É design inteligente, idiota!
Eu sei que o título deste blog baseado numa frase do ex-presidente americano Bill Clinton, foi muito apelativo. Não peço desculpas. Mas agora que tenho a sua atenção, leia e entenda do que se trata com a leitura abaixo do artigo de Marcelo Gleiser.
Uma verdadeira aula de contorcionismo epistemológico e de materialismo filosófico mascarado de naturalismo metodológico.
JC E-Mail 3407, de 10 de dezembro de 2007
49. A mão da criação, artigo de Marcelo Gleiser
Nos animais e plantas todos os aminoácidos são canhotos
Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo". Artigo publicado na “Folha de SP”:
Eu sei que o título dessa coluna é meio apelativo. Peço desculpas. Mas agora que tenho sua atenção, explico do que se trata. A vida, feito as suas mãos, pode ser destra ou canhota. Quer dizer, não a vida em si, mas as moléculas que compõem os seres vivos.
Que existem preferências já sabemos, mesmo ao nível macroscópico. Por exemplo, cerca de 15% da população é canhota; a maioria dos moluscos que tem uma concha espiralada tem, também um sentido prioritário de rotação (algo que vale a pena confirmar).
O mistério dessa chamada "quiralidade" é que, no laboratório, quando os aminoácidos e os açúcares que compõem as proteínas e DNA dos seres vivos são sintetizados artificialmente, moléculas com orientação destra e canhota aparecem na mesma proporção, 50% de cada.
Nos animais e plantas todos os aminoácidos são canhotos e todos os açúcares são destros. Por que essa assimetria fundamental? Será que ela é determinante para a vida? Será que, se seres vivos forem achados em outros planetas deste e de outros sistemas estelares, terão a mesma assimetria?
Quando cientistas se deparam com esse tipo de desequilíbrio no mundo natural, procuram logo por uma explicação lógica. Dizer que isso é uma coincidência, mesmo que uma possibilidade viável, não é muito interessante.
Além do mais, só podemos afirmar que algo é uma coincidência após eliminarmos todas as outras possibilidades, o que não é nada fácil. Melhor é imaginar que existe algum mecanismo, alguma força que seleciona a orientação espacial das moléculas.
A hipótese mais conhecida usa uma assimetria da física de partículas, ligada ao decaimento radioativo: das quatro forças fundamentais da natureza, a gravitacional, a eletromagnética e as forças nucleares forte e fraca, apenas a última exibe uma assimetria entre as orientações espaciais. Portanto, nada mais natural do que tentar usar essa assimetria como explicação.
Se estiver correta, o efeito seria o mesmo por todo o Universo. O problema é que a força fraca atua a distâncias subnucleares, isto é, dentro do núcleo atômico. É difícil imaginar que ela possa ter algum papel em escalas moleculares, que são muito maiores.
Fora isso, o efeito é muito muito pequeno, e pode ser corrompido por outros maiores. Esse colunista provou recentemente que essa explicação é inviável. Temos que procurar por um outro caminho, então.
Outra idéia é que luz ultravioleta e outros tipos de radiação podem influenciar a orientação espacial das moléculas. De fato, esse efeito foi demonstrado no laboratório com vários tipos de radiação. Mas como usar essa idéia na vida primitiva, ou mesmo antes da vida, em eras "pré-bióticas"?
Se a nuvem rica em hidrogênio que gerou o sistema solar há pouco menos de cinco bilhões de anos tiver passado por uma região no espaço rica nesses tipos de radiação, o efeito pode ser ativado. Especula-se que, talvez, a nuvem tenha passado perto de uma estrela de nêutrons, que pôde irradiá-la, ou numa região onde estrelas nascem, também rica em radiação.
O problema, aqui, é encontrar essas estrelas e identificar a radiação correta; fora isso, ela tem que sobreviver durante muito tempo para ser efetiva, algo que não é fácil. De qualquer forma, foram encontrados vestígios de aminoácidos com orientação como a dos da Terra em meteoritos provenientes dos confins do Sistema Solar.
Será que fomos todos irradiados e a orientação molecular da vida na Terra veio do espaço? Ainda não sabemos. Eu tenho minha própria teoria, mas hoje não sobrou espaço para explicá-la. Fica para a próxima!
(Folha de SP, 9/12)