O MEC não adverte: os livros-texto de Biologia do ensino médio fazem mal à educação - Parte 1

terça-feira, janeiro 24, 2006

Críticas à Abordagem da Evolução em Livros Didáticos de Biologia
Introdução

Nós vivemos em um mundo influenciado profundamente pelo desenvolvimento científico e pela tecnologia. Por isso, o MEC - Ministério da Educação, na administração do ministro Paulo Renato Souza, por intermédio da SEMTEC - Secretaria de Educação Média e Tecnológica, organizou o projeto de reforma do ensino médio “por dois fatores de natureza muito diversa”: o econômico e o volume de informações (revolução do conhecimento), por entender que a formação do educando deve priorizar “a aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação”. (Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio - PCN, 1999, p. 15).

No nível do ensino Médio, o MEC propôs “a formação geral, em oposição à formação específica”, mas com “o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização”. Esse projeto de reforma curricular do Ensino Médio teve por objetivo “facilitar o desenvolvimento dos conteúdos, numa perspectiva de interdisciplinaridade e contextualização”, pois a interdisciplinaridade estabelece “ligações de complementaridade, convergência, interconexões e passagens entre os conhecimentos” (PCN, 1999, p. 16, 18, 26).

A Lei de Diretrizes Básicas (LDB) 9.394/96 preconiza no Art. 35, I, III que o ensino médio tem entre suas finalidades habilitar o educando a ser capaz de continuar aprendendo, a ter autonomia intelectual e pensamento crítico. Os PCNs do Ensino Médio, nas suas Diretrizes Curriculares Nacionais (Competências e Habilidades das Ciências Naturais) afirmam que o currículo deve permitir ao educando “compreender as ciências como construções humanas, entendendo que elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas...” e que “a ciência não tem respostas definitivas para tudo, sendo uma de suas características a possibilidade de ser questionada e de se transformar”.

Fundamentados nos PCNs, nossos livros didáticos de Biologia do ensino médio abordam a Teoria do Big Bang, a hipótese de Oparin-Haldane e o experimento de Miller-Urey para explicar a origem do universo e da vida. Quanto à explicação da origem e evolução das espécies, a Teoria Sintética Moderna da Evolução (ou neodarwinismo) foi o paradigma acolhido pelo documento do MEC (PCN, p. 116, 219, 222) mesmo com suas já sabidas insuficiências epistêmicas em três níveis fundamentais:

A. Questões de Padrão, diz respeito à grande escala geométrica da história biológica: Como os organismos são inter-relacionados, e como que nós sabemos isso?

B. Questões de Processo, diz respeito aos mecanismos de evolução, e os vários problemas em aberto naquela área, e

C. Questões sobre a questão central: a origem e a natureza da complexidade biológica - a “complexidade biológica” diz respeito à origem daquilo que faz com que os organismos sejam claramente o que são: complexidade especificada da informação biológica.

Exatidão e objetividade são aspectos importantes esperados em um livro de ciência. Há muitos problemas com o livro Fundamentos da Biologia Moderna, de AMABIS & MARTHO (1998 e 2002): ignora totalmente as sérias dificuldades que o darwinismo enfrenta com a evidência e o crescente número de cientistas céticos do poder criativo da seleção natural como mecanismo evolutivo responsável pela diversidade e complexidade dos seres vivos.

A seguinte análise examina o tratamento da evolução darwinista no livro didático Fundamentos da Biologia Moderna, focalizando os quatro tópicos padrões importantes na abordagem da teoria evolucionista e verifica se cada tópico foi devidamente coberto de modo a capacitar os alunos a “compreender as ciências como construções humanas, entendendo que elas se desenvolvem por acumulação, continuidade ou ruptura de paradigmas...” e que “a ciência não tem respostas definitivas para tudo, sendo uma de suas características a possibilidade de ser questionada e de se transformar”.

Uma visão crítica dos especialistas e pesquisadores

Recente publicação do MEC, “Ensino Médio: Construção Política - Sínteses das Salas Temáticas” (2003), na seção sobre o livro didático, destacou que “alguns livros didáticos apresentam reducionismos grosseiros e transposições simplificadas da realidade, o que compromete o aprendizado do aluno” e que “há muitos livros de má qualidade em que o conhecimento é apresentado de forma fragmentada, incluindo muitas vezes conceitos errados ou distorcidos” (p. 42). O artigo “Girafas, mariposas e anacronismos didáticos”, de Isabel Rebelo Roque, publicado na revista Ciência Hoje, vol. 34, no. 200, p. 64-67, de dezembro de 2003, abordou parcialmente esta inusitada situação.

Mais recentemente em 2004, Rosana Tidon e Richard C. Lewontin publicaram o artigo “Teaching evolutionary biology”, (Genetics and Molecular Biology 27, 1, 124-131, 2004) analisando o ensino da teoria da evolução no ensino médio brasileiro. A evolução foi considerada como fator integrador em diversas áreas da Biologia de maneira complexa e interativa, e que isso exige uma profunda compreensão do assunto e do conhecimento em diversas áreas. Segundo os autores, esse “conhecimento é freqüentemente inacessível para a maioria dos profissionais especializados, inclusive dos professores” do ensino médio.

Nesse artigo, Tidon e Lewontin consideraram as interpretações biológicas incorretas da parte dos professores e alunos, o currículo transdisciplinar e a inadequação do conteúdo dos livros didáticos como sendo fatores responsáveis pelo ensino e aprendizagem sofríveis da teoria da evolução. Apesar de apontarem sugestões para melhorar o ensino da evolução, em nenhuma instância o neodarwinismo foi considerado uma teoria epistemicamente insuficiente para explicar a origem e a evolução da vida.

