As muitas camadas da realidade, artigo de Marcelo Gleiser

segunda-feira, novembro 08, 2010


JC e-mail 4132, de 08 de Novembro de 2010.


"Podemos imaginar que a descrição científica da natureza é um bolo, com fatias de sabor variado"

Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA). Artigo publicado na "Folha de SP":

Durante séculos, cientistas sonharam em obter uma descrição completa do mundo, tentando fazer da ciência um símbolo maior do brilhantismo humano. Não seria fantástico se fôssemos capazes de prever o futuro em detalhe? A ciência como oráculo... muito irônico.

Essa seria a opressora realidade do cosmorrelógio, no qual leis estritamente determinísticas descreveriam todos os mecanismos da natureza. Esse sonho não passava de ilusão, e o projeto falhou.

Primeiro porque essa meta reducionista, para a qual tudo na natureza pode ser descrito a partir do comportamento das menores entidades de matéria, depende do acúmulo de muita informação (como as posições e velocidades de todas as partículas que compõem o Cosmo).

Mesmo os seus defensores mais ferrenhos, como o francês Laplace e outros, sabiam que, na prática, nunca daria certo. Medidas tomam tempo. E, quando você termina de medir algo aqui, o que está acolá já mudou de lugar! Mas, mesmo assim, acreditava-se num conjunto de leis que poderia ser usado para construir a realidade física do mais elementar ao mais complexo, a partir das entidades fundamentais da matéria e de suas interações.

Além disso, a física quântica, que descreve átomos, proíbe o conhecimento da posição e da velocidade de uma partícula com precisão arbitrária, impondo um limite absoluto ao que podemos conhecer.

Hoje, imagino (e espero) que poucos físicos acreditem que o projeto reducionista possa funcionar começando das partículas elementares e indo às moléculas, aos furacões ou à explicação de como os neurônios podem criar nosso senso de identidade.

Deixar de lado esta meta reducionista cria oportunidades únicas. Como escreveu o prêmio Nobel Philip Anderson, em 1972: "A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades. Cada estágio requer leis e conceitos novos". [*]

Podemos imaginar nossa descrição científica da natureza como um bolo de muitas camadas, cada qual com o seu sabor, ingredientes e feita segundo instruções diferentes. O bolo pode ser um só, mas não é possível cozinhá-lo começando com prótons e elétrons. (Da mesma maneira, uma sinfonia é muito mais do que um agrupamento de notas.)

Será que existem camadas-limite, indo da menor à maior? Ou será que a realidade é um "bolo de Babel", sem limites? Se considerarmos o que sabemos hoje, podemos dizer que existe uma distância mínima, onde o conceito de espaço deixa de fazer sentido: é o chamado "comprimento de Planck", igual a 1,6 x 10-35 metro (um próton tem aproximadamente 10-15 metro).

Em direção ao cósmico, a coisa é mais incerta. Podemos dizer que a porção observável do Universo, isto é, o volume de espaço onde podemos coletar informação usando formas diversas de radiação (como luz, ultravioleta e infravermelho), é de 46 bilhões de anos-luz.

Se o Universo continua além dessa fronteira- e não há razão para achar que não continue- não podemos sabê-lo. E se não podemos ver o que está além, esta é, de fato, a camada-limite do "muito grande". Portanto, nosso bolo da realidade não se estende ao infinitamente pequeno ou grande. Ao menos, essa é a receita atual.

(Folha de SP, 7/11)

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NOTA DESTE BLOGGER:

Marcelo Gleiser cita uma proposição de Philip W. Anderson [*] também defendida pelos teóricos e proponentes da teoria do Design Inteligente:

"A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades. Cada estágio requer leis e conceitos novos". 

Uau! A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades e esse estágio requer leis e conceitos novos: complexidade irredutível de sistemas biológicos e informação complexa especificada. Traduzindo em graúdos: a decrépita explicação gradualista darwiniana não tem cacife heurístico para explicar isso. Traduzindo em miúdos: a única teoria que se propõe explicar esse nível de complexidade é a teoria do Design Inteligente.


Outras citações de Philip W.  Anderson podem ser encontradas aqui. Destaco uma detonando os biólogos:

"We have yet to recover from [the arrogance] of some molecular biologists, who seem determined to try to reduce everything about the human organism to “only” chemistry, from the common cold and all mental disease to the religious instinct. Surely there are more levels of organization between human ethology and DNA than there are between DNA and quantum electrodynamics…"


Anderson, P. W. (1972) More Is Different: Broken Symmetry and the Nature of the Hierarchical Structure of Sciences. Science. 177: 4047. August 4, 1972."

Então caras-pálidas, deixem de lado a retórica materialista filosófica que posa como ciência, e discutam a plausibilidade científica de uma teoria que afirma que sinais de inteligência são empiricamente detectados na natureza todas as vezes que encontrarmos esses níveis de complexidade.

Darwin, Kaput! Já era!!!