JC e-mail 4169, de 03 de Janeiro de 2011.
"Há mais de dois séculos, a divulgação científica tem crescido no país, levando a ciência à sociedade"
Luisa Massarani é divulgadora científica e diretora do Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Ildeu de Castro Moreira é físico, historiador da ciência e professor do Instituto de Física da UFRJ. Artigo publicado na revista "História da Ciência":
Museus deixam as crianças literalmente de cabelo em pé, graças a uma máquina eletrostática, o gerador de Van de Graaff. Salas ficam cheias de curiosos querendo ver estrelas nos planetários. Feiras em espaços públicos atraem multidões de interessados em conhecer experiências científicas.
Nos últimos tempos, tem crescido o número de atividades que aproximam a ciência da população. Universidades, o poder público e os próprios cientistas cada vez mais reúnem esforços com esse objetivo. Mas o movimento de divulgação científica não é recente. Tem uma história que se inicia com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil em 1808.
Naquele período, os primeiros jornais - como A Gazeta do Rio de Janeiro, O Patriota e o Correio Braziliense (editado na Inglaterra) - publicaram artigos e notícias relacionados à ciência. Em O Patriota (1813-1814), saíram vários artigos de cunho científico ou divulgativo, alguns dos quais remanescentes de textos apresentados à antiga Sociedade Literária do Rio de Janeiro, organização que congregou alguns dos pioneiros da ciência no país entre 1786 e 1794.
Ao longo de todo aquele século, segundo análise do catálogo da Biblioteca Nacional, foram criados cerca de 7 mil periódicos no Brasil, dos quais aproximadamente 300 relacionados de alguma forma à ciência. Entre tais periódicos, destacam-se Revista Brazileira - Jornal de Sciencias, Letras e Artes (1857), Revista do Rio de Janeiro (1876) e Ciência para o Povo (1881).
Na segunda metade do século XIX, as atividades de divulgação científica se intensificaram, seguindo a tendência internacional. Uma onda de otimismo em relação aos benefícios do progresso científico e técnico percorreu o mundo e atingiu, ainda que em escala menor, o Brasil. Naquele momento, o que poderia ser chamado de pesquisa científica no país era ainda restrito a poucas pessoas. O quadro geral da instrução pública e da educação científica era limitado a uma pequena elite; o analfabetismo atingia mais de 80% da população, e o Brasil era um dos poucos países em que ainda existia escravidão.
Naquela época, surgiu entre o público ilustrado um interesse por temas ligados às ciências. O interesse do imperador D. Pedro II pelo assunto também favoreceu algumas atividades ligadas à difusão dos conhecimentos. Nesse período, foi publicado Doutor Benignus, escrito por Augusto Emílio Zaluar, possivelmente o primeiro livro brasileiro dedicado à ficção científica. Usando um estilo semelhante ao de Júlio Verne, Zaluar descreveu uma expedição científica hipotética ao interior do Brasil.
Um dos senadores do Império, Manoel Francisco Correia, deu um passo decisivo. Em 1873, sob sua coordenação, iniciou-se uma das atividades de divulgação científica mais significativas da história brasileira e que duraria quase vinte anos: as Conferências Populares da Glória [ver RHBN no 41], realizadas em escolas públicas localizadas na Freguesia da Glória, no município da Corte.
Os assuntos tratados eram os mais diversos, como glaciação, clima, origem da Terra, papel da mulher na sociedade e educação. As conferências transformaram-se em palco para discussões polêmicas, como a liberdade de ensino, a criação de universidades e o significado das diversas doutrinas científicas. Miranda Azevedo, por exemplo, defendeu publicamente a teoria da seleção natural proposta por Charles Darwin e Alfred Wallace, que despertava muita controvérsia na época. [*]
A história da divulgação científica brasileira passou por um momento dos mais produtivos no início do século XX, especificamente na década de 1920. Foi quando surgiu um pequeno grupo de pessoas - entre as quais Manoel Amoroso Costa (1885-1928), Henrique Morize (1870-1930), os irmãos Miguel e Alvaro Osório de Almeida [respectivamente, (1890-1953) e (1882-1952)] e Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) - que participaram intensamente de várias atividades que buscaram traçar um caminho para a pesquisa básica e para a difusão mais ampla da ciência no Brasil. Uma delas, que se tornou um marco do período, foi a criação da Sociedade Brasileira de Ciências, que se transformaria, tempos depois, na Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Estava formado ali um embrião da comunidade científica brasileira. Em abril de 1923, fundou-se, dentro dos salões da ABC, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que teria sido a primeira rádio brasileira. Foi criada por um conjunto de cientistas, professores e intelectuais, entre eles membros da ABC, que se cotizaram para implantar o novo veículo de comunicação, que tinha como objetivo a difusão de informações e de temas educacionais, culturais e científicos.
