A entrevista de Niles Eldredge, curador da exposição Darwin no mundo inteiro concedida a Carlos Albuquerque [“O Globo”, de 23/01/2008] foi publicada com livre acesso no JC E-Mail 3436, de 23 de janeiro de 2008. Um verdadeiro exercício de "Novilíngua".
Nesta nova viagem de Darwin ao Rio, “Darwin — Descubra o Homem e a Teoria Revolucionária que Mudou o Mundo”, Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, é a maior exposição já feita sobre o naturalista inglês.
A entrevista de Eldredge com o jornalista de “O Globo” foi precedida pelo parágrafo tradicional de louvaminhice, de beija-mão, beija-pé de Darwin encontrado não somente na Grande Mídia, mas até em publicações e artigos científicos: Darwin é considerado “o pai da biologia moderna”. Os historiadores de ciência ficam arrepiados com esta afirmação inexata, pois a tese não se sustenta historiograficamente: como que Darwin é “o pai da biologia moderna” se suas hipóteses transformistas entraram logo em fragoroso eclipse em 1875-1925? [1]
Será mesmo que Charles Darwin continua evoluindo? Será que quase 200 anos depois do seu nascimento, as idéias do naturalista inglês, permanecem sendo discutidas e revistas? Discutidas, sim, revistas, sim e não.
A teoria da evolução de Darwin, do século 19, pelas limitações dos recursos tecnológicos disponíveis, desconhecia completamente a complexidade de uma célula e de outros sistemas biológicos de complexidade irredutível, e da transmissão das características genéticas. Aí veio o upgrade teórico Darwin 2.0: o neodarwinismo.
A discussão das idéias de Darwin continua sendo feita sob a ótica de “Darwin locuta, evolutio finita”. As revisões, como o neodarwinismo, embora tenha incorporado a genética mendeliana, são tentativas ad hoc de salvar o paradigma darwiniano do total colapso epistêmico. O neodarwinismo é um paradigma científico morto, e a Nomenklatura científica vai ter que elaborar uma nova teoria da evolução que atenda aos avanços científicos do século 20 e 21.
A exposição Darwin chega ao Rio de Janeiro adaptada para celebrar a passagem pela cidade em 1832, a bordo do navio H.M.S. Beagle, após a qual elaborou a maior parte de suas teorias.
Darwin ficou impressionado com a beleza da cidade maravilhosa. Subjetividades estéticas à parte, Niles Eldredge, paleontólogo americano e curador dessa mostra internacional, começa a dourar a pílula a favor de Darwin: sendo de uma família liberal, ele se assustou ao se deparar com a escravidão no Brasil. A polarização liberal e conservador de Eldredge é ingênua. E se Darwin viesse de uma família conservadora, ele não teria se assustado com isso?
Eldredge se esquece, intencionalmente (?), que muito antes de Darwin, William Wilberforce (1759-1833) em 28 de outubro de 1787 se propôs e conseguiu abolir o comércio de escravos, após muitos anos de luta, em todos os territórios do império da Grã-Bretanha de Charles Darwin. Intencionalmente Eldredge se esquece que no outro livro The Descent of Man, Darwin esposa a eliminação de raças inferiores pelas raças superiores. Isso está nesta exposição? Eu não vi na de São Paulo.
Organizada em 2005 pelo Museu de História Natural, de Nova York, a exposição de louvaminhice, e cheia de erros históricos, já passou pelos Estados Unidos e pelo Canadá e vai chegar à Inglaterra em 2009 para, não por acaso, coincidir com as comemorações mundiais do bicentenário do cientista e dos 150 anos de publicação de sua obra mais importante, o livro “A origem das espécies”, que deu origem à sua teoria da evolução. [2]
Como era de se esperar, Niles Eldredge ‘cutuca’ a teoria do Design Inteligente, uma teoria científica que se contrapõe a algumas hipóteses transformistas de Darwin. Sim, “é impressionante notar como ele está no centro dos debates ainda hoje”, mas só que noutro patamar: Darwin senta agora no banco dos réus no contexto da justificação teórica.
Ao afirmar que Eldredge sabe o que está falando, o jornalista Carlos Albuquerque viajou na maionese. As idéias evolucionistas de Darwin têm sido contestadas não somente nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro. O próprio Eldredge criticou Darwin no melhor estilo baconiano baseado nas evidências encontradas nas suas pesquisas paleontológicas.
Niles Eldredge (Curador de Invertebrados no Museu Americano de História Natural) e Stephen Jay Gould a elaborarem nos anos 70 do século 20 um novo modelo de mudança evolutiva chamado de equilíbrio pontuado:
“A extrema raridade de formas transicionais no registro fóssil persiste como o negócio secreto da paleontologia. As árvores genealógicas que adornam nossos livros-texto têm dados somente nas extremidades e nódulos de seus galhos; o resto é inferência, por mais que razoável, não é a evidência dos fósseis... Eu não quero de nenhuma maneira impugnar a validade potencial do gradualismo. Eu somente quero destacar que isso nunca foi ‘visto’ nas rochas”.[3]
O que antes era o negócio secreto da paleontologia Gould tornou público:
“... a história da maioria dos fósseis das espécies inclui duas características inconsistentes com o gradualismo: (1) Estase. A maioria das espécies não exibe mudança direcional durante a sua existência na Terra. Elas aparecem no registro fóssil parecendo muito semelhantes quando desapareceram; a mudança morfológica parecendo muito semelhantes quando desapareceram; a mudança morfológica geralmente é limitada e sem direção. (2) Surgimento abrupto. Em qualquer área local, uma espécie não surge gradualmente pela transformação constante de seus ancestrais; ela aparece de uma vez e ‘plenamente formada’”. [4]
A proposta do equilíbrio pontuado de Eldredge e Gould foi uma solução revolucionária e conservadora. Modestamente revolucionária porque, contra Darwin, argumentavam que a porção significante da evolução não ocorre na transformação gradual de populações grandes e centrais, mas rapidamente em saltos evolutivos nas populações pequenas e isoladas em milhares de anos em vez de milhões de anos.