Muito antes, no pequeno artigo “O convite de Darwin” publicado na revista Galileu, seção Idéias, Agosto de 2003, p. 42, ficou demonstrado que a situação era muito mais grave do que tão-somente esses dois anacronismos levantados por Rebelo Roque. Aquele artigo criticou en passant o tratamento dado à teoria da evolução de Darwin em nossos melhores livros didáticos de biologia do ensino médio brasileiro, tendo em vista a habilitação do educando em aprender, ter autonomia intelectual e pensamento crítico e da compreensão do significado da ciência preconizados naqueles documentos legais do MEC.

Destacamos que os livros didáticos repetidamente falham em satisfazer esses requisitos da LDB 9.394/96 e dos atuais PCNs. Como regra geral, os autores cobrem a evidência científica a favor da teoria darwinista sem nenhuma crítica, sem sequer identificar suas fraquezas científicas fundamentais discutidas em atualizada literatura científica por abalizados especialistas evolucionistas. No processo, os livros didáticos também distorcem a evidência científica publicada e ensinam uma série de erros factuais e duas fraudes (Uma centenária - os embriões de Haeckel e outra mais recente - as Mariposas de Manchester).

No tópico “Currículo” do documento “Ensino Médio: Construção Política - Síntese das Salas Temáticas”, p. 38 o MEC destacou que “as disciplinas escolares propostas permanecem sendo as mesmas que tradicionalmente compõem o currículo escolar: sua escolha e seus conteúdos não são problematizados. Com isso, os conteúdos tradicionalmente ensinados são naturalizados, tratados como universais, como se não tivéssemos de discutir a quem interessam esses saberes, quais relações de poder sustentam e quais valores e visões de mundo privilegiam”.

Na seção “Livros didáticos”, Propostas, p. 46, afirma-se que na construção do livro didático os eixos norteadores são “educação, comunicação e conhecimento” e quando se pensa a educação e a comunicação “pensa-se na linguagem como não neutra, com significado, dialógica, que não procura consensos, mas que expressa contradições”. Nossos livros didáticos de Biologia, na abordagem da teoria da evolução, privilegiam a visão do naturalismo filosófico travestido de ciência, são consensuais quando existem sabidas contradições de opiniões de abalizados especialistas na literatura especializada sobre as evidências encontradas na natureza que, em vez de apoiar as teorias da origem e evolução da vida, demonstram sua insustentável suficiência epistêmica.

Já em 2000, Edgar Morin, francês, um dos maiores filósofos contemporâneos, escreveu o livro Os sete saberes necessários à educação do futuro. Mesmo sendo academicamente evolucionista, na sua sugestão à UNESCO para a educação do futuro, Morin assim se expressou:

“As ciências permitiram que adquiríssemos muitas certezas, mas igualmente revelaram, ao longo do século XX, inúmeras zonas de incerteza. A educação deveria incluir o ensino das incertezas que surgiram nas ciências físicas (microfísica, termodinâmica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas”. (MORIN, 2000:16, ênfase inexistente).


São essas inúmeras zonas de incertezas que levaram a muitos cientistas duvidar do processo darwinista não guiado de variação aleatória e seleção natural e considerá-lo insuficiente para explicar a complexidade altamente ordenada encontrada nos sistemas biológicos, nítida evidência de desenvolvimento direcionado ou “design inteligente”.

Nesta análise abordaremos tão-somente quatro aspectos teóricos da evolução no livro-texto “Fundamentos da Biologia Moderna” de José Mariano Amabis (Professor-Doutor do Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da USP, Coordenador de Educação do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP) e Gilberto Rodrigues Martho (Licenciado em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da USP), São Paulo: Editora Moderna, 3ª edição revista e atualizada, 2002, impressão de 2004, contrastado com a 2ª edição revista, 1997, impressão de 1998.

Darwin admitiu existirem sérias objeções científicas à sua teoria. Escreveu quatro capítulos sobre elas (quase 30% do seu livro!), salientando que suas inferências poderiam ter interpretações diferentes, visões extremas da evolução:


“Estou bem a par do fato de existirem neste volume pouquíssimas afirmativas acerca das quais não se possam invocar diversos fatos passíveis de levar a conclusões diametralmente opostas àquelas às quais cheguei. Uma conclusão satisfatória só poderá ser alcançada através do exame e confronto dos fatos e argumentos em prol deste ou daquele ponto de vista, e tal coisa seria impossível de se fazer na presente obra”. (1994:36) [Ênfase inexistente].

Metodologia da análise

A análise das duas edições de Fundamentos da Biologia Moderna de AMABIS & MARTHOS foram restringidas na cobertura dos seguintes tópicos:


1. A origem da vida. A experiência de Miller-Urey de 1953 que produziu os tijolos químicos construtores da vida a partir da simulação de uma atmosfera primitiva de metano, amônia, hidrogênio e vapor de água.

2. O Big Bang da vida. A explosão cambriana, na qual os principais grupos de animais surgiram de modo relativamente súbito no registro fóssil em vez de se originarem de um ancestral comum, conforme implica a ‘árvore da vida’ de Darwin.

3. Descendência com modificação - ancestral comum. Fotos ou gravuras de semelhanças em embriões de vertebrados usadas como evidência de ancestralidade comum.

4. A evolução em ação através da seleção natural. Fotos ou gravuras das mariposas de Manchester repousando em troncos de árvores usadas para ilustrar as experiências demonstrando a evolução em ação.
Diante do convite de Darwin para o exame e confronto dos fatos e argumentos, da sugestão de Morin do ensino das zonas de incertezas e da proposta da LDB 9.394/96 para a formação ética e desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico do educando vamos examinar e confrontar a abordagem desses quatro aspectos teóricos da evolução abordados por AMABIS & MARTHO no seu livro-texto Fundamentos da Biologia Moderna.