A educação do Brasil em 2016: os mesmos erros?

quinta-feira, janeiro 14, 2010

JC e-mail 3929, de 14 de Janeiro de 2010.

6. A educação do Brasil em 2016: os mesmos erros?, artigo de Arnaldo Niskier

"No país, existe uma clara mortalidade infantil pedagógica"

Arnaldo Niskier é membro da Academia Brasileira de Letras. Artigo publicado no "Correio Braziliense":

Não se trata de exercício de adivinhação. Nem de data aleatória. Penso no Brasil das Olimpíadas de 2016, ou seja, daqui a facilmente previsíveis seis ou sete anos. Por exemplo: ainda teremos 14 milhões de analfabetos puros? O vestibular ficará na saudade? E os salários dos professores estarão próximos de uma remuneração decente?

São referências a fatos que nos incomodam. Como é o caso da educação de até três anos de idade. É preciso que especialistas estrangeiros venham gozar as delícias dos trópicos e nos "ensinem" o que estamos cansados de saber? Josué de Castro e Nelson Chaves, ambos de Pernambuco, cansaram de chamar a atenção das autoridades para a necessidade de cuidar adequadamente (sobretudo com alimentação) dessa crucial faixa etária, quando as conexões cerebrais se organizam para sempre.

Vivemos hoje sob o estigma da baixa qualificação escolar. Não é um fenômeno somente brasileiro, pois o presidente Barack Obama, que afirma ter escolhido a esperança em lugar do medo, investe US$ 500 bilhões anuais em educação. Está impressionado com a má performance de 5 mil escolas norte-americanas e as notas medíocres alcançadas nos exames internacionais (Pisa) de matemática, por exemplo: os Estados Unidos ficaram em 35º lugar, enquanto o Brasil alcançou o 54º, numa competição de 57 países (ano-base 2006).

No Brasil, existe uma clara mortalidade infantil pedagógica. O abandono escolar é uma realidade, embora o governo tenha estimulado a valorização da escola por intermédio de ambiciosos projetos sociais, como o Bolsa Família, que hoje alcança população de 12 milhões de pessoas, sobretudo no interior do país. Partindo do princípio de que "conhecimento é poder", luta-se para reformar os currículos das escolas, abandonando a rigidez secular de currículos que não mais condizem com as necessidades dos que vão buscar de imediato o amparo no mercado de trabalho.

Pode-se registrar claro retrocesso, nos últimos 15 anos, mas a reação se nota pela vontade política de valorizar a avaliação mais do que nunca presente no processo ensino-aprendizagem. Busca-se política de valores e não só de resultados: a classe média alta brasileira raciocina em níveis muito inferiores, por exemplo, aos europeus.

Existe a certeza de que "a aprendizagem é para toda a vida" (como vimos na Unesco) e que a gestão da escola é elemento estratégico essencial. Aí surge a figura do diretor, que pode transformar esse quadro. Ele luta para vencer preconceitos descabidos, como o que existe no país contra o ensino profissional. A Constituição de 1937 afirmava que ele seria destinado "às classes menos favorecidas". Não seria exagero encontrar, no preceito constitucional, uma das causas principais da existência, hoje, de 7 milhões de jovens brasileiros sem emprego por absoluta falta de qualificação?

Com os nossos avanços econômicos, inclusive com as perspectivas do pré-sal, que poderá ter exploração potencializada nos próximos 10 anos, surgirão milhares de empregos, sobretudo de nível intermediário, nas áreas de petróleo e gás, transformando completamente as opções de recursos humanos. Temos hoje 60 milhões de alunos frequentando as escolas brasileiras, em todos os níveis. Cerca de 33% da população, o que representa número bastante expressivo. O ensino cresceu muito, nos últimos anos, sobretudo no fundamental. Mas quais são as perspectivas de melhorar a sua qualidade?

Há necessidade de mais recursos para a educação, que hoje investe cerca de 4,5% do Produto Interno Bruto. A educação, com cerca de US$ 22 bilhões, tem o terceiro orçamento da República, atrás somente de saúde e defesa. Deveremos chegar a 6% do PIB, para que todos os planos e projetos sejam viabilizados no prazo determinado. Assim será possível vencer um dos maiores obstáculos da educação brasileira que é a remuneração do quadro do magistério. Temos cerca de 3 milhões de professores empregados (quase 500 mil no ensino superior), com a média salarial de US$ 500 dólares, o que é muito pouco.

Devemos valorizar a atuação dos professores e especialistas, não só aperfeiçoando os cursos de formação (providência urgente), como remunerando adequadamente esse serviço fundamental para os planos de crescimento do país.

Será sempre difícil estimular os jovens da classe média a escolher o magistério com salários que são reconhecidamente dos mais baixos do mundo. A estimativa é de que, nos próximos cinco ou seis anos, possamos triplicar os números atuais. E ainda assim estaremos abaixo de nações como as que foram batizadas de tigres asiáticos.
(Correio Braziliense, 14/1)