23/9/2010
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros desvendou a via bioquímica pela qual a melatonina – um hormônio produzido pela glândula pineal e em células do sistema imune – modula a morte induzida por ativação de determinadas células T, que são glóbulos brancos especializados em coordenar a resposta imune contra tumores e agentes infecciosos.
O estudo teve participação de cientistas do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo, do Instituto de Investigação em Imunologia/Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (iii-INCT) e do Instituto Nacional de Câncer (Inca). Os resultados foram publicados no Journal of Immunology em artigo que mereceu um comentário na mesma edição.
Estudo realizado por pesquisadores brasileiros desvenda via bioquímica pela qual o hormônio melatonina modula a morte de células T – glóbulos brancos envolvidos com a imunidade celular (ilustr.: Inst.Cochin)
Autor principal do artigo, Gustavo Amarante-Mendes, professor do Departamento de Imunologia do ICB-USP, explicou que a melatonina já é utilizada clinicamente para tratar distúrbios do sono, por exemplo. Mas, até agora, muito pouco foi explorado em relação ao sistema imunológico.
“O foco do estudo foi avaliar se a melatonina teria um papel na regulação da resposta imune coordenada pelos linfócitos T auxiliares. Essa foi a questão científica que uniu nossos grupos em torno desse trabalho”, disse àAgência FAPESP.
O laboratório coordenado por Amarante-Mendes é voltado para o estudo da sinalização e da morte celular em câncer e no sistema imunológico. “Uma de nossas linhas de pesquisa consiste em estudar a regulação da expressão dos ligantes dos receptores de morte celular (“death receptors”) e a sinalização efetuada quando esses ligantes engajam seus receptores”, explicou.
Os pesquisadores publicaram dois trabalhos na mesma linha de investigação. Um deles, em 2008, na revista Cell Death and Differentiation, mostrou a regulação da expressão de CD95L (FasL) – capaz de induzir morte em células que expressam CD95 (Fas) – pelo mediador lipídico prostaglandina E2. “No segundo artigo, demonstramos o mesmo tipo de regulação por outra molécula, a melatonina”, disse.
A melatonina, segundo ele, é um hormônio inicialmente descrito como sendo produzido na glândula pineal, mas cada vez mais se consolida o conceito de que ela também é produzida em outros pontos no organismo.
“Aparentemente, em situações inflamatórias a produção de melatonina no próprio local da inflamação é até maior que a produção pineal. Assim, nos interessamos por estudar até que ponto esse hormônio tem o efeito de modular a relação entre o sistema imune e a inflamação”, contou.
Segundo Amarante-Mendes, o interesse por essa questão científica levou seu grupo do ICB-USP a trabalhar em forte colaboração com a equipe liderada por Ana Campa, da FCF-USP – coautora do artigo na Journal of Immunology, que detêm profunda expertise sobre a melatonina.
Os primeiros autores do artigo, Alziana Moreno da Cunha Pedrosa e Ricardo Weinlich – respectivamente orientandos de doutorado de Ana Campa e de Amarante-Mendes, tiveram Bolsa da FAPESP. Participaram ainda do estudo Giuliana Patricia Mognol, Bruno Kaufmann Robbs e João Paulo de Biaso Viola, todos do Inca.
“A questão fundamental de nosso projeto consiste em saber se o microambiente inflamatório/infeccioso produz algum fator solúvel capaz de desencadear uma via de sinalização extra que controlasse a existência de células T auxiliares”, disse. As células T auxiliares (também conhecidas como Th ou T helper), expressam o marcador de superfície celular CD4 e são os coordenadores da resposta imune chamada adaptativa. Elas proliferam após o contato com o antígeno e são capazes de ativar outros tipos de células com ação efetora.
Expansão imunológica
O grupo demonstrou, no primeiro artigo, que em resposta a padrões moleculares presentes em patógenos, as células apresentadoras de antígeno liberam a prostaglandina E2. “Esse mediador lipídico atua nas células Th, previnindo a expressão de CD95L, que normalmente ocorre após o estímulo antigênico”, explicou.
