Finalmente a Folha de São Paulo dá uma lição de jornalismo objetivo e imparcial ao “ouvir o outro lado” em questões polêmicas e controversas como o uso de células-tronco embrionárias. Falta fazer isso em relação a Darwin versus Design. Cláudio Ângelo, o I Simpósio Internacional “Darwinismo Hoje” — 8 a 10 de abril de 2008, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, vai ser coberto pela FSP, não vai? Uma boa oportunidade para abordar o Design Inteligente e o Darwinismo. Mas, o Marcelo Leite já disse: “Não damos espaço!”. Seria um prazer conhecê-los pessoalmente.
Em que pese os argumentos a favor e contra de José Carlos Dias e Claudio Fonteles, nenhum dos dois abordou a questão de custo e benefício para o tratamento de doenças com células-tronco embrionárias. Hoje, só para a obtenção de uma linhagem que resulte na clonagem de um ser humano (são necessários pelo menos 250 óvulos que são comprados [“extirpados” cirurgicamente: as mulheres ainda não foram informadas das possíveis conseqüências colaterais dessa cirurgia invasiva] a um custo de pelo menos US$ 1.000.000,00 [Hum milhão de dólares], mais outras despesas com cientistas, técnicos e materiais.
QED: O SUS que não pode bancar sequer o tratamento de uma simples dor de cabeça, o Ministério da Saúde incompetente que nem consegue debelar a epidemia de dengue no Brasil, sem dúvida vai DEMOCRATIZAR o uso dessa terapia que vai ressuscitar até mortos.
Somente os Bill Gates da vida é que vão poder se beneficiar desse tratamento “nota promissória” científico, onde mais a satisfação de egos cientificistas querendo a fama e o reconhecimento está em jogo, do que propriamente o avanço da ciência.
Eu sou contra, mas sou voto vencido. O STJ vai aprovar como sempre tem feito em situações difíceis: 4 votos a favor, 3 contra. Tem sido assim sempre. Não vai ser diferente. O cheque em branco que Mayana Zatz et al desejam, vai ser assinado.
JC e-mail 3481, de 01 de Abril de 2008.
15. O Supremo e a vida, artigo de José Carlos Dias
A utilização, em outro ser, de células-tronco consideradas inviáveis é a forma mais digna de dar continuidade ao projeto vital do criador
José Carlos Dias é advogado criminalista. Foi presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, secretário da Justiça do Estado de São Paulo (governo Montoro) e ministro da Justiça (governo FHC). Artigo publicado na “Folha de SP”:
Pleiteia o procurador-geral da República que o Supremo Tribunal Federal declare inconstitucional o artigo 5º da lei nº 105/ 2005, que autoriza a pesquisa para fins terapêuticos com células-tronco embrionárias inviáveis para a reprodução, argumentando que a vida tem como marco inicial a fecundação, devendo ser, a partir de então, protegida de forma absoluta pela Constituição.
A questão posta, e que está sendo objeto de discussão e julgamento pela Suprema Corte, esbarra numa premissa da maior importância: se o embrião fertilizado "in vitro" vier a ser considerado inviável à reprodução, pode, ainda assim, ser equiparado à condição de pessoa, sujeito de direitos fundamentais?
A resposta é negativa. E isso porque nem sequer o feto é equiparado à pessoa pelo nosso ordenamento jurídico. O Código Penal, que pune o aborto como crime, apresenta duas hipóteses de licitude de tal conduta: quando se faz necessária para salvar a vida da mãe em trabalho de parto ou quando objetiva proteger a dignidade da mulher, desobrigando-a de prosseguir na gestação do produto de um estupro.
O embrião é considerado inviável quando apresenta má-formação ou assim se presume quando tenha permanecido por tempo superior a três anos em congelamento de menos 175 graus Celsius. Qual é o seu destino? O descarte, o congelamento por tempo indefinido ou a pesquisa terapêutica autorizada pelos genitores. Nunca se ouviu contar de funeral de embrião que, se considerado um ser humano, seria acompanhado de cerimônia religiosa.
No caso de dar um destino científico ao embrião inviável, o que se está objetivando é a busca de salvação para criaturas portadoras de males gravíssimos que as impedem de viver ou, pelo menos, de desfrutar uma vida em melhores condições. Abre-se a ciência para a tentativa heróica de dar esperança para muitos seres impossibilitados até de esperar por milagres.
Se o ordenamento jurídico prevê a exclusão do caráter criminoso do ato de matar em algumas circunstâncias, como em legítima defesa ou em estado de necessidade, por que se há de considerar crime a utilização de células-tronco inviáveis para a vida para que viabilizem vidas de seres fadados ao sofrimento, a moléstias sem volta, à morte?
