Espécies de carbono
3/8/2009
Agência FAPESP – Duas sociedades científicas internacionais se uniram para pedir aos participantes do mercado de carbono que ajudem a salvar algumas das espécies mais ameaçadas do planeta.
Em documento divulgado na Alemanha, cientistas do Brasil e de diversos países destacam que espécies ameaçadas devem fazer parte do comércio internacional de carbono e dos esforços para combater o aquecimento global (foto: ATBC)
Em reunião na semana passada na Alemanha, a Associação de Biologia Tropical e Conservação (ATBC, na sigla em inglês) e a Sociedade de Ecologia Tropical (GTÖ, na sigla em alemão) divulgaram a Declaração de Marburg, que destaca diversos problemas sérios nas atuais medidas em andamento para tentar combater o aquecimento global e a devastação de florestas tropicais.
Entre os principais pontos do documento estão que os esforços para minimizar a redução das emissões de carbono devem também considerar a conservação da biodiversidade. Este ponto, aponta o texto, precisaria ser considerado uma das prioridades durante as negociações da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em Copenhague, na Dinamarca, de 7 a 18 de dezembro.
“Se queremos limitar a ameaça das mudanças climáticas, devemos reduzir a destruição desenfreada das florestas tropicais, processo que resulta na emissão de cerca de 5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano na atmosfera”, disse Lúcia Lohmann, professora do Departamento de Botânica da Universidade de São Paulo e conselheira da ATBC. “Mas apenas reduzir as emissões não é o bastante. Precisamos também salvar as espécies em perigo.”
O problema, segundo os cientistas, é que os comerciantes internacionais de carbono tendem a apoiar esforços de preservação em áreas em que a terra é mais barata – estima-se que o mercado de carbono, a partir de acordos feitos em Copenhague, possa em pouco tempo passar para a escala dos bilhões de dólares anuais.
“As espécies mais criticamente em risco não estão apenas na Amazônia. Elas estão também nos últimos remanescentes de floresta em áreas nas Filipinas, em Madagascar, no oeste africano e nos Andes. Essas regiões são hotspots da biodiversidade [das áreas prioritárias para a conservação global], refúgios derradeiros para milhares de espécies de plantas e de animais ameaçados”, disse William Laurance, professor da Universidade James Cook, na Austrália, e ex-presidente da ATBC.
As sociedades sugerem que análises de custo-benefício sejam urgentemente conduzidas para ajudar a desenvolver estratégias adequadas para maximizar os benefícios da redução das emissões do desflorestamento e da conservação da biodiversidade.
O manifesto também pede que grupos de conservação não-governamentais promovam estratégias, apoiadas por financiamento privado, para aumentar a competitividade dos créditos de carbono dessas florestas e ecossistemas mais ameaçados.
“Há um potencial enorme para ajudar a proteger as florestas ameaçadas com dinheiro do carbono. Mas, se não formos cuidadosos, poderemos desperdiçar nossa chance de salvar espécies criticamente em risco”, ressaltou Laurance.
“Conclamamos todas as nações e corporações a investir em fundos de carbono para ajudar a preservar as florestas que estão desaparecendo. Mas, ao fazer isso, será preciso gastar um pouco mais, de modo a proteger os hábitats mais ameaçados. Com isso, poderemos diminuir o aquecimento global ao mesmo tempo em que estaremos salvando algumas das mais incríveis e infelizmente ameaçadas espécies na Terra”, disse Lúcia, que também é associada da Diversitas, dos jardins botânicos do Missouri e de Nova York, e coordena três projetos de Auxílio a Pesquisa – Regular apoiados pela FAPESP.
A seguir, a Declaração de Marburg, em inglês.
THE MARBURG DECLARATION
The Urgent Need to Maximize Biodiversity Conservation in Forest Carbon-Trading
A joint communiqué of the Association for Tropical Biology and Conservation (ATBC) and the Society for Tropical Ecology (GTÖ) during their joint annual meeting in Marburg, Germany, 26-29 July 2009
WHEREAS, tropical forests around the world are being destroyed at an alarming pace, currently averaging 10-15 million hectares per year—roughly equivalent to 50 football fields per minute; and
WHEREAS, tropical forests are among the biologically-richest ecosystems on earth, sustaining at least half of all plant, animal, and fungal species in an area spanning just 7% of the planet’s land surface; and
WHEREAS, tropical forests perform an array of vital ecosystem services, such as storing large stocks of carbon in their living biomass and soils, reducing soil erosion and downstream flooding, and copiously releasing water vapor into the atmosphere that creates clouds and promotes life-giving rainfall; and
WHEREAS, tropical forests are home to an estimated 50 million indigenous forest peoples and provide livelihoods for large numbers of rural communities; and
WHEREAS, the rapid destruction of tropical forests produces about 20% of all human-caused emissions of greenhouse gases—the equivalent of 5 billion tons of carbon dioxide annually—which is a serious contributor to global warming; and
WHEREAS, tropical deforestation further promotes global warming by reducing the formation of clouds, which reflect much solar radiation away from earth; and
WHEREAS, current policy initiatives designed to use international carbon-trading to reduce emissions from deforestation and degradation of tropical forests—termed ‘REDD’—are rapidly gaining momentum and deserve strong political and public support; and
WHEREAS, at present rates of growth, international funding for REDD could soon dwarf all other spending for tropical conservation; and
WHEREAS, as presently structured, REDD funding will be focused largely on protecting areas that are most cost-effective for reducing carbon emissions, such as countries that have high deforestation rates and large expanses of relatively inexpensive forest land; and
WHEREAS, from a biodiversity-conservation perspective, the most urgent areas to protect are biodiversity ‘hotspots’—the last vestiges of forest in species-rich regions such as Madagascar, the tropical Andes, the island nations of Southeast Asia, Indochina, West Africa, the Brazilian Atlantic forest, and many smaller tropical islands—that contain large concentrations of endangered species threatened with imminent extinction; and
WHEREAS, many of the recognized biodiversity hotspots occur in areas that have been climatically stable over long periods of time, and if protected might become important refugia for wildlife facing serious climatic change in the future; and
WHEREAS, despite its potentially huge benefits for biodiversity protection, the costs of implementing REDD will often be greater in biodiversity hotspots because these forests are limited in extent and development and human-population pressures there are often intense;
THEREFORE, BE IT RESOLVED, that the Association for Tropical Biology and Conservation, the world’s largest scientific organization devoted to the study, protection, and wise use of tropical forests, and its sister European organization, the Society for Tropical Ecology, jointly urge the following:
1) That efforts to maximize the benefits of REDD for biodiversity conservation be a key priority during international negotiations of the U.N. Framework Convention on Climate Change, especially during its forthcoming meeting of the Convention of Parties in Copenhagen, Denmark; and
2) That nongovernmental conservation groups promote private funding strategies to increase the cost-competitiveness of carbon credits from the world’s most imperiled forests and ecosystems; and
3) That REDD initiatives also focus on reducing other immediate threats to tropical biodiversity beyond deforestation, such as overhunting, fires, and unsustainable logging; and
4) That efforts to promote biodiversity conservation via REDD are done in a manner that is sensitive to the needs of indigenous and local communities; and
5) That cost-benefit analyses be urgently conducted to help develop optimal strategies to simultaneously maximize the benefits of REDD for both reducing carbon emissions and protecting endangered biodiversity; and
6) That public and private donors to REDD schemes stipulate wherever possible that their funds are to be used not only to reduce carbon emissions, but also to help halt or mitigate threats to the most endangered forests and species on earth.