JC e-mail 3446, de 11 de Fevereiro de 2008.
13. A primeira célula, artigo de Marcelo Gleiser
Para entender a vida, temos de buscar a origem de sua unidade
Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo". Artigo publicado na "Folha de SP":
A prendemos em biologia, numa das primeiras lições: a célula é a unidade fundamental de um organismo, consistindo de uma membrana circundando um núcleo que flutua em citoplasma.
Sabemos que células podem sobreviver por conta própria. Muitos organismos microscópicos, como a ameba ou o paramécio, consistem em apenas uma célula.
Um vírus é uma entidade ainda mais simples, mas que não é propriamente viva: consistindo de uma cápsula feita de proteína e um interior com material genético, só consegue se replicar quando está dentro de uma célula viva.
Portanto, podemos dizer que a célula é a unidade fundamental da vida. Se quisermos entender a origem da vida, temos que entender como surgiram as primeiras células.
Alguns cientistas estão tentando fazer exatamente isso. Em seus laboratórios, procuram sintetizar uma célula primitiva, capaz de se reproduzir e sobreviver por si mesma. Em ciência, a mesma questão pode ser abordada de várias formas diferentes. No caso da origem da primeira célula, existem três caminhos.
No primeiro, investigado no Instituto J. Craig Venter, cientistas procuram uma célula mais básica: usando o micróbio parasita Mycoplasma genitalium, responsável por infecções urinárias, partem do mais complicado para o mais simples.
O parasita tem apenas 528 genes no seu DNA, dos quais muitos são supérfluos. A questão é quais são eles e qual é o número mínimo de genes numa célula capaz de sobreviver. O processo é lento: combinações de genes são extraídas metodicamente e a célula resultante é testada.
Um dia os pesquisadores esperam chegar ao conjunto mínimo de genes capaz de manter a célula viva. Uma vez que estes sejam encontrados (se forem encontrados), o plano é recriar o DNA sinteticamente.
A tarefa é complexa: ninguém conseguiu criar um DNA com centenas de milhares de unidades. Mesmo se o projeto falhar, as técnicas que estão sendo desenvolvidas permitirão o reparo e a reconstrução de material genético. Por exemplo, seria possível criar uma célula capaz de converter detritos orgânicos em hidrogênio combustível.
Críticos afirmam que esse procedimento não leva de fato à resolução do enigma da primeira célula. Afinal, esse parasita evoluiu durante centenas de milhões de anos para chegar ao seu estado atual.
Outro grupo publicou uma receita para a construção de uma célula usando partes avulsas, como num kit de montagem de aeromodelo. Nessa receita, o maquinário molecular responsável pela vida seria baseado num genoma sintético com 151 genes e mais algumas proteínas.
Uma vez encontrado, esse material é circundado por uma membrana de gordura (lipídios). Ao menos a membrana foi construída com sucesso. E proteínas foram sintetizadas em seu interior, o começo de algo semelhante à vida.
Mesmo esse processo usa moléculas modernas, produtos de bilhões de anos de evolução. O desafio é começar do começo, criando vida a partir do que não vive, como ocorreu na Terra há aproximadamente 3,8 bilhões de anos.
Um terceiro grupo, da Universidade Harvard, vem tentando fazer isso: uma célula consistindo de uma membrana e uma única molécula de RNA capaz de se auto-replicar.
O desafio aqui é encontrar essa molécula. Estamos em desvantagem: a vida teve centenas de milhões de anos para realizar seus experimentos até encontrar a combinação certa. Por outro lado, temos nossa curiosidade e o conhecimento acumulado de centenas de anos de ciência. Com paciência e persistência, não se surpreenda se, em algumas décadas, gerar vida no laboratório virar rotina.
(Folha de SP, 10/2)
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Comentário impertinente deste blogger:
‘Criar vida a partir do que não vive’? Os livros-textos de Biologia do ensino médio relatam que Francesco Redi, um cientista italiano (final do século 17), mais Louis Pasteur (1822-1895) um cientista francês, derrubaram a idéia absurda da abiogênese.
Nem toda a idade do universo – uns 12 a 15 bilhões de anos [nenhum cientista sabe exatamente a idade certa], seriam possíveis para se encontrar a combinação certa. Considerando-se que nesta área científica o que temos é um punhado de ‘teorias absurdas’ [Eu estou até pensando em submeter a minha. Por que não???] Neste vale-tudo epistêmico, vale a pena relembrar o último artigo do Leslie Orgel: no contexto da justificação teórica em origem da vida não é a plausibilidade lógica que corrobora uma teoria, mas sim a plausibilidade química. O Mysterium tremendum, continua Mysterium tremendum para desespero da Nomenklatura científica.
Este artigo de Marcelo Gleiser na FSP bem que poderia ser intitulado: “Origem da vida: notas promissórias epistêmicas sem lastro de evidências a perder de vista!”