15/4/2011
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Atos racistas, como os que tiveram como alvos os jogadores Roberto Carlos e Neymar recentemente, em jogos na Europa, costumam ganhar maior repercussão justamente quando ocorrem no exterior.
Quando acontecem em estádios brasileiros, episódios como esses costumam ser minimizados ou negados pelos autores e até mesmo pelos próprios atletas hostilizados, devido à ideologia de que o Brasil é uma democracia racial e isento de racismo, segundo dissertação de mestrado em história social defendido em fevereiro na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).
Atos racistas contra jogadores brasileiros ganham mais repercussão quando ocorrem no exterior, indica estudo
Intitulado “Além dos gramados: história oral dos negros no futebol brasileiro (1970-2010)”, o estudo foi feito por Marcel Diego Tonini e contou com Bolsa da FAPESP.
Para desenvolvê-la, o autor entrevistou 20 personalidades do futebol brasileiro, entre jogadores, treinadores, árbitros, dirigentes, torcedores, jornalistas e especialistas, em sua maioria negros.
Entre os entrevistados estão o comentarista esportivo Leovegildo Lins da Gama Júnior, ex-lateral do Flamengo e da Seleção Brasileira; Jairo do Nascimento, goleiro do Corinthians na década de 1970; José Carlos Serrão (Zé Carlos), ponta e meia-esquerda do São Paulo no começo dos anos 1970 e atual técnico do Central de Pernambuco; e Luiz Carlos (Lula) Bezerra Pereira, que jogou no Sport Recife e no América-MG, entre outros times.
Questionados inicialmente por Tonini se já tinham sido alvo de atos racistas em campo no período em que atuaram como jogadores, a maioria procurou negar, em um primeiro momento, a existência de racismo no futebol brasileiro e evitou expressões como discriminação. Mas, aos poucos, começaram a relatar alguns casos que sofreram.
Já os entrevistados brancos procuraram relativizar as ocorrências de racismo, ao analisar os casos de discriminação ocorridos no futebol brasileiro como uma exceção em um país que acreditam ser racialmente democrático.
“De maneira geral, todos os entrevistados procuraram defender o esporte. Eles falaram que isso acontece não apenas no futebol mas também na sociedade brasileira, que tem um histórico de escravidão e preconceito, e que tocar nesse assunto é como se estivessem assumindo ser racistas em um país onde, supostamente, não há diferenças entre raças e todo mundo é tratado de maneira igual”, disse Tonini à Agência FAPESP.
Justamente por essa falsa percepção de que o Brasil é uma democracia racial, a maioria dos casos de discriminação racial identificada e relatada pelos jogadores se refere ao período em que atuaram no exterior.
Junior, por exemplo, contou que durante uma partida contra o Juventus, da Itália, no período em que jogou no Torino, alguns torcedores do time rival ergueram uma faixa com expressões racistas direcionadas a ele. Ao ser perguntado por um colega de time se tinha visto a faixa no estádio, o atleta respondeu que não, mas que esse tipo de atitude não lhe incomodava porque vinha de um país onde a miscigenação era total.
“Isso expressa completamente a ideologia de que vivemos em um país com democracia racial, uma espécie de paraíso onde todas as raças convivem muito bem e sem racismo”, analisou Tonini.
Segundo o cientista social, os jogadores brasileiros costumam sentir e ser alvos com maior frequência de atitudes racistas no exterior porque em outros países as relações raciais ocorrem de maneira diferente do que no Brasil.
“Em outros países não importa se um negro tem dinheiro ou não. Se o jogador é negro, ele será discriminado como qualquer outro negro, justamente por sua origem étnica e, em muitos casos, pobre”, comparou Tonini.
Poucos negros no comando
A pesquisa de Tonini também desfaz o falso imaginário popular de que o futebol no Brasil é um esporte aberto para os negros e onde eles podem galgar posições na hierarquia do universo profissional do esporte e ascender socialmente.
À exceção da profissão de jogador, segundo Tonini não é comum ver afrodescendentes em funções de comando no futebol brasileiro, como dirigentes, árbitros ou treinadores de clubes de grande expressão.
“Se olharmos de longe, vemos que o futebol, comparado com outras áreas sociais, é um espaço mais democrático para os negros. Mas, ao analisar a estrutura do futebol, percebe-se que ele reproduz características peculiares da sociedade brasileira, com suas relações raciais e de poder”, disse.
Nesse sentido, o caso contado por Lula Pereira é emblemático. Em seu depoimento, o agora treinador relatou que ganhou alguns títulos importantes em clubes pequenos, mas que ainda não teve oportunidade de dirigir um time considerado grande.
“É como se o negro não soubesse comandar. E isso é um reflexo do passado, em que eles eram escravos e tinham que obedecer aos brancos, sobretudo exercendo trabalhos braçais. Exercer cargos importantes, como de treinadores, árbitros e dirigentes de clubes de futebol, seria inverter por completo a lógica racista de que eles têm que ser subordinados aos brancos”, disse Tonini.
“Em minha tese de doutorado, pretendo estudar como futebolistas negros que atuaram no Brasil e no exterior avaliam o racismo aqui e lá fora, baseado na hipótese demonstrada de que eles atenuam o discurso sobre racismo no país e que a discriminação aflora ao jogar em clubes internacionais”, disse.