A consequência desses resultados, segundo o professor do ICB-USP, é que, na ausência de CD95L na superfície das células Th, essas deixam de sofrer o fenômeno conhecido como morte celular induzida por ativação (activation-induced cell death – AICD) – permitindo uma maior proliferação dessas células.
“Por outro lado, uma vez que CD95L na superfície dos linfócitos Th também pode estimular a morte da célula apresentadora de antígeno, o bloqueio dessa via também contribuiria para a manutenção da resposta imune mediada pelas células Th”, disse.
No primeiro trabalho, segundo Amarante-Mendes, o grupo descreveu uma via de reconhecimento de infecções, gerando um mediador lipídico pelas células apresentadoras.
“No segundo caso, mostramos que a melatonina produzida em resposta inflamatória, com a presença ou não de infecção, também previne o aumento da expressão de CD95L. Nesse caso em particular, descrevemos completamente a via bioquímica, mostrando que a melatonina interfere com a ativação de NFAT, um fator de transcrição que é fundamental para a expressão do CD95L”, disse.
Na presença de melatonina, não há ativação do NFAT. Portanto, a transcrição de CD95L não ocorre e isso permite a sobrevivência dos linfócitos Th e expansão da resposta imunológica.
“Nosso objetivo agora, tanto no caso da prostaglandina como no caso da melatonina, é contextualizar esses processos biologicamente em algum sistema de infecção com camundongos, por exemplo. Estamos procurando passar da pesquisa básica sobre sinalização para o entendimento da importância biológica dos nossos resultados”, afirmou Amarante-Mendes.
O artigo Melatonin Protects CD4+ T Cells from Activation-Induced Cell Death by Blocking NFAT-Mediated CD95 Ligand Upregulation
(doi:10.4049/jimmunol.0902961), de Gustavo Amarante-Mendes e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Immunology em
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Published online February 24, 2010
The Journal of Immunology, 2010, doi:10.4049/jimmunol.0902961
Copyright © 2010 by The American Association of Immunologists, Inc.
Alziana Moreno da Cunha Pedrosa,*,1 Ricardo Weinlich,,,1 Giuliana Patricia Mognol, Bruno Kaufmann Robbs, João Paulo de Biaso Viola, Ana Campa,* andGustavo Pessini Amarante-Mendes,
*Departamento de Análises Clínica e Toxicológica, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, and Departamento de Imunologia, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo; Instituto de Investigação em Imunologia, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, São Paulo; and Divisão de Biologia Celular, Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro, Brazil
Over the past 20 y, the hormone melatonin was found to be produced in extrapineal sites, including cells of the immune system. Despite the increasing data regarding the biological effects of melatonin on the regulation of the immune system, the effect of this molecule on T cell survival remains largely unknown. Activation-induced cell death plays a critical role in the maintenance of the homeostasis of the immune system by eliminating self-reactive or chronically stimulated T cells. Because activated T cells not only synthesize melatonin but also respond to it, we investigated whether melatonin could modulate activation-induced cell death. We found that melatonin protects human and murine CD4+ T cells from apoptosis by inhibiting CD95 ligand mRNA and protein upregulation in response to TCR/CD3 stimulation. This inhibition is a result of the interference with calmodulin/calcineurin activation ofNFAT that prevents the translocation of NFAT to the nucleus. Accordingly, melatonin has no effect on T cells transfected with a constitutively active form of NFAT capable of migrating to the nucleus and transactivating target genes in the absence of calcineurin activity. Our results revealed a novel biochemical pathway that regulates the expression of CD95 ligand and potentially other downstream targets of NFAT activation.
Address correspondence and reprint requests to Dr. Gustavo P. Amarante-Mendes, Departamento de Imunologia, Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, Av. Prof. Lineu Prestes, 1730 Cidade Universitária, São Paulo, SP 05508-900, Brazil. E-mail address: gpam@usp.br
1 A.M.d.P. and R.W. contributed equally to the paper and therefore share first authorship.
This work was supported by grants from Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, and the Brazilian Research Council. A.M.d.P. and R.W. were recipients of fellowships from Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, G.P.A.-M. from Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, and B.K.R. from the Brazilian Research Council.
The online version of this article contains supplemental material.
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