Professor da UFRN comenta artigo "A consciência do cururu", de Marcelo Leite

quarta-feira, janeiro 20, 2010

JC e-mail 3933, de 20 de Janeiro de 2010.

23. Professor da UFRN comenta artigo "A consciência do cururu", de Marcelo Leite

"Cada um sofre os impactos das atividades humanas de maneira particular. Aos anfíbios já basta a iminente extinção em massa"

Leia a mensagem de Adrian Antonio Garda, professor adjunto do Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN):

"Com mais de 40% de suas espécies ameaçadas de extinção em todo o mundo, o que os sapos menos precisam é que o colunista de ciência de um dos mais importantes jornais do Brasil (país com a maior diversidade de sapos do planeta) propague a ideia de que esses animais não são dignos de nossa piedade, e o faça com uma argumentação esdrúxula de que ele os acha feios.

O texto de Marcelo Leite é recheado de um desprezo difícil de entender, vindo de alguém que, ligado à ciência, deveria evitar ao máximo ser preconceituoso: "Conheço poucos bichos horríveis como um sapo-cururu. O Bufo marinus é tão feio, mas tão feio, que chega a parecer simpático. Simpatia, porém, tem limite." Em seguida, "Para mim, esse limite coincide com a linha grosseira do sangue quente. Ela mantém anfíbios, répteis e peixes do lado de lá, em que vivem os vertebrados indignos de comiseração".


Bufo marinus - Blog do Marcelo Leite

Tudo isso para atacar o Departamento de Ambiente e Conservação em sua decisão de não deixar que os animais sejam exterminados com CO2. Afinal, por que ter alguma comiseração com um bicho feio, venenoso, de sangue frio e que invadiu (foi introduzido, na verdade) a megadiversa Austrália? Afinal, "muito bicho mais simpático anda esticando as canelas por lá depois de morder o Bufo marinus".

Em 2006 tive a chance de assistir uma palestra do melhor, mais produtivo e mais citado herpetólogo da Austrália. O dr. Richard Shine apresentou parte dos resultados de seu trabalho com os invasivos Bufo marinus. Seus resultados indicam que os males causados pelos sapos invasores originam-se, muitas vezes, mais do preconceito do que de fatos verdadeiramente científicos. Mamíferos, serpentes e outros animais mostraram uma incrível capacidade adaptativa aos invasores.

Isso não significa que introduções de espécies não sejam danosas. Inclusive a do sapo cururu na Austrália. É bom checar o que existe de ciência sobre isso. Da parte do laboratório do dr. Shine, são mais de duas dezenas de artigos que avaliam, cientificamente, o verdadeiro mal que esses animais podem causar. Sem nenhum apelo estético irrelevante à questão. Um gatinho pode ser lindo para muitos, mas o seu impacto como invasor é terrível no mundo todo, inclusive na Austrália. Será que o sr. Marcelo concordaria em câmaras de gás para sufocar os bichanos? Sua comiseração permitiria isso?

Não devemos, pois, guiar nossas avaliações de maneira intempestiva e sem base firme na melhor ciência disponível. Só porque ele é feio, não significa que não mereça comiseração. Ou só teremos apreço no futuro próximo pelas oncinhas pintadas, zebrinhas listradas e coelhinhos peludos? Que bioética é essa?

Aliás, vindo de alguém que escreveu sobre Darwin, esperaria que Marcelo concedesse piedade a todos os bichos e plantas sem distinção, já que cada um representa um pedaço da história evolutiva do planeta. Cada um representa uma parte da teia ecológica da vida e esconde a história da nossa terra na sua distribuição, nas suas afinidades taxonômicas e em cada traço de sua biologia. Mas, principalmente, cada um sofre os impactos das atividades humanas de maneira particular. Aos anfíbios já basta a iminente extinção em massa. Preconceito assim, nem quem periga sumir do planeta de vez merece!"

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NOTA IMPERTINENTE DESTE BLOGGER:

Eu sou fã do Marcelo Leite, e ele sabe disso, apesar de nossas visões extremas sobre a evolução. Eu vou ficar do lado Marcelo Leite contra o Dr. Adrian Antonio Garda, por razões estritamente darwinistas: o mais apto sobrevive. Por que chorar as pitangas pelos sapos cururús [que, contra Marcelo Leite, eu os acho bonitos] se eles forem extintos? Ora, para sermos fiéis a Darwin, as extinções fazem parte dos mecanismos evolutivos onde o mais apto sobrevive, e o resto da estória [com E mesmo] todo o mundo já sabe: surge uma nova espécie que irá ocupar aquele nicho, y otras cositas mais.

Marcelo Leite, você me deve esta defesa!!!

Fui, nem por que, pensando em Don Quijote de la Mancha...