O que era para ser a cobertura objetiva de um evento científico sobre o status epistêmico da teoria da evolução através da seleção natural de Darwin e as proposições da teoria do Design Inteligente [TDI], se mostrou um artigo enviesado, pois logo no início afirmou que o Mackenzie adotou uma “teoria baseada na intervenção de uma inteligência superior na criação da vida, opondo-se às ideias de Darwin.” Nas entrelinhas, e o artigo de Gomes vai mostrar isso, leia-se TDI.
Ao longo daquela semana, o ciclo de debates foi realizado não no Colégio Presbiteriano Mackenzie, mas na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Gomes usou de recurso retórico para diminuir a universidade e o evento sobre o darwinismo e a TDI sendo discutido em instituição de nível superior. O Colégio Presbiteriano Mackenzie, sem dúvida, é “um dos mais tradicionais da capital paulista”, mas não foi aquela escola que apresentou a TDI a centenas de estudantes, foi a Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A TDI foi criada nos Estados Unidos na metade dos anos 80, mas não se opõe totalmente à teoria da evolução de Charles Darwin, mas a alguns aspectos da teoria conforme esclarecido devidamente pelos seus palestrantes. Gomes errou em afirmar que a teoria da evolução é amplamente aceita pela ciência desde a publicação do clássico “A Origem das Espécies” (1859). Uma leitura periférica em História da Ciência demonstra que Darwin também teve oposição científica. Inclusive dentro do seu ‘círculo íntimo’: Thomas Huxley, Charles Lyell, Joseph Hooker e St. George Jackson Mivart (ex-protegé de Huxley) não aceitavam, por razões seculares, científicas e filosóficas, o poder criativo e no papel da seleção natural na origem e evolução das espécies. Somente Mivart foi ‘expulso’ por ser cético da seleção natural. Estranho, pois até Darwin, apesar de acreditar que a seleção natural fosse o mecanismo evolutivo par excellence, não lhe atribuía atividade exclusiva no processo evolutivo.
Gomes distorceu o arcabouço teórico da TDI ao afirmar que ela é baseada na ideia de uma entidade superior ser responsável pela criação de todas as formas de vida do Universo, quando as nossas teses são complexidade irredutível de sistemas bióticos e informação complexa especificada (no DNA, por exemplo), como marcadores empíricos de sinais de inteligência. Não são todos os cientistas do DI que defendem o conceito de tal força criativa ser chamada de “designer inteligente”. Traduzindo em graúdos: Deus. E aqui, a demonização da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Gomes afirmou que para os cristãos fundamentalistas americanos, essa ‘força criativa’ é Deus. O Mackenzie foi fundado por cristãos americanos que entenderam ser Deus essa ‘força criativa’. QED: a Universidade Presbiteriana Mackenzie é uma instituição fundamentalista.
Se tem uma coisa deplorável em nossos jornalistas é que eles escrevem sobre coisas das quais nada sabem. Ao contrário do afirmado por Gomes, a grande questão envolvendo o design inteligente (DI) nunca foi a sua introdução em algumas escolas americanas durante as aulas de biologia. Quais escolas a TDI foi introduzida, Gomes não mencionou, e nem vai poder mencionar, pois isso nunca foi ‘a grande questão’para a TDI: o Discovery Institute é a favor do ensino objetivo da teoria da evolução com suas evidências a favor e contra e, pasmem, contra o ensino da TDI. Razão? A TDI ainda não é aceita pela comunidade científica.
Quais conceitos pseudocientíficos são utilizados pela TDI? Gomes não informou. Realmente os conceitos de complexidade irredutível (não surgiu conosco, mas com Leslie Orgel, renomado especialista em origem da vida, no seu livro ‘The Origins Of Life: Molecules and Natural Selection’, 1973) e da informação complexa especificada ainda não aceitos pela maioria da academia, mas eles não são usados por ‘biólogos, químicos e filósofos da ciência integrantes do movimento DI em sala de aula como uma alternativa à teoria da evolução’.
Quanto ao caso de Dover, no estado da Pensilvânia, em 2005, os pais entraram na Justiça não para impedir o ensino da TDI (que nunca foi o caso, mas sim impedir a leitura antes de qualquer aula de Biologia de que há uma teoria alternativa à teoria da evolução de Darwin. Gomes não informou os leitores da IstoÉ, mas desde o início o Discovery Institute ao ser procurado por membros do Conselho educacional da escola de Dover, foi contra aquela moção.
Como esperado, o pessoal do DI foi convocado para depor, e foi o juiz Jones III que na sua decisão alegou ser a TDI um conceito criacionista e, portanto, religioso. Apesar de os pais dos alunos terem ganho a a disputa judicial, e a teoria ter sido banida da disciplina na escola, Gomes não sabe deste aspecto: por ter sido uma decisão judicial municipal, cabe recurso na Suprema Corte dos Estados Unidos, mas o Discovery Institute não vai atrás disso, pois entende que as teorias científicas se estabelecem, não em tribunais, mas no amplo e livre debate das ideias científicas na Academia.
