Bem, o pescoço fica melhor como? Na horizontal ou na vertical?

quarta-feira, junho 17, 2009

Horizontal ou vertical?

Estudo discute a disposição do pescoço dos grandes dinossauros herbívoros


Representação artística de uma manada de saurópodes, grandes dinossauros herbívoros que viveram na Terra há milhões de anos. Estudos comparativos com animais recentes indicam que esses répteis mantinham o pescoço na maior parte do tempo em posição quase vertical – e não horizontal, como se acreditava (arte: Mark Witton).

Vocês se lembram da aparição dos dinossauros no filme Jurassic Park – o primeiro da série de longas-metragens dirigida por Steven Spielberg? A cena chega a ser tocante: o paleontólogo Alan Grant fica ao mesmo tempo maravilhado e confuso quando um Brachiosaurus, com seu imenso pescoço, surge na sua frente. De quebra, uma manada desses répteis gigantes aparece ao fundo e dá início à aventura do filme.

Apesar da beleza daquela cena, alguns pesquisadores reclamaram muito de um ponto que, para o grande público, pode parecer um detalhe menor: a posição quase vertical do pescoço do Brachiosaurus que aparece no filme.

Segundo esses cientistas, os saurópodes – designação genérica do grupo em que são classificados os dinossauros herbívoros de grande porte que incluem o próprio Brachiosaurus da África e o Maxakalisaurus do Brasil – somente teriam o seu pescoço em posição quase vertical em ocasiões muito raras. Na maior parte do tempo, os saurópodes gigantes deveriam manter o pescoço mais próximo da linha horizontal.


Reconstrução de um Brachiosaurus com o pescoço verticalizado exposta no Museu Humboldt de História Natural, em Berlim (Alemanha). Foto: Museu Humboldt de História Natural.

Mas um artigo publicado recentemente na Acta Palaeontologica Polonica por Michael Taylor, da Universidade de Portsmouth (Inglaterra), e colegas contesta essa teoria e mostra que a cena do filme de Spielberg pode estar mais próxima da realidade do que se acreditava.

Questão problemática
À primeira vista, essa discussão pode parecer meio irrelevante. Porém, ela toca em um dos principais problemas da paleontologia: como determinamos certas características de animais extintos, como sua forma de locomoção e seus hábitos?

A questão do pescoço dos saurópodes é um bom exemplo de como essas pesquisas são realizadas. Quando se estudam características que envolvem o modo de vida dos animais recentes, por exemplo, a forma mais efetiva é a própria observação dos animais na natureza. Por motivos óbvios, essa atividade não pode ser realizada com fósseis.

Quando um animal extinto pertence a um grupo muito parecido com outro que vive nos dias de hoje, é razoável supor que ambos teriam um comportamento parecido. Infelizmente os dinossauros saurópodes – de corpo gigantesco, cabeça pequena e pescoço muito longo – não se assemelham a nada que passeie na superfície da Terra nos tempos atuais. Nem mesmo o estudo de fósseis de animais de grandes dimensões que viveram em um passado recente, como o mamute e a preguiça gigante, pode ajudar nesse caso.

Logo, para descobrir certas características dos saurópodes, os paleontólogos estão limitados aos fósseis em si. Por meio de estudos de morfologia funcional, que envolvem o manuseio de diferentes elementos do esqueleto, eles procuram estabelecer limites de movimentos e compreender como os animais funcionavam.

Mas esses estudos não são simples como podem parecer e estão longe de se assemelharem ao montar e desmontar peças de um Lego! A pesquisa mais sofisticada envolve, entre outros procedimentos, a reconstrução digital de cada um dos ossos do esqueleto e, por meio de programas complexos e computadores possantes, a indicação dos movimentos possíveis entre cada uma das partes.

Encaixe mais adequado

No caso dos dinossauros herbívoros gigantes, vários estudos chegaram à conclusão de que o melhor encaixe entre as vértebras do pescoço aconteceria quando houvesse uma sobreposição máxima entre as articulações localizadas na parte anterior e posterior do corpo vertebral, ou seja, entre as pequenas saliências ósseas chamadas de apófises. Esse arranjo é denominado posição osteológica neutra. Nos dinossauros saurópodes, essa posição faria com que o enorme pescoço desses répteis estivesse na maior parte do tempo em posição praticamente horizontal. Ou seja, bem diferente do que foi apresentado em Jurassic Park.


A ilustração da vista lateral dos ossos do pescoço erguido de um Diplodocus mostra sua disposição vertical (imagem: APP).

Para testar esse modelo, Michael Taylor e colegas resolveram analisar o que ocorre na natureza com os vertebrados recentes. Estudos publicados sobre diversos grupos de aves e mamíferos demonstraram que a grande maioria mantém o seu pescoço em posição vertical e não horizontal. Essa disposição é comum, sobretudo em animais que possuem as pernas e os braços posicionados diretamente abaixo do corpo, como as girafas – e como se supõe que sejam os saurópodes de grande porte. Mesmo lagartos e crocodilos, cujos membros ficam mais afastados e não diretamente abaixo do corpo, mantêm os seus pescoços mais eretos em relação à coluna vertebral durante grande parte do tempo em que estão ativos.

Com base nesses estudos, Taylor e colegas acreditam que manter o pescoço em posição quase vertical seria não apenas possível para os saurópodes, como também a postura mais habitual desses grandes répteis extintos.

Quem está correto nessa análise? Infelizmente esse tipo de estudo sempre será de difícil comprovação. Não há dúvida de que o novo olhar sobre a postura dos saurópodes trazido pelos pesquisadores ingleses resulta em argumentos interessantes e pertinentes e abre um novo leque de possibilidades para se entender um pouco mais o funcionamento desses gigantes do passado. Mas a pesquisa continua...


Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
16/06/2009