O Mysterium tremendum continua dando um nó epistêmico nas melhores mentes científicas

terça-feira, junho 16, 2009

JC e-mail 3784, de 16 de Junho de 2009.

19. “DNA” artificial dá pistas sobre surgimento da vida

Molécula replicadora feita com aminoácidos se monta sem auxílio de enzimas. Estudo, publicado no periódico "Science", tem como coautor Leslie Orgel, pai da hipótese do mundo de RNA, morto em 2007

Ricardo Mioto escreve para a “Folha de SP”:

Pesquisadores nos EUA criaram uma molécula artificial que pode explicar como ocorreu a transição entre o mundo sem vida e o aparecimento do RNA (e depois do DNA), um dos maiores enigmas da ciência. O achado ajuda a criar hipóteses sobre como a vida emergiu na sopa química dos oceanos primordiais da Terra, há mais de 3 bilhões de anos.

Nos organismos existentes hoje, o código genético está escrito em DNA (ácido desoxirribonucleico), que carrega a receita para fazer proteínas (as moléculas que fazem tudo na célula). O DNA, no entanto, é complexo demais para ter sido o primeiro transmissor de informação genética.

Uma parte da fita do DNA, onde ficam as bases nitrogenadas, é responsável pelo pareamento (A-T e C-G) que permite a transmissão da informação. O resto do DNA é estrutura auxiliar: um esqueleto feito de fosfatos e açúcares onde as bases nitrogenadas se ligam.

A montagem da fita, entretanto, só pode ser feita com a ajuda de proteínas especiais que aceleram reações químicas, as enzimas.

Ao criar o tPNA (o ácido nucleico peptídico de tioéster), uma molécula que consegue agregar bases nitrogenadas sem precisar de enzimas, os cientistas mostraram que é possível que existissem moléculas mais simples do que o DNA transmitindo informação. O tPNA é mais simples até do que o RNA (ácido ribonucleico), que a maioria dos cientistas acha hoje que precedeu o DNA no papel de replicador.

Esqueleto novo

Os cientistas do Instituto de Pesquisas Scripps e do Instituto Salk, ambos na Califórnia, criaram um novo tipo de esqueleto, feito de aminoácidos, os "tijolos" que formam as proteínas. Os aminoácidos seguram as bases nitrogenadas com muito menos vigor do que os fosfatos e açúcares do DNA. Isso faz com que as bases possam se agregar ao tPNA mesmo sem a presença de enzimas.

Sabe-se que os oceanos da Terra primitiva eram repletos de aminoácidos. Com a prova agora de que bases nitrogenadas podem se fixar em uma estrutura de aminoácidos, existe uma pista sobre como as informações se transmitiam antes do surgimento do RNA.

O estudo foi publicado na última edição da revista "Science". Um de seus autores foi o químico britânico Leslie Orgel, morto em 2007. Orgel foi o pai da teoria do "mundo de RNA", que estabelecia o RNA como predecessor do DNA.

O RNA hoje auxilia o DNA no organismo humano, além de carregar o genoma de certos vírus. Orgel propôs que ele tenha reinado como único replicador antes do surgimento do DNA.

"Apesar de a hipótese consensual para a molécula que originou a vida ser o RNA, este é considerado por alguns muito complexo para ter sido a primeira molécula capaz de se autorreplicar. Logo, especula-se que polímeros mais simples teriam antecedido o RNA e depois sido substituídos por ele", diz o biólogo goiano Paulo Amaral, da Universidade de Queensland, na Austrália.

"Por outro lado, também é consenso que esses sistemas ainda são muito artificiais. Não temos ideia do que realmente estava lá há cerca de 4 bilhões de anos", afirma.

Falta agora mostrar se o tPNA pode se replicar indefinidamente. "Eles não mostraram isso", diz Amaral. "Nem que o sistema evolui (no sentido de evolução darwinista). Mas o primeiro passo foi dado."
(Folha de SP, 16/6)