O habitante alado das florestas

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

O habitante alado das florestas

Colunista apresenta a diminuta espécie de réptil voador que acaba de ser descrita por pesquisadores chineses e brasileiros

Várias descobertas surpreendentes de fósseis da China, particularmente da região de Liaoning e arredores, já foram apresentadas nesta coluna. Agora estamos noticiando mais uma: a de um dos menores répteis voadores já encontrados, batizado de Nemicolopterus crypticus. O nome vem do grego: nemos quer dizer floresta; ikolos significa habitante, morador; pteros equivale a asa e, por fim, kryptos quer dizer escondido. Uma tradução livre do nome da espécie seria algo como “o escondido morador alado da floresta”.

De forma geral, os pterossauros surgiram há aproximadamente 225 milhões de anos e se extinguiram juntamente com a maior parte dos dinossauros, há 65 milhões de anos. Durante esse período, esses animais alados dominaram os céus do planeta. Do ponto de vista evolutivo, podem ser considerados como "irmãos" dos dinossauros: os dois grupos de répteis tiveram um ancestral comum, mas depois cada um seguiu seu próprio caminho.

Considerados os primeiros vertebrados a desenvolverem o vôo ativo, os pterossauros são um dos grupos mais enigmáticos de animais pré-históricos. Eles raramente são encontrados e geralmente estão mal preservados e incompletos. Seu estudo tem ganhado bastante impulso nos últimos anos devido a importantes descobertas, particularmente na Alemanha, no Brasil e na China.

A descoberta da nova espécie de pterossauro também foi feita na China, durante um trabalho de campo na localidade de Luzhougou, perto da cidade de Yalugou, na província de Liaoning. Os pesquisadores Xiaolin Wang e Zhonghe Zhou, ambos do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, de Pequim, encontraram um esqueleto quase completo em uma pequena placa de siltitito (rocha de granulometria bem fina).

Os ossos bem escuros contrastavam com a coloração mais cinza da rocha, fazendo com que a natureza do fóssil pudesse ser determinada logo no primeiro instante: tratava-se de um pterossauro. Naquela localidade já haviam sido encontrados restos de dinossauros, peixes e plantas – mas nenhum pterossauro até então. As rochas indicam que o ambiente era de uma floresta cortada por pequenos rios e lagos há 120 milhões de anos, em pleno período Cretáceo.

Durante um trabalho de campo realizado por Diogenes de Almeida Campos, do Museu de Ciências da Terra (DNPM), e por este colunista, os colegas chineses convidaram-nos para uma pesquisa conjunta. A descrição da nova espécie, resultado dessa parceria, acaba de ser publicada com destaque na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, ou simplesmente PNAS. A participação brasileira no projeto foi patrocinada pela Faperj, pelo CNPq e pela Academia Brasileira de Ciências.

Mas qual a importância dessa descoberta?

Pouco maior que um pardal
O esqueleto do Nemicolopterus crypticus estava praticamente completo, com asas, corpo, membros posteriores, crânio e mandíbula. Isso já bastaria para configurar uma descoberta fascinante. Mas não era tudo: além disso, o animal também tinha um tamanho bem pequeno. Com 25 cm de uma ponta a outra das asas, ele era pouco maior que um pardal.

No início, supunha-se que seria um recém-nascido, que acabara de deixar o ovo. No entanto, uma análise detalhada mostrou que o animal tinha todos os ossos bem formados, ao contrário dos recém-nascidos, nos quais alguns elementos ainda são cartilaginosos, particularmente no pé. Por outro lado, ele tampouco representava um adulto, já que diversos ossos do crânio não estavam completamente fusionados. Assim, concluiu-se que se tratava de um animal jovem, o que faz dele um dos menores – senão o menor – pterossauros já encontrados até aqui.

E quanto mais esse animal podia crescer? Esta é uma questão ainda não resolvida. Vejamos sua posição na história evolutiva dos pterossauros: o Nemicolopterus crypticus é membro do grupo Ornithocheiroidea, que reúne as formas mais derivadas de répteis voadores. Alguns desses animais atingiam tamanhos gigantescos, como o Anhanguera do Brasil ou o Quetzalcoatlus dos Estados Unidos, cada um, respectivamente, com 5 e 10 metros de abertura alar.

Outras feições do Nemicolopterus crypticus chamam mais a atenção. A principal delas está na curvatura das falanges dos pés. Comparado com alguns fósseis de lêmures, pode-se concluir que a nova espécie era mais arborícola. O estudo sugere que o Nemicolopterus crypticus vivia na copa de árvores, alimentando-se de pequenos insetos.

