28/10/2010
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Quando as tecnologias baseadas em organismos geneticamente modificados (OGM) começaram a se tornar realidade, há alguns anos, a polêmica deu o tom do debate público sobre o tema. Por longo tempo a percepção da sociedade sobre os OGM foi distorcida pela carência de informação científica e o resultado foi, muitas vezes, a polarização de opiniões e a resistência à inovação.
A análise foi feita por Patricia Osseweijer, da Universidade de Tecnologia de Delft (Holanda), durante o BIOEN Workshop on Synthetic Biology, promovido pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) no dia 26.
Experiência adquirida por cientistas no debate sobre OGM será fundamental para construir uma boa imagem pública da biologia sintética, diz Patricia Osseweijer, da Universidade de Delft (Foto: Eduardo Cesar)
Aproveitando a experiência adquirida a partir da discussão sobre os OGM, a comunidade científica internacional procura agora evitar que os mesmos problemas se repitam em relação à percepção pública sobre a biologia sintética – nova área que visa a projetar e construir novas funções e sistemas biológicos com inspiração nos processos naturais.
Segundo Patricia, as tecnologias proporcionadas pela biologia sintética têm relação com os aspectos mais profundos da vida – e isso levantará, inevitavelmente, preocupações na sociedade.
“São tecnologias que tendem a trazer mudanças abruptas, com alto potencial de impacto na sociedade. Trata-se de questões cujo centro é a noção da vida. Os cientistas têm um papel central no esclarecimento dessas questões. Temos que ser criativos em relação ao tratamento desse assunto e às formas de comunicação”, disse à Agência FAPESP.
A biologia sintética, segundo Patricia, é uma ferramenta fundamental para o avanço de um tipo de conhecimento que gera preocupação em certos setores da sociedade. “A comunidade científica precisa estar aberta para discutir essas preocupações. O ideal é que, antes que se inicie qualquer polêmica, estejamos preparados para lidar com a questão”, afirmou.
A pesquisadora aponta que a melhor estratégia consiste em antecipar quais serão as preocupações do público de modo que a comunidade científica esteja preparada para combater a desinformação e saiba como lidar com eventuais polêmicas.
“É nisso que estamos investindo. Lidar com a questão da biologia sintética será uma tarefa muito mais fácil que a de lidar com os OGM, porque agora as preocupações da sociedade são parte fundamental do debate. Vamos nos concentrar nessas preocupações de modo que o público possa desenvolver confiança nos cientistas, compreendendo que essa tecnologia poderá levar a importantes conquistas”, explicou.
Patricia apresentou, durante o evento, resultados de dois projetos realizados por parcerias público-privadas na Holanda sobre a percepção pública relacionada à biologia sintética.
Um deles, no Centro Kluyver para Genômica Industrial – que tem orçamento anual de 200 milhões de euros e dispõe de 250 pesquisadores nas universidades e na indústria –, buscou compreender os problemas públicos subjacentes relacionados com a biologia sintética e a genômica industrial.
“O objetivo foi identificar futuros problemas, quantificar os impactos da inovação e desenvolver, a partir de tudo isso, estratégias de comunicação proativa”, disse Patricia.
O segundo projeto, denominado Be-Basic, tem orçamento de 120 milhões de euros anuais, 150 pesquisadores e um programa que avalia o uso na sociedade de produtos e processos de base biológica, além de questões de sustentabilidade.
“O foco consiste em verificar os melhores modelos e tecnologias e, ao mesmo tempo, fazer análise de percepção do público em questões de política tecnológica global”, disse.
O material levantado pelas duas instituições foi a base para um primeiro estudo sobre as questões éticas e percepção pública a respeito da biologia sintética, na mídia e na sociedade europeia de modo geral. O objetivo foi fornecer orientação para os legisladores e formadores de opinião de modo a informar o público sobre o assunto de maneira imparcial.
“O estudo gerou quatro questões principais que podem ser preocupações para a sociedade: a noção de que trabalhar com a biologia sintética equivale a ‘brincar de Deus’; as complexas questões relacionadas à governança – envolvendo questões de monopólio tecnológico –; o tema das patentes; e os riscos de segurança envolvidos com a tecnologia”, disse Patricia.
Os cientistas holandeses analisaram o material já publicado na mídia sobre biologia sintética e fizeram entrevistas com legisladores. “Na avaliação que fizemos, concluímos que as questões éticas são mais sérias e preocupantes do que as questões técnicas envolvidas com o tema”, disse.
Com a análise de material publicado na imprensa na Europa e nos Estados Unidos, os cientistas puderam avaliar a presença de cada uma das quatro questões no debate público. Cerca de 17% das matérias sobre o tema remetiam à ideia de “brincar de Deus”. As questões ambientais apareciam em 70% dos textos.
“As questões sociais surgiram em menos de 10% dos casos. As questões legais, em 25%. E as questões econômicas também em 25%. A discussão sobre o biorrisco é expressivamente mais frequente nos Estados Unidos que na Europa”, disse a cientista holandesa.
Relação de confiança
Em um balanço sobre a percepção pública feito a partir do material reunido, os pesquisadores constataram que a maioria das pessoas considera ter pouco conhecimento sobre o tema.
“Vimos que o público também acha que os riscos parecem ser muito vagos e que não existe alguém que controle o que é feito na área de biologia sintética. A consequência dessa percepção é, sem dúvida, um baixo grau de confiança nos cientistas. E sabemos que, na balança da percepção pública, pouca confiança leva ao anseio por mais regulamentação”, disse.
De acordo com os estudos, na Europa o público vê os cientistas como os atores mais bem qualificados para explicar os impactos dessas tecnologias à sociedade. “Temos dados de 2005 que diziam que 52% dos europeus confiavam nos cientistas para explicar os impactos dos novos conhecimentos. Agora, chegamos a cerca de 63%. Essa é uma boa notícia”, afirmou Patricia.
Segundo Patricia, o debate público, por definição, não pode ser programado. Mas é possível prever as questões que deverão ser discutidas. “Esse tipo de estudo pode nos ajudar a fazer o público entender essas questões muito cedo, em particular aquelas ligadas à ética. Os cientistas têm um papel muito importante na construção dessa relação de confiança”, disse.