Harald zur Hausen 'falou e disse': há menos liberdade intelectual na ciência atual

quinta-feira, agosto 05, 2010

JC e-mail 4068, de 05 de Agosto de 2010.




Para Harald zur Hausen, Nobel de Medicina, antes era mais fácil pensar "fora da caixa"

O alemão Harald zur Hausen, 74, diz, com seu tom de voz sempre baixo, que, apesar da internet, é mais difícil para um cientista jovem fazer um bom trabalho hoje.

"Há enorme pressão para publicar [artigos científicos] rápido. É contraprodutivo. Precisamos dar aos cientistas jovens um período de mais liberdade, estimular alguma independência intelectual, para que desenvolvam ideias por eles mesmos."

Com essa pressão, a tendência é fazer o que todos já estão fazendo -é mais garantido do que apostar alto.



Hausen, que esteve em São Paulo para um encontro organizado pelo Hospital A.C. Camargo, fala por experiência própria. Quando todos achavam que o câncer no colo de útero era causado pelo vírus da herpes, ele apostou no HPV. Fracassou por cinco anos, até que, em 1983, mostrou que estava certo.

Ganhou o Nobel em 2008. Quando sua neta de três anos soube, começou a chorar. Ninguém entendeu, e ela explicou, inconsolável: "Também quero um Nobel."

Se a garota quiser levar o projeto adiante, Hausen tem um conselho. "É sempre bom passar pelo menos dois anos fora do seu país de origem", diz. "Justamente para adquirir novas ideias, novas maneiras de pensar, e também um estilo de vida diferente."

Foi o que ele fez na década de 1960, quando morou nos EUA. A Alemanha, diz, tinha sofrido com a saída de bons cientistas durante o nazismo -"e leva muito tempo para um país se recuperar disso".

"Nos EUA, você discutia suas ideias, ainda que fossem loucas, com muita gente boa. Satisfação que eu não tinha, antes, na Alemanha." [NOTA DESTE BLOGGER: Não existe mais este clima de liberdade acadêmica nos Estados Unidos. Hoje, o patrulhamento ideológico é muito forte e aí de quem mijar fora do penico do discurso konsensual da Akademia. Aqui no Brasil não é diferente: os agentes da KGB epistêmica impedem que a ciência avance ao permitirem somente o discurso monolítico: todo o mundo pensando a mesma coisa, e ninguém pensando em nada. Síndrome dos soldadinhos de chumbo. Chamam isso de liberdade acadêmica. Que liberdade, caras-pálidas, se ninguém pode alçar vôos epistêmicos ousados???]

Se jovem hoje, se empolgaria com áreas em ascensão como os mecanismos moleculares do envelhecimento ou células-tronco -boas para candidatos a Nobel, diz.

Sobre a terapia genética (a inserção de genes, às vezes utilizando um vírus, nas células de alguém para tratar uma doença), diz que "é um conceito promissor, mas até agora o seu sucesso foi extremamente limitado".

(Ricardo Mioto)

(Folha de SP, 5/8)

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