O evento há pouco realizado em São Paulo trouxe ao Brasil dois dos mais célebres defensores do DI nos Estados Unidos. Stephen C. Meyer, doutor em história e em filosofia da ciência, um dos ‘criadores’(por que não ‘fundadores’?) do movimento e um dos mais atuantes portavozes. Meyer escreveu três livros, sendo o “Signature in the Cell” (Assinatura na Célula, inédito no Brasil), o mais recente. A ‘missão’ (por que não ‘objetivo’?) dele em terras brasileiras foi o de “suscitar a discussão – nosso trabalho é científico, e não político ou educacional”.
Os termos denotativos empregados por Gomes é para demonizar Steve como criacionista. E joga os leitores contra o Instituto Discovery, apresentando-o como “centro de pesquisas sem fins lucrativos ligado a setores conservadores da sociedade americana”. O DI teria melhor sorte se fosse apoiado por setores liberais da sociedade americana?
Em vez de destacar a tese central do livro de Stephen Meyer — a origem da informação biológica e o DNA como evidência a favor do Design Inteligente, Gomes intencionalmente pinçou a subjetividade religiosa de Meyer: “Como eu creio em Deus, acredito que ele é o designer inteligente. Mas existem cientistas ateus que aceitam a teoria de outras formas”.
Não entendi a frase de ‘não é o caso’ do biólogo americano Scott A. Minnich, também religioso, que também esteve no ciclo de debates apresentando a TDI aos estudantes brasileiros. Minnich contou que já sofreu preconceito por fazer parte do movimento: “É assim que as coisas funcionam na ciência. Algumas pessoas tentaram convencer o presidente da universidade na qual leciono de que eu estava incluindo o DI nas minhas aulas de microbiologia, o que não era verdade”. Por que será que Gomes destacou a participação de Minnich nas missões que buscaram indícios da produção de armas bioquímicas no Iraque em 2004? E se Minnich não tivesse participado, Gomes traria isso à tona? Um detalhe desnecessário no artigo, mas demonizador.
Interessante, o que Thomas Kuhn apresentou no seu famoso livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” como sendo um dos indícios de mudança paradigmática, Gomes disse ser uma “confusão gerada por uma teoria que se apropria de conceitos científicos para chegar a conclusões com forte viés religioso”. Ele talvez não saiba, mas foi assim também com o modelo do Big Bang que, por implicar em princípio do universo, também despertou a ira da ala ateísta da ciência e ficou engavetada por três décadas? Assim como o Big Bang, a TDI também tem implicações teístas, mas não depende delas para sua plausibilidade científica.
Entre as vozes mais ácidas contra o DI, e o que mais ajuda na sua promoção, destaca-se a do biólogo [sic. Dawkins é zoólogo] evolucionista britânico Richard Dawkins, o “rottweiler de Darwin”, que ganhou notoriedade graças a livros como “Deus, um Delírio”. Dawkins disse: “É pertinente ensinar controvérsias científicas às crianças. Só não podemos dizer: ‘Temos dois conceitos sobre o surgimento da vida – um é a teoria da evolução e o outro é o livro do Gênesis. Se abrirmos esse precedente, também teremos de ensinar a elas a crença nigeriana que diz que o mundo foi criado a partir do excremento de formigas”. O zoólogo ateu provocante tem razão, mas Gomes não informa aos leitores da Isto É qual foi o último artigo científico com revisão por pares publicado por Dawkins?
No seu artigo enviesado e detrimental à teoria do Design Inteligente, Gomes voltou ao cenário brasileiro, lembrando aos seus leitores que o colégio Mackenzie [sic. O Mackenzie é uma universidade, e chamar o local onde ocorreu o evento de ‘colégio’, é uma tentativa para diminuir o alto nível da discussão da TDI] ‘é uma instituição particular, com origens americanas e de cunho religioso desde a sua fundação’, e que por isso ‘o ensino do DI’ocorre nas aulas de biologia desde 2008. Nada mais falso. O que é ensinado no Colégio, e não na Universidade Presbiteriana Mackezie, respaldado em bases legais educacionais, é o criacionismo juntamente com a teoria da evolução.
A declaração de David Charles Gomes, chanceler em exercício do Mackenzie e pastor presbiteriano — “Acreditamos que a fé influencia todos os aspectos da nossa vida, inclusive a ciência”, reflete a fé confessional da instituição mantenedora, assim como o ateísmo de Richard Dawkins et caterva também reflete e influencia a Nomenklatura científica ao valorizar o materialismo filosófico que posa como se fosse a própria ciência.
Hélio Gomes, Isto não É a teoria do Design Inteligente!