Acreditava-se que o rádio permitiria uma transmissão de conhecimentos barata, fácil, rápida e que atingiria os locais mais distantes do país. Professores do Museu Nacional e outras instituições e membros da Academia Brasileira de Ciências exploravam esse novo meio de comunicação para irradiar cursos e palestras científicas sobre temas de Física, Química, História Natural, Botânica etc. Até os pequenos ouvintes tinham vez com o programa "Quarto de Hora Infantil".
Ao longo de toda a década, jornais diários, em maior ou menor grau, mas sem cobertura sistemática, abriram espaço para notícias de ciência. Eventos marcantes, como a visita de cientistas estrangeiros, catalisavam esse interesse esporádico. Por exemplo, a visita que Albert Einstein fez ao Brasil (maio de 1925) foi amplamente divulgada pelos jornais cariocas, entre eles O Jornal, Jornal do Brasil, O Imparcial, A Noite, Jornal do Commercio e Gazeta das Notícias. A imprensa relatou também a visita, em 1926, de Marie Curie (1867-1934), cientista polaca que se tornaria mundialmente conhecida pelas pesquisas com radioatividade.
Publicaram-se vários livros voltados para a divulgação da ciência, como A vulgarização do saber, Homens e coisas da ciência e A mentalidade científica no Brasil, de Miguel Osório de Almeida, Conceito atual de vida e Seixos rolados, de Roquette-Pinto, e Introdução à teoria da relatividade e As ideias fundamentais da matemática, de Amoroso Costa. Livros importantes eram traduzidos, como O valor da ciência e Ciência e método, de Henri Poincaré. Foram criadas ainda algumas coleções científicas, como a Biblioteca de Filosofia Científica, dirigida por Pontes de Miranda, da Livraria Garnier. Outro exemplo é a Coleção Cultura Contemporânea, dirigida por Afrânio Peixoto, da Livraria Científica Brasileira.
Em seguida, a ciência no Brasil desacelerou. Entre os anos 1930 e 1970, a evolução foi lenta, embora tenham ocorrido alguns importantes eventos transformadores, especialmente do ponto de vista de sua institucionalização. Entre as atividades de divulgação científica, destacou-se a produção de filmes pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo, criado em 1937 e dirigido por Roquette-Pinto, com a participação de diversos cientistas, como Carlos Chagas Filho.
Entre as décadas de 1930 e 1960, o instituto produziu mais de uma centena de filmes curtos, voltados para a educação em ciências e para a divulgação de temas científicos e tecnológicos. Outra criação importante foi o suplemento "Ciência para todos", editado por Fernando de Souza Reis com participação do biólogo Oswaldo Frota-Pessoa e outros cientistas, que era publicado pelo jornal A Manhã na década de 1940.
De lá para cá, as experiências na área vêm se diversificando pelo uso de vários instrumentos e canais de divulgação científica, como museus e centros de ciência, centros culturais, internet, audiovisual, teatro, livros e revistas.
Um exemplo recente é a Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, em sua sexta versão, realizada em 2009, mobilizou cerca de mil instituições científicas e escolas, que realizaram aproximadamente 25 mil atividades em 500 cidades, incluindo atividades de rua, palestras e dias de portas abertas.
Outro fato é a criação, desde 1990, de pelo menos 100 museus e centros de ciência novos no país; o número passa dos 200 se incluirmos jardins botânicos e zoológicos. O cenário sugere bons ventos para a divulgação científica!
(Revista História da Ciência, 24/12)
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NOTA IMPERTINENTE DESTE BLOGGER:
De que serve uma divulgação científica que somente aborda a ciência triunfante, não aborda suas controvérsias e nem os questionamentos fundamentais de teorias científicas no contexto de justificação teórica? Que divulgação científica é esta que, apesar de se encontrar na literatura especializada sérios questionamentos sobre as atuais teorias de origem e evolução do universo e da vida, nada divulga para o público leitor? Que nem aborda o fato da teoria geral da evolução através da seleção natural - a Síntese Evolutiva Moderna ter sido declarada morta em 1980, e que uma nova teoria está sendo elaborada - a SÍNTESE EVOLUTIVA MODERNA, mas nada se fala a respeito?
Que divulgação científica é esta???