A marcha da natureza e seus descaminhos
Há 200 anos Jean-Baptiste Lamarck publicava livro sobre a origem da vida e a formação das espécies
Em 1809, mesmo ano do nascimento de Charles Darwin e 50 anos antes da publicação de A origem das espécies, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) publicou, em dois volumes, sua notável Filosofia zoológica.
Nessa obra, para explicar a origem da vida e a formação das diferentes espécies, Lamarck apelou para forças puramente naturais. Além de produzir as formas mais simples de seres vivos a partir da matéria inerte, essas forças fizeram com que, geração após geração, as formas menos organizadas dessem lugar a outras progressivamente mais complexas.
Lamarck nasceu em um pequeno povoado do nordeste da França. Em 1763, forçado a abandonar a carreira militar por um problema de saúde, passou a estudar história natural. Nessa atividade, a que se dedicou até sua morte, destacou-se primeiramente como botânico. Mas em 1793 foi designado para ocupar a cátedra de invertebrados no recém-criado Museu Nacional de História Natural de Paris.
Foram, porém, suas teses evolucionistas – e não seus importantes trabalhos como taxonomista de plantas, insetos e vermes – que lhe deram lugar de honra na história da biologia. Antes de Lamarck, outros naturalistas esboçaram conjeturas transformistas, mas nenhum deles as formulou de forma tão clara e sistemática como a apresentada em sua Filosofia zoológica.
Estátua de Lamarck feita pelo escultor francês Léon Fagel (1851-1913) no Jardim das Plantas, em Paris. Na base do monumento está gravada a inscrição “Fundador da doutrina da evolução” (foto: Luis Fernández García).
Dentro de certos limites, para Lamarck – assim como para muitos de seus contemporâneos e para a maioria de seus predecessores – as diferentes classes de seres vivos podiam ser ordenadas em escalas de organização decrescente, que, para ele, eram a expressão invertida de uma permanente e recorrente marcha da natureza.
Uma jornada que começava com formas menos complexas de seres vivos, surgidas da matéria inerte, e depois ia produzindo seres progressivamente mais complexos. O homem, que nas classificações seriais dos seres vivos sempre ocupava o topo da escala, era para Lamarck só o degrau mais alto que essa marcha tinha alcançado.
Fenômeno físico
Na opinião do naturalista, a vida era um fenômeno puramente físico e sua origem, embora difícil de explicar, só podia obedecer às regularidades que regiam os outros fenômenos naturais. Segundo ele, não era de espantar que, recorrentemente, formas mais simples da vida brotassem da matéria inerte, como gases brotam de uma combustão.
Isso, aliás, era algo que muitos de seus contemporâneos aceitavam sem maiores reticências. Embora não houvesse consenso no que dizia respeito aos seres vivos mais simples, as teorias da geração espontânea ainda eram moeda corrente no início do século 19. Na falta de uma explicação universalmente aceita para esses supostos processos de biogênese, muitos os consideravam fenômenos naturais tão habituais e regulares quanto quaisquer outros.
Mas o que era de fato novo em Lamarck era a ideia de que os seres simples e diminutos surgidos da matéria inerte podiam produzir uma descendência mais complexa. E essa descendência, por sua vez, podia dar origem a uma terceira geração um pouco mais complexa ainda. Lamarck considerava que o desenvolvimento da vida era pautado por uma tendência ao incremento de complexidade, que resultava do permanente movimento de fluidos no interior dos corpos organizados.
Esse movimento tendia a abrir novos canais de circulação, fazendo com que novas partes e novos órgãos surgissem onde antes só havia tecidos indiferenciados. O desenvolvimento embrionário era, segundo Lamarck, um indício claro de como esse movimento de fluidos agia nos seres organizados.
Gustavo Caponi
Departamento de Filosofia,
Universidade Federal de Santa Catarina
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O Dr. Caponi é um dos poucos evolucionistas com quem se pode conversar sobre a evolução com outras visões extremas.