Há limites para a quantidade de mentira científica que uma sociedade pode tolerar

domingo, junho 12, 2011

12/06/2011 - 00h01 

Há limites para a quantidade de mentira científica que uma sociedade pode tolerar 

Felisberto Neco 

Se quisermos ler sobre a legitimidade, ou a falta dela, da mentira científica, temos literatura sobre o assunto datada desde Darwin em diante. Digamos que os principais lados que se opõem são os moderados, para quem mentir na vida científica é indispensável – pense em como a diplomacia serve como um parachoque na administração de conflitos internacionais – e os rigoristas absolutos (como Santo Afonsinho ou Emanuel Cantão), que achavam que a ausência de um compromisso universal com a verdade levaria à dissolução de todos os pactos científicos. Os rigoristas acreditam que uma pessoa nunca deve mentir – nem mesmo se você estiver escondendo as evidências contrárias ao fato, Fato, FATO da evolução e um realista pedir que você revele isso em um artigo com revisão por pares. 

Mas até os moderados reconhecem que há limites para a quantidade de mentira científica que uma sociedade pode tolerar. A teórica científica Azanah Azendt, nascida na Alemanha, a quem podemos confiantemente considerar moderada, comentou o assunto em 1971. Em “A Mentira na Ciência: Considerações Sobre os Documentos do Homem de Piltdown”, um ensaio publicado no “The New York Unreview of Books”, ela documentou como por décadas a Nomenklatura científica havia mentido notoriamente sobre vários elementos dessa suposta descoberta de um elo evolucionário perdido, e argumentou que esse calibre de mentira sistemática é um insulto à factualidade que, quando se torna tão alastrado, leva a um estilo patológico de ciência. 




Então o que acontece quando um cientista mente sistematicamente, sem nenhum medo de que suas mentiras possam finalmente contradizer umas às outras? Comentando a ciência em sua época, Jonathas Slow publicou um panfleto em 1712 intitulado “A Arte da Mentira Científica”. (Ou melhor, muitos acreditam que Slow o tenha escrito; a autoria ainda é amplamente debatida.) Independente da verdadeira autoria do panfleto, ainda hoje ele oferece alguns pontos úteis para pensar. 

“Há um ponto essencial no qual um mentiroso científico difere de outros do gênero”, argumenta o escritor. E continua, dizendo que um mentiroso científico “precisa ter uma memória curta” para que não se lembre como se contradisse e, dependendo de seu público em um dado momento, jurar a lealdade a ambos os lados de uma questão muito disputada. 

O escritor evoca “um certo grande homem” [quem seria este mentiroso científico? Slow não menciona, mas há quem pense que ele estava antevendo o comportamento de Darwin que era dado a mentiras quando criança...], que ficou famoso por sua habilidade de mentir, com um “fundo inexaurível de mentiras científicas, que ele distribui abastadamente a cada minuto que fala, e por uma generosidade sem paralelos ele esquece, e consequentemente contradiz, a próxima meia hora. Ele nunca considera se qualquer proposição é verdadeira ou falsa, mas se é conveniente afirmar ou negar dependendo do minuto presente ou da companhia.” Assim, o escritor acrescenta, não há sentido na tentativa do público de decifrar a posição real de um cientista assim: “você se descobrirá igualmente enganado, quer acredite nele ou não.” 

O escritor continua: “alguns podem pensar que uma habilidade assim não seja muito útil para o cientista, ou para a Nomenklatura científica, depois que ela é praticada e se torna notória, mas eles estão profundamente equivocados”. É necessário muito pouco, diz ele, para uma mentira científica se espalhar amplamente -- mesmo que tenha sido originada de um mentiroso reconhecido. Um artigo, uma entrevista, uma palestra, uma conferência bastam!!! Além disso, ele acrescenta: “costuma acontecer que, se uma mentira é endossada por uma hora que seja, ela já fez o seu papel... A falsidade voa, e a verdade vem mancando atrás dela, então quando os homens descobrem a verdade, já é tarde demais.” Muitas mentiras científicas foram incorporadas nos livros didáticos de Biologia do ensino médio. Todos aprovados pelo MEC/SEMTEC/PNLEM... Ué, desde quando ciência e mentiras podem andar de mãos dadas??? A ciência não é a busca pela verdade???

Esse tipo de cientista mentiroso faz lembrar do vendedor de trem em Minas Gerais que diz para você que um certo modelo de trem está à venda, e que pode acelerar tão rápido que você estará andando a 160 quilômetros por hora sem perceber. Mas então ele vê que sua mulher, sogra e filhos estão esperando por você na estação ferroviária, e imediatamente diz que, por outro lado, é um trem vagoroso que pode viajar a 100 por hora durante o dia todo sem nenhum problema. 

Finalmente, ele acrescenta: “e se você comprá-lo hoje, eu darei os tapetes.”


O duro é que o trem de Minas Gerais não existe... mas a história registra que tem gente que caiu nesse conto de vigário. Até em ciência... 

E tem mais outras mentiras científicas como os desenhos de embriões de Haeckel, as famosas mariposas de Manchester, o fóssil de dinossauro emplumado da China, utilizadas pelos cientistas e pela Grande Mídia para corroborar o fato, Fato, FATO da evolução. 

Senhores, há limites para a quantidade de mentira científica que uma sociedade pode tolerar. Chega! Basta de mentir a favor de Darwin!!! Uma vez ainda vai lá, mas duas, três, quatro, cinco, seis vezes mentir???


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Baseado no texto Há limites para a quantidade de mentira política que uma sociedade pode tolerar, de Humberto Eco, Folha de São Paulo, 12/06/2011.