Essa descoberta também levanta a hipótese de que os grandes pterossauros que se alimentavam predominantemente de peixes são descendentes de pequenos animais como o Nemicolopterus crypticus. Com essa descoberta, revelamos, assim, uma página desconhecida na fascinante história da evolução desses répteis alados.


Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
11/02/2008

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Vale a pena ir à página do CiênciaHoje e ver as fotos.


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JC e-mail 3447, de 12 de Fevereiro de 2008.

15. Pesquisadores descobrem fóssil do menor réptil voador do mundo

Brasileiros e chineses revelam nova espécie de pterossauro. O animal mede apenas 25 cm e determina uma nova evolução desses répteis alados

Vanessa Ramos escreve para o “JC e-mail”:

O Nemicolopterus crypticus (o escondido habitante alado da floresta), nome dado pelos pesquisadores ao pterossauro, foi encontrado em Luzhougou, província de Liaoning, na China. O fóssil representa o menor réptil voador já encontrado no planeta, com 25 cm e ossos extremamente finos, que variam entre 1 e 2 mm de espessura. É 20 vezes menor do que, por exemplo, o pterossauro brasileiro Anhanguera piscator.

Além disso, ele exibe algumas características peculiares, tais como: uma expansão óssea no fêmur, possivelmente destinada para tendões; uma inserção muscular que fortificava as pernas; ossos dos pés curvados, nunca antes registrados em qualquer pterossauro; falta de dentes; e uma espécie de garra sobre uma das extremidades das asas, que lembra os ombros de outros animais.

O fóssil tem 120 milhões de anos, pertencendo ao período Cretáceo. Os chineses o encontraram em 2004, em rochas sedimentares que fazem parte da Formação Jiufotang. Mas o trabalho científico foi desenvolvido pelos paleontólogos Alexander Kellner, do setor de Paleovertebrados do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional/UFRJ, Diógenes de Almeida Campos, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e Xiaolin Wang, além de Zhonghe Zhou, ambos do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia de Pequim, na China.

Os brasileiros anunciaram a descoberta nesta segunda-feira (11/2), no Museu Nacional/UFRJ. Apesar de o fóssil ter sido encontrado há quatro anos, somente após o término da pesquisa é que ele pôde ser descrito, em artigo publicado na Procedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Diferenças

De acordo com os pesquisadores, o Nemicolopterus crypticus vivia na costa chinesa do Pacífico, sobre as copas das árvores, e se alimentava exclusivamente de insetos, por não haver muitos frutos no período. Esses pterossauros surgiram há aproximadamente 220 milhões de anos e são considerados os primeiros vertebrados adaptados para vôo ativo, isto é, não eram apenas planadores.

Para Kellner, a descoberta da espécie “escreve uma nova página na história da vida desses animais, pois o pterossauro descoberto é diferente de todos os encontrados antes. Seus ossos são bem formados, o que o caracteriza como uma espécie adulta. E, sobretudo, as asas foram extremamente importantes para o movimento do animal e diferem de todas as asas dos animais de hoje”.

Segundo os paleontólogos, os pterossauros não são aves, mas também não são dinossauros. Ambos tiveram um ancestral comum e cada um seguiu sua própria história evolutiva. Para esses cientistas, os grandes pterossauros, que se alimentavam predominantemente de peixes, são descendentes de pequenos animais como o Nemicolopterus crypticus.

Em função desta descoberta, os chineses pretendem intensificar as escavações e investir cerca de 1 a 2 bilhões de dólares nas próximas pesquisas. Só no projeto que deu origem ao Nemicolopterus crypticus, a China gastou 1 milhão.

Sem revelar a data exata, o paleontólogo do Museu Nacional/UFRJ afirma que muitas descobertas estão por vir neste ano. “A parceria com o país asiático surgiu em 2004, porque o Brasil possui os melhores especialistas em pterossauro do mundo”, afirmou Kellner. Para ele, o Brasil ganhou visibilidade nesta área por causa da Bacia do Araripe (lugar onde foram encontrados vários pterossauros), no Ceará.

A réplica do Nemicolopterus crypticus ficará na exposição permanente do Museu Nacional/UFRJ, localizado na Quinta da Boa Vista, São Cristóvão, RJ, a partir de desta terça-feira (12/2). Já o fóssil original ficará num instituto científico chinês.

O financiamento da pesquisa brasileira contou com o apoio da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) e do CNPq. A equipe de pesquisadores da China, que participou dos trabalhos, teve apoio de instituições de fomento à pesquisa do país.