5. Sem preparo para ensinar
Profissionais diretamente ligados ao universo acadêmico avaliam as deficiências dos currículos adotados nos cursos de formação dos futuros educadores brasileiros e indicam as mudanças necessárias
O que define o currículo dos cursos de Pedagogia são as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), aprovadas em 2006. Contudo, essas diretrizes são apenas orientações às instituições superiores que decidem abrir um curso nessa área.
De acordo com a Secretaria de Educação Superior (SESu), do Ministério da Educação (MEC), em nota enviada por sua assessoria de imprensa, as diretrizes são importantes por levarem as especificações sobre o perfil do profissional a ser formado. "A partir delas, as faculdades elaboram suas próprias grades curriculares", explica o texto.
Para a presidente da Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (Anfope), Iria Brzezinski, a grade curricular dos cursos que formam professores são determinantes para que essa formação seja de qualidade e se alinhe a esta ou aquela concepção de Educação, de formação, de professor, de escola, de estudante.
Entretanto, mesmo direcionando os cursos e seus currículos, as diretrizes, aparentemente, não têm feito com que a graduação em Pedagogia no Brasil realmente prepare os professores para o mercado de trabalho.
Iria afirma que, caso seja possível dar crédito aos dados oficiais, que revelam a escola básica brasileira com sérias deficiências de aprendizagem, "por certo, os cursos de Pedagogia e de outras licenciaturas não vem cumprindo seu papel de formar bons professores".
Diretrizes
Na opinião da professora, a incerteza por falta de diretrizes até 2006 e o fato de a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996 atribuir à Escola Normal Superior a formação de professores da Educação Infantil e dos primeiros anos Ensino Fundamental, que antes eram formados nas faculdades, centros ou Departamentos de Educação, levou à organização das mais diversificadas matrizes curriculares que foram depois se adaptando às diretrizes de 2006.
Diretrizes que, segundo ela, induziram também a adaptação da Escola Normal Superior para formar pedagogos, sem ter a maturidade necessária para tal. "Muitas instituições de qualidade duvidosa formam pedagogos em cursos de três anos de duração, sem atender a exigência legal mínima de 3.200 horas presenciais, fazendo arranjos curriculares mágicos e enganosos", informa.
Formação desatualizada
Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Clélia Brandão acredita que já é necessário estabelecer novas discussões sobre as diretrizes curriculares. "Muitas vezes o que prejudica o curso de Pedagogia é que os conteúdos são muito difusos. Como se quer dar todos os conteúdos e não é possível, o currículo fica fragmentado. Essa é outra parte que precisa ser superada: a fragmentação do curso de Pedagogia".
O coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da SBPC, Isaac Roitman, concorda com Clélia Brandão de que a educação brasileira necessita ser atualizada. O que, para ele, deve ser feito considerando-se as inúmeras portas de conhecimento que o estudante de hoje dispõe.
Questionado se, hoje, a universidade forma professores capacitados para lecionar na Educação Básica, Isaac enfatizou que "absolutamente" não. "Os profissionais talvez sejam adequados para estudantes de 50 anos atrás. É cada vez mais frequente o fato de um estudante do Ensino Médio assistir uma aula sobre determinado assunto estando mais atualizado que o professor", completou.
Outro ponto apontado por Clélia Brandão é o distanciamento das escolas de formação, das instituições de Ensino Superior em relação à própria Educação Básica. "Ainda há uma prioridade pelo bacharelado e por isso a licenciatura nem sempre corresponde à expectativa de formação. Há também um distanciamento, o que me parece consequência da falta de valorização do Magistério".
Estágio necessário
A aproximação entre a Educação Superior e a Básica deveria ser feita por meio dos estágios, pelos quais todos os alunos dos cursos de Pedagogia e das licenciaturas deveriam passar. Contudo, Clélia Brandão enfatiza que muitos estudantes ainda optam pelos cursos de bacharelado, nos quais o estágio não é obrigatório, mas acabam virando professores assim mesmo.
Ou ainda, conforme Iria Brzezinski, existem instituições formadoras que têm como preocupação básica desenvolver competências, com base em uma concepção pragmatista da Educação. Deixando, assim, segundo ela, a profundidade de conhecimentos necessária a todo professor para promover atividades práticas desvinculadas da pesquisa.
