Ministério enterra rede de estudo de fóssil

terça-feira, setembro 15, 2009

JC e-mail 3848, de 15 de Setembro de 2009.

20. Ministério enterra rede de estudo de fóssil

Lançado em 2004, instituto consumiu R$ 6,1 milhões e nunca produziu nenhuma pesquisa científica em paleontologia. Projeto foi criado por meio de emenda parlamentar, sem consulta a cientistas

Reinaldo José Lopes e Ricardo Mioto escrevem para a "Folha de SP":

Cinco anos depois de ser lançada, consumindo R$ 6,1 milhões e sem produzir nenhum trabalho científico, a Rede Nacional de Pesquisa Científica em Paleontologia foi discretamente declarada extinta pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Sua prestação de contas inclui notas fiscais de "coquetéis, festas e shows".

A verba captada pela rede, por meio de uma emenda parlamentar de 2003, foi maior investimento já feito no Brasil para o estudo da Pré-História.

Seu legado, contudo, é modesto: resume-se ao prédio de sua sede (localizado em Peirópolis, distrito da cidade mineira de Uberaba), um sistema de videoconferências, duas caminhonetes e um micro-ônibus.

Não há laboratórios funcionando no local, e sua área mais utilizada é o banheiro, aproveitado por crianças que frequentam o vizinho Museu dos Dinossauros, do Centro de Pesquisas Paleontológicas Llewelyn Ivor Price (sem ligação formal com a rede).

Reuniões entre paleontólogos e representantes do MCT e do governo de Minas Gerais estão tentando reformular o espólio da rede e permitir que, em outros moldes, a estrutura em Peirópolis tenha utilidade. Pesquisadores ouvidos pela Folha avaliam que o projeto foi uma oportunidade perdida.

"A ideia da rede é interessante. O problema é que, da maneira como ela foi estruturada, nós estaríamos criando mais um monstro burocrático", diz Álamo Feitosa, da Universidade Regional do Cariri (CE).

A crítica não é nova. Fruto de uma emenda patrocinada pelo deputado federal Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), o projeto pegou a comunidade paleontológica de surpresa em 2004.

Não houve discussão com os principais grupos de pesquisa do país sobre como e onde aplicar o dinheiro, embora o nome de instituições como a SBP (Sociedade Brasileira de Paleontologia), a USP e a UFRJ tivesse sido usado, sem o conhecimento delas, no projeto que obteve as verbas federais.

Rodrigues diz que a decisão sobre a construção de uma sede foi tomada por técnicos e defende o investimento.

"É muito melhor transferir esse dinheiro diretamente para os grupos de pesquisa já estabelecidos nas várias regiões do país", argumenta Saraiva.

Outros paleontólogos, que não se identificaram, fazem críticas semelhantes. Segundo um deles, a captação de recursos foi feita "de modo torto", e levou a um "elefante branco".

Segundo Frederico Paiva, procurador da República em Uberaba, o MCT está analisando as contas da rede. "O ministério, a princípio, rejeitou as contas. As notas são muito genéricas", diz. O Ministério Público só investigará o caso se o MCT rejeitar em definitivo as contas ou se houver alguma "denúncia de um cidadão".

Passado

O deputado Rodrigues foi responsável por uma emenda, em 1999, que levava o Centro Nacional de Cidadania Negra para Uberaba. "Foram repassados R$ 6 milhões para cursos, aulas, palestras, nada disso foi feito", diz Paiva.

O MP está processando três ex-diretores do centro por desvio de verba pública. "Em todos os convênios, os denunciados superfaturaram os serviços contratados e/ou prestados, falsificando notas fiscais (...) com o objetivo de dissimular o desvio dos recursos", diz o site do MP.

De volta à prancheta

Hélio Barros, assessor do MCT que coordena as conversas sobre o futuro do financiamento para a área, diz que a intenção da pasta é desfazer o "desconforto" ligado à rede.

"Sempre foi uma rede mineira de paleontologia. Não sei de onde veio o nome 'nacional'", diz Barros, que não estava no ministério quando o projeto começou a vigorar, em 2004, na gestão Eduardo Campos (PSB).

"Talvez tenha havido certa precipitação na maneira como a rede foi criada", avalia Alberto Duque Portugal, secretário da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais. "É complicado um Estado liderar esse tipo de iniciativa. É por isso que o MCT, sabiamente, decidiu ouvir a comunidade."

A estrutura montada para a rede ficará para a Universidade Federal do Triângulo Mineiro, beneficiando também as atividades do Centro Price, que chegou a enfrentar dificuldades financeiras no ano passado.

Verba não foi mal empregada, afirma deputado

O deputado federal Nárcio Rodrigues (PSDB-MG), autor da emenda que deu a verba para a criação da Rede Nacional de Pesquisa Científica em Paleontologia, diz que os recursos destinados à sede de Peirópolis não foram mal empregados. "Gastamos o que tínhamos de gastar", declarou.

"Mas é importante ressaltar que a decisão sobre como alocar os recursos não foi política. Quem definiu o que fazer foram os técnicos do DNPM [Departamento Nacional de Produção Mineral, que regula esse setor], que nos assessoraram."

"Infelizmente, venceram os que não queriam que a rede existisse. Acho isso um pecado", diz o deputado, que também defendeu a escolha do distrito para sediar a instituição - de fato, Peirópolis é uma grande fonte de fósseis de dinossauros e outros répteis do Período Cretáceo (70 milhões de anos atrás).

Rodrigues também criticou os que, segundo ele, teriam transformado a gestão da rede "numa disputa regionalista babaca". "Cada um faz a parte que lhe cabe", diz o deputado sobre o fato de que, embora a rede fosse nacional, os recursos não chegaram aos principais grupos de pesquisa no país. "Propus uma emenda para o meu Estado. Por que outros deputados não fizeram o mesmo?"

Sobre o Centro Nacional de Cidadania Negra (Ceneg), Rodrigues diz que tem "zero envolvimento" com a entidade. "Eu liberei recursos, mas não faço a gestão deles. A questão lá é que o Ministério da Cultura não queria que Uberaba roubasse de Salvador o título de centro da raça negra. Uberaba começou a ganhar notoriedade como centro de capacitação da raça negra. Aí quem assumiu? Gilberto Gil, Juca Ferreira... Todos são de Salvador."

O secretário Alberto Portugal, cuja equipe está negociando a integração do legado da rede à Universidade Federal do Triângulo Mineiro, diz que, apesar da falta de produção científica do projeto, os primeiros frutos dele aparecerão em breve.

Ele cita, por exemplo, a produção de um mapa das ocorrências de fósseis no Brasil e a publicação de um livro de divulgação sobre a paleontologia nacional. Para dar uso à estrutura montada em Peirópolis, o governo federal e o mineiro estão investindo mais R$ 3 milhões.

A novidade é animadora para o Centro de Pesquisas Price, "vizinho pobre" da rede extinta que chegou perto de fechar por falta de recursos em 2008. Tanto o centro quanto a ex-rede passariam a ser geridos pela UFTM a partir de 2010. "Acho que é uma boa maneira de evitar que se perca tudo o que foi investido na rede", diz Luiz Carlos Borges Ribeiro, que coordena o centro.
(Folha de SP, 15/9)