grandes usinas brasileiras já sabiam. A levedura que produz o álcool é muito versátil. Por viver no interior do suco de fermentação das caldeiras, existem várias pressões ambientais sobre ela. Há, por exemplo, as altas temperaturas e as substâncias que circulam pelo mosto (caldo que vai fermentar).
E por que ela aguenta todos esses tipos de estresse, que outras leveduras de laboratório não suportam? A resposta, diz a dupla, está nos genes.
"Essa levedura [que tem 16 cromossomos] apresenta genes essenciais no centro do genoma. Mas, nas pontas, a variabilidade verificada é muito grande", diz Argueso. Os cientistas se depararam com uma espécie de híbrido natural.
Enquanto a parte central do genoma mantém as características evolutivas transmitidas ao longo de muitas gerações, a variabilidade periférica encontrada agora é que foi permitindo uma melhor adaptação aos vários ambientes.
"Nas indústrias, essa levedura selvagem [uma espécie heterotálica, ou seja, que necessita de dois talos isolados compatíveis para se reproduzir de maneira sexuada] foi sendo melhorada de forma empírica, por sucessivos cruzamentos, na base da tentativa e erro", diz Pereira. Tanto é assim que histórias curiosas foram observadas dentro de usinas paulistas no final do século 20.
Um empresário guardava a sete chaves uma levedura importada da Alemanha, considerada o grande segredo da sua produção. Uma análise mais detalhada do mosto, entretanto, mostrou que a levedura importada era totalmente engolida, em questão de dias, pela levedura brasileira.
Por ironia, "era a levedura nacional, que vem junto com a cana-de-açúcar normalmente, que fazia todo o trabalho de fermentação", conta Pereira.
Corrida tecnológica
Para melhorar a produtividade, o problema agora passa a ser menos de engenharia química e mais de engenharia genética, brinca Pereira, que é do segundo time. "Estamos na frente, mas não muito", diz Argueso.
A informação científica gerada pelo grupo brasileiro não é passível de patenteamento. Mesmo assim, empresas como a ETH e a Braskem patrocinam a pesquisa nacional. O que significa que todos que trabalham com leveduras terão acesso à plataforma genética que acaba de ser decodificada.
Esse conjunto de dados não é útil apenas para a produção de álcool. Existem várias outras aplicações. A corrida tecnológica está aberta.
Ela pode levar a plásticos feitos a partir de etanol ou ainda ao tão cobiçado combustível de segunda geração. Para isso, é preciso montar um microrganismo que seja eficiente na quebra da celulose que existe na cana-de-açúcar. Ou, no caso dos Estados Unidos, no milho.
(Folha de SP, 11/10)