Com a teoria do equilíbrio pontuado de Eldredge e Gould tornou mais fácil elaborar um caso cogente contra a macroevolução, embora isso não fosse a idéia que eles quiseram encorajar. O reconhecimento desta anomalia significante a descontinuidade das formas biológicas iniciou um processo conceitual de crise kuhniana na biologia evolutiva.
Por que Eldredge deixou de fora nesta exposição a sua crítica devastadora a Darwin, o pai da biologia moderna??? Gould, onde estiver, você deve estar profundamente envergonhado com este exercício de beija-mão, beija-pé de Darwin por Eldredge! As evidências, ora, que se danem as evidências, o que vale é a primazia de Darwin no Reino da evolução [Dobzhansky no Brasil].
A Nomenklatura científica e a Grande Mídia é que unilateralmente passam a idéia para o resto da sociedade de que epistemicamente tudo vai bem como antes no quartel de Abrantes, oops, de Darwin. Nada mais falso. O neodarwinismo vai ser substituído por outra teoria.
Mais grave ainda é a mentira deslavada de Carlos Albuquerque ao afirmar que sob as bênçãos do governo de George W. Bush, escolas públicas de alguns estados americanos têm se dedicado ao ensino do chamado design inteligente. Nada mais despudoramente falso e abjeto. Eu não sei onde este moço estudou jornalismo, mas ele não mencionou quais escolas públicas americanas que estão se dedicando ao ensino do design inteligente. Só se for nas escolas confessionais.
Nós teóricos e proponentes da TDI somos contra seu ensino, não porque ela seja uma “controvertida teoria pseudocientífica que defende a idéia de um projetista”, mas porque a TDI ainda não foi apreciada devidamente na sua plausibilidade científica pela comunidade científica.
Carlos Alberto, você precisa ler mais as obras dos teóricos do Design Inteligente como Michael Behe, William Dembski, Jonathan Wells, Stephen Meyer, Paul Nelson, David Berlinski (tem livro publicado aí pela sua editora Globo), e você verá que a TDI é uma teoria científica minimalista afirmando que certos eventos no universo e no mundo biótico são melhor explicados por causas inteligentes e que elas são empiricamente detectadas na natureza todas as vezes que a complexidade irredutível de sistemas biológicos e a informação complexa especificada forem encontradas.
Mais patética e vergonhosa é a resposta mentirosa de Eldredge. Questionar uma teoria científica pode ocorrer não somente nos Estados Unidos, mas em qualquer parte do mundo. Ele sabe que não existe Theoria perennis em ciência. A preocupação dele é um gigantesco descompasso com a verdade dos fatos. Lá nos Estados Unidos desde a decisão da Suprema Corte americana a única teoria científica sobre a origem e evolução das espécies que pode ser ensinada nas escolas americanas é a teoria da evolução de Darwin.
Não por força das evidências, mas por força de uma decisão jurídica [desde quando um juiz tem competência para dizer o que é e o que não é ciência???] em 1984, Eldredge, pode ficar sossegado, mas Darwin reina perene nas escolas públicas americanas. Não ensinar a controvérsia, não ensinar as evidências a favor e contra Darwin, isso sim é que é patético e vergonhoso, porque estão ensinando a evolução de forma errada para as crianças. Isso é um grande descompasso com a verdade das evidências.
No final, Eldredge foi patético, para não dizer extremamente simplório, de que se não fosse Darwin não poderíamos entender e estudar doenças como a gripe aviária e a Aids. Vou deixar para os criacionistas, que respondam ao Eldredge o que eles acham desse argumento ridículo sobre a seleção natural: é tão-somente uma evidência de microevolução. Os vírus continuam vírus...
Cadê a macroevolução que estava em Darwin, o pai da biologia moderna? O gato das evidências comeu no contexto da justificação teórica!
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A Exposição Darwin que percorre o mundo tem fatos históricos e epistêmicos distorcidos em muitas instâncias. Vide aqui, aqui e aqui.
Está faltando a quarta parte desta série sobre o descompasso com a verdade histórica que será brevemente publicada aqui.
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NOTAS
1. BOWLER, Peter J. Evolution: The History of an Idea. 3ª. ed. revisada e expandida, Berkeley, University of California Press, 2003, pp. 224-273.
2. Ao contrário do que é divulgado, “Origem das Espécies” não é livro, mas um longo abstract.
3. GOULD, Stephen Jay. The Panda’s Thumb. Nova York, W. W. Norton, 1980.
4. Ibid, in The episodic Nature of Evolutionary Change, p. 182.