Como exemplo, ela cita os estágios supervisionados nos cursos noturnos que inadequadamente substituem os estágios que deveriam ser feitos na Educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. De acordo com ela, esses alunos são encaminhados para as salas de alfabetização de jovens e adultos que, "embora mereçam todo o respeito, não respondem, por exemplo, às exigências da Educação Infantil que abrange de 0 a 5 anos e da alfabetização de crianças com até 6 anos de idade". Mesmo com o estágio, muitas vezes, o aluno não sai da graduação preparado para lidar com as situações comuns de uma sala de aula.
"[Quando o estudante sai da universidade] Não está pronto mesmo e nem é nossa intenção fazê-lo", defende a coordenadora do curso de Pedagogia da UFG, Lúcia Maria de Assis.
Segundo ela, o estágio apresenta ao aluno as condições concretas e objetivas nas quais se dá o processo ensino-aprendizagem na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos. "A partir dessa base, então, ele já está apto a ir à escola. Em geral, ele chega à escola com pouca experiência e lá a gente pressupõe que ele será orientado. Nessa perspectiva, a gente se cerca das melhores condições".
Deficiências reconhecidas
Clélia Brandão explica que para averiguar se os cursos que formam professores estão funcionando dentro das melhores condições ou, pelo menos, dentro das condições esperadas, o MEC é o responsável por avaliar o projeto do curso e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) coordena uma visita à instituição, com especialistas. "Esse especialista analisa o projeto pedagógico e também faz toda a análise para ver se o curso está dentro das diretrizes específicas e das exigências de espaço físico, biblioteca, estágio, convênios etc.".
O site do Inep, com base no Censo de 2008, indica que existem no Brasil 1.636 cursos de Pedagogia, sendo 566 de instituições públicas e 1.070 de particulares. Desse total, segundo nota da SESu, 49 cursos de Pedagogia e 11 de curso Normal Superior passaram por supervisão do MEC por apresentarem conceitos insatisfatórios no Exame Nacional do Ensino Médio (Enade) e no Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) de 2005.
"Dessas 60 instituições, 36 assinaram termo de saneamento de deficiências, comprometendo-se a resolver os problemas detectados", explica a nota. Terminado o prazo para implementação das medidas, continua a nota da SESu, 16 cursos foram encerrados: 13 por solicitação da própria instituição e três por determinação do MEC. Atualmente, 22 cursos de Pedagogia passam por verificação in loco.
A SESu informou ainda que quanto aos 3.418 cursos de licenciaturas não há supervisão especial. "Talvez haja cursos de licenciatura em supervisão ordinária, que são casos isolados, não relacionados a indicadores de qualidade, mas sim a outros fatores ligados à regularidade da oferta", informa a nota.
Modificações necessárias
Mas o que fazer para que cada vez menos cursos precisem de supervisão e para que cada vez mais os professores sejam formados com qualidade? Para o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), Isaac Roitman, deve ser formado um "novo professor", que será preparado para ser um estimulador e um instrumento para que o estudante possa adquirir o conhecimento e fazer uso correto dele.
"Teremos que mudar radicalmente a formação de professores para o ensino básico. Esse profissional deve ter o reconhecimento social, o que significa estar na escala salarial máxima paga ao servidor público. Dessa forma, as melhores inteligências e talentos serão atraídos para exercer o magistério na educação básica".
Quanto às diretrizes curriculares, a professora Iria Brzezinski acredita que devem existir conteúdos básicos para compor os currículos dos cursos de formação de professores, o que poderá padronizar na base a identidade da docência. "No entanto, não julgo positivo padronizar rigorosamente todos os cursos, visto que devem ser consideradas nesses currículos a dependência administrativa e a missão institucional (pública ou privada), as características regionais e, sobretudo, a criatividade da instituição formadora".
(Raphaela Ferro, do jornal Tribuna do Planalto)
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NOTA CAUSTICANTE DESTE BLOGGER:
Concordo com o teor das opiniões dos educadores deste artigo, mas ninguém aborda a questão séria do conteúdo de livros didáticos do ensino médio e suas deficiências [ou distorções intencionais?].
Em 2003 e 2005 enviei e entreguei uma análise crítica da abordagem da origem e evolução da vida em nossos melhores autores do ensino médio. O que fez o MEC/SEMTEC/PNLEM? Nada até agora. Pelo menos eu não vi e nem li nenhuma posição das autoridades educacionais em relação a duas fraudes e várias distorções de evidências a favor do fato, Fato, FATO da evolução.
Nossos alunos estão sendo ludibriados na sua formação educacional, e o nome disso é 171 epistêmico!