Eu fui ateu e marxista-leninista. Hoje, não tenho mais fé suficiente para continuar sendo ateu. Respeito os direitos de ateus e agnósticos serem ateus e agnósticos. Tenho vários amigos assim. Nós vivemos numa democracia.
Agora, os ateus e agnósticos, bem como toda a sociedade, não podem se esquecer que foram eles que geraram os regimes mais totalitários e genocidas no século XX: o ateísmo é essencialmente antropofágico, e não admite a existência dos oponentes. Especialmente dos crentes de subjetividades religiosas.
O Brasil é um país democrático: as minorias devem ser respeitadas pela maioria, e a minoria tem que saber o seu devido lugar num sociedade democrática: o de ser minoria que deve ser protegida, mas respeitar a existência da maioria e seus valores. Não sou contra ateus e agnósticos. Lutarei, caso seja necessário, para a existência deles em nossa sociedade. Afinal de contas, Deus não é estuprador cósmico: a fé não é de todos (eu não sei onde é que foi que eu li isso...)
A luta aguerrida de alguns ateus chiques e perfumados à la Dawkins como Roberto Livianu contra a presença de símbolos religiosos em espaços públicos é uma ameaça gravíssima até na integridade física dos crentes de subjetividade religiosa. Se o estado quer ser realmente laico, tiremos todos os nomes de santos de nossos estados, capitais e cidades. Ridículo, não? São Paulo, São Bernardo, São José dos Campos, a se atender os desejos desses Pol Pots tupiniquins, essas cidades teriam que ser nomeados como Paulo, Bernardo e José dos Campos. Já pensou os nomes de ruas? Ridículo não é mesmo? Mas é bem provável que Livianu (não seria Leviano???), embora não tenha mencionado em seu artigo, também queira implodir a estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, ou quem sabe até mesmo implodir os participantes da "Marcha para Jesus" em plena Av. Paulista (ou aquela Avenida não é um espaço público cara-pálida???)
VADE RETRO LEVIANU!!!, mas mesmo assim defendo seu direito à manifestação de pensamento e de ser ateu e/ou agnóstico. O Estado laico é uma coisa muito boa, mas pode se tornar um instrumento totalitário sanguinário: a Solução Final (lembra-se???).
JC e-mail 3822, de 07 de Agosto de 2009.
17. Sagrada laicidade, artigo de Roberto Livianu
"Várias questões têm vindo à tona para testar o quanto o Estado brasileiro é realmente laico"
Roberto Livianu é doutor em direito pela USP, promotor de Justiça em São Paulo e coordenador, no Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), de projeto sobre Estado laico. Artigo publicado na "Folha de SP":
Por que será que certas forças conservadoras têm defendido com tanta veemência a manutenção de símbolos de uma única religião em prédios públicos? Por que negar a norma constitucional que determina a separação entre Estado e religiões no Brasil? A quem interessa esse retrocesso? No ano que vem, o decreto 119-A completa 120 anos de vida. Ele significou um marco histórico, a partir do qual o Brasil optou pelo Estado laico.
E determinou pela primeira vez a separação entre Estado e religiões. Por força dessa norma, cemitérios passaram a ser administrados pelo Estado e instituiu-se a figura do casamento civil. Isso aconteceu em um contexto de transformações sociais e políticas trazidas pelo novo Estado republicano - que, aliás, no ano seguinte ao decreto, adotaria a laicidade na própria Constituição Federal.
A partir daí, várias questões têm vindo à tona para testar o quanto o Estado brasileiro é realmente laico. E para medir qual a magnitude da separação entre Estado e religiões no país. Na verdade, desde a reforma protestante, no século 16, Martinho Lutero alertou sobre os problemas relacionados à adoção do direito canônico como instrumento regulador da sociedade. Preocupava-se com a necessidade de ter leis laicas.
Porque as leis canônicas se lastreiam em dogmas, verdades históricas absolutas e inquestionáveis. E a comunidade precisa de regras baseadas na racionalidade e mutáveis, porque o comportamento humano é dinâmico e, por isso, mutável.
Antes dessa separação, também os conceitos de crime e pecado se confundiam. As penas criminais eram, na verdade, castigos a serem impostos àqueles que violavam interesses da igreja ou do Estado, principalmente. E a pena principal era a de morte.
As ideias do modernismo determinaram profunda revisão de conceitos, colocando a dignidade humana como foco de preocupação dos povos. Apesar disso, no Brasil, setores conservadores, avessos ao respeito à Constituição, dizem que a maioria do povo é católica e que isso deve determinar um tratamento privilegiado para a Igreja Católica.
Chegam a propor, ainda que veladamente, na forma de acordo internacional, a violação do artigo 19 da Carta ao pretender uma reformulação do regime jurídico da relação Estado-religiões.
Isso é negar a essência da democracia. Porque, no sistema democrático, a voz da maioria prepondera na escolha do governante. Mas o eleito, passadas as eleições, deve governar para todos, incluídas as minorias, e não apenas para a maioria que o escolheu.
Essa concepção, que parece óbvia, é realidade concreta na França desde a revolução de 1789, tendo sido banidos de prédios públicos os símbolos religiosos. Da Justiça, das escolas, de todos. Também já se enterrou lá a ideia do ensino religioso em escolas.
E não é só na França. O mundo ocidental como um todo caminhou nessa direção. E até mesmo em países monarquistas, como Inglaterra e Dinamarca, a manutenção de uma religião oficial não impediu a existência de ordenamento jurídico laico. Lá se respeitam na plenitude as liberdades públicas e os direitos civis dos cidadãos, sendo autorizado o casamento homossexual na Inglaterra e o aborto na Dinamarca, entre outros direitos.
É triste constatar que, aqui no Brasil, quase 120 anos depois da opção pela república laica, deparamo-nos diariamente com incontáveis desrespeitos à cidadania. Que a neutralidade religiosa, que deveria ser a tônica das ações dos nossos agentes políticos, ainda seja meta distante de ser alcançada.
Precisamos reafirmar a cada dia nossa opção republicana laica. E precisamos mostrar às próximas gerações de brasileiras e brasileiros que cada um tem o direito à liberdade plena. De manifestação, de associação. De crer ou não crer. E que ninguém tem o direito de se opor ao exercício desse direito.
Que se opor a esse exercício significa negar a república, a democracia e a tolerância religiosa brasileiras.
Portanto, em boa hora o Ministério Público Federal pediu à Justiça que sejam retirados símbolos alusivos a uma religião das dependências de prédios públicos federais. O espaço público é de todos, e não só dos adeptos daquela religião.
Os agnósticos e ateus, assim como as minorias adeptas a todas e quaisquer religiões, têm direito de estar nesses locais sem se constrangerem com a existência de símbolos de uma religião à qual não aderiram. Trata-se de respeitar cada brasileiro e cada brasileira no exercício pleno de suas liberdades públicas, que devem ser defendidas sempre de forma intransigente.
(Folha de SP, 7/8)