Bolsistas não retornam do exterior e dão calote

terça-feira, setembro 22, 2009

JC e-mail 3852, de 21 de Setembro de 2009.

5. Bolsistas não retornam do exterior e dão calote

TCU apurou que pesquisadores devem ao CNPq e à Capes R$ 81,1 milhões; governo reconhece dificuldade de cobrança

Leila Suwwan escreve para "O Globo":

Em processos concluídos neste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) apurou um calote de R$ 13,2 milhões com 25 bolsistas brasileiros que, enviados ao exterior para fazer doutorados e pesquisas, decidiram não retornar ao país e não reembolsar o governo pelas despesas.

De 2002 até hoje, a Controladoria Geral da União (CGU) já recebeu dezenas de "tomadas de conta especiais" sobre irregularidades praticadas por bolsistas no exterior e no Brasil.

Considerando os valores registrados, sem correção ou juros, pesquisadores devem ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) R$ 81,1 milhões.

Mas o tamanho real do calote causado pela evasão de cérebros financiada pelo estado nunca foi levantado. Após 1999, o CNPq detectou 339 casos de bolsistas que não regressaram ao país. Os casos passam por auditoria interna e depois seguem para julgamento, geralmente à revelia, no TCU. As cobranças são feitas por via judicial, com pouco sucesso.

O Globo localizou mais de 200 acórdãos no tribunal sobre o tema. A análise dos 27 casos julgados em 2009 revela dívidas que variam de R$ 169 mil a mais de R$ 1 milhão, de 25 pesquisadores expatriados desde 1992. Apenas dois casos foram arquivados.

Cláusula de retorno para garantir fomento acadêmico

A cláusula de retorno é a condição da bolsa que pretende garantir o fomento acadêmico nacional: os beneficiados são obrigados a passar igual período no Brasil, repassando os conhecimentos adquiridos lá fora. Vários desses pesquisadores vivem e trabalham em outros países - alegam melhores condições financeiras e de trabalho - e acabam ignorando os longos e burocráticos processos dos quais são acusados. O próprio governo reconhece a quase impossibilidade de reaver os recursos.

Com um investimento anual médio de US$ 30 milhões, o Brasil mantém de 300 a 500 pesquisadores em programas de doutorado, pós-doutorado, doutorados-sanduíche e estágios - o pagamento é de cerca de até US$ 2,1 mil por mês. Os países mais populares são os Estados Unidos (35%), Inglaterra (14%) e França (13,5%). Em 2008, a Capes tinha 4.135 bolsistas e o CNPq, 551.

- O ressarcimento de custos é difícil. É um risco inerente aos investimentos em pesquisa. Já cogitamos algumas soluções, como o oferecimento de garantias ou avais, sem prejudicar bolsistas de baixa renda - disse Luiz Navarro, ministro-interino da Controladoria Geral da União (CGU).

O CNPq considera que o volume histórico dos "caloteiros" é baixo. De 1982 até 1998, os 266 bolsistas que não voltaram ao Brasil representaram menos de 1% do total de benefícios desse tipo. As principais justificativas apresentadas pelos pesquisadores para o êxodo são as dificuldades em conseguir trabalho compatível ou bem remunerado no Brasil, consequências às vezes da extrema especialização.

Alguns se queixam de que a vaga de trabalho, em empresa ou universidade, deve ficar reservada como contrapartida e incentivo ao retorno. O TCU já recomendou estudos sobre a contratação obrigatória desses bolsistas em universidades brasileiras.

"Advogados me aconselharam a deixar para lá"

Os bolsistas devedores localizados pelo GLOBO, todos bem situados em universidades e empresas nos Estados Unidos, reagiram com um misto de constrangimento e indignação ao serem questionados sobre suas condenações. Se por um lado consideram a cobrança injusta, mostram pouco ou nenhum interesse em assumir e negociar os valores. Residentes nos Estados Unidos, mal são afetados pelas ações no Brasil.

- Andei falando com advogados no Brasil e me aconselharam a deixar para lá. Ia ser uma negociação longa e desgastante.E não moro aí - disse a oceanógrafa Ana Cessel de Lima, PhD pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 2004.

Casada desde então com um americano, Ana deveria ter pago R$ 456 mil aos cofres públicos - hoje, com juros e correção, o valor passa de R$ 918 mil. Ela se recusou a dizer onde trabalha e foi localizada por meio de seus ex-orientadores. Conta que nenhuma oferta de emprego prosperou no Brasil:

- Ninguém gosta de ficar devendo, nem eu.

Ana sequer considerou negociar um parcelamento, alternativa oferecida pelo CNPq:

- É como uma nota promissória: se eu não pagar, alguma pessoa no Brasil está ferrada.

Apesar de não saber ao certo como poderia fazer uma contraproposta ao governo brasileiro, Ricardo Medeiros, PhD em fitopatologia (1999), considera a cobrança justa e correta.

- Sem dúvida vou pagar, só vou discutir o cálculo. A cobrança é justa. O dinheiro é do contribuinte, não consigo imaginar a cara de pau de não assumir. Seria mau caratismo - disse ele, hoje um pesquisador na R&D Systems, empresa de biotecnologia.

Casado com uma americana, ele regressou por um ano e meio ao Brasil, ao posto de professor adjunto na UnB. Mas voltou aos EUA por "opção pessoal". Dez anos depois, sua dívida de R$ 188,7 mil já chega a R$ 721 mil.

Há casos em que o bolsista nega a legitimidade da cobrança. Nelson Pedreiro, pesquisador da Lockheed Martin Space and Missiles na California, diz que era bolsista da Embraer-CNPq. Sua obrigação de retorno estava vinculada ao emprego na então estatal, que demitiu metade de sua força enquanto ele fazia doutorado em ciência aeroespacial em Stanford.

- Eu concordo em pagar parte. Quando deixei a Embraer, acabou o vínculo. Assinei um termo para um aditivo do CNPq, mas não concordo que seja retroativo - disse. Ele deve R$ 485 mil em valores corrigidos e é retrato da fuga de cérebros. Está envolvido com empreendimentos da vanguarda acadêmica, como a invenção de uma espécie de "elevador" para o espaço.
(O Globo, 20/9)