Os que pretendem que seja crime a utilização de células-tronco incapazes de se transformarem em gente com fundamento em princípios religiosos, lembrem-se de que a vontade de Deus haverá de ser cumprida dando-se às células-tronco incapazes de prosseguir seu ciclo evolutivo normal o poder de serem viáveis para a salvação de pessoas incapacitadas de desfrutar a graça de viver em condições mais condizentes com sua dignidade.
Quando se pensa em tais seres padecentes de tanto sofrimento, há de se pensar também naqueles que repartem com eles tamanha dor e que vêem na pesquisa que o Ministério Público e entidades religiosas pretendem proibir uma esperança final para a salvação dos seus entes queridos.
Indago, pois, e o faço agora como cristão: por que se posiciona a igreja de forma tão intolerante, inadmitindo a tentativa de cura de muitas criaturas, optando por desprezar o uso de tais células na luta por salvar vidas? Qual a razão teológica, moral, ética para impedir que a pesquisa contribua com a obra do criador?
Sem atrever-me a penetrar na seara de tais temas, ouso lançar argumento intuitivo que me parece dever ser refletido. A utilização, em outro ser, de células-tronco consideradas inviáveis é a forma mais digna de dar continuidade ao seu projeto vital.
O voto do ministro relator Carlos Ayres Britto é histórico, profundo e extremamente humano. A ministra Ellen Gracie, antecipando-se com seu voto, marcou também sua posição de coragem. Aguarda-se o voto do ministro Carlos Alberto Direito, que pediu vista. Se é verdade que se trata de um respeitado jurista conhecido como homem fiel aos mandamentos da igreja, cresce a esperança de que se apóie na virtude da caridade para o fundamento moral de seu voto, já que sobejam motivos de ordem jurídica.
E, de qualquer forma, qualquer que seja a orientação de seu voto, espera-se que permita que seus pares se pronunciem o quanto antes, para que a questão seja definida de uma vez por todas.
Estamos nós, ansiosos, diante de um momento grandioso da história do Supremo Tribunal Federal, aguardando uma decisão sábia e urgente, decisão que deverá vir calcada na justiça e na compaixão.
(Folha de SP, 1/4)
16. A inviolabilidade da vida humana, artigo de Claudio Fonteles
Por que insistir em pesquisa que tem caminhada de dez anos e nenhum resultado? Ou melhor, cujo resultado é violar a vida humana?
Claudio Fonteles, mestre em direito pela UnB, professor de direito processual penal, é subprocurador-geral da República. Foi procurador-geral da República de 2003 a 2005. Artigo publicado na “Folha de SP”:
A professora Lygia Pereira, em recente artigo, perguntando-se sobre o que considerou "uma nova polêmica [que] surgiu no mundo todo: esse embrião é uma vida ou não?", foi rápida e enfática na resposta: "Ora, é claro que ele é uma forma de vida humana, assim como um feto, um recém-nascido e um idoso também são".
Pensei: bem, a controvérsia está terminada, ao menos entre nós dois, pois, se o embrião, o feto, o recém-nascido e o idoso, todos constituem-se forma de vida humana, vistos por certo nos estágios cronológicos de sua existência, o embrião é vida humana.
Mas eis que a professora Lygia prossegue e, após estabelecer que a real questão é "que formas de vida humana nós permitiremos perturbar?", sustenta que a "vida" mencionada na nossa Constituição já é legalmente violada em algumas situações.
Elenca a morte cerebral e a permissão do aborto em caso de estupro ou de risco de vida para a gestante a perguntar, então: "E aquele embrião de cinco dias, produzido por fertilização "in vitro" e armazenado em um congelador, em que condições ele é uma forma de vida passível de ser violada?", para responder: "A Lei de Biossegurança, de 2005, permite o uso para pesquisa de embriões inviáveis -que não sejam capazes de se desenvolverem em um recém-nascido ou que estejam congelados há mais de três anos".
Anotado o eufemismo "que formas de vida humana nós permitiremos "perturbar" e poucos dias após o início do julgamento, eis que a imprensa brasileira, em decisiva matéria sobre o assunto, documenta a existência do menino Vinícius, de seis meses, embrião congelado por oito anos, destacada a frase de sua mãe, Maria Roseli, a dizer: "Imagine se eu tivesse doado o embrião para pesquisa".
É a comprovação clara do que a professora Alice Teixeira asseverou na audiência pública, no que não foi contestada até hoje, no sentido de que há no mundo, especificamente nos Estados Unidos, pessoas, embriões congelados por sete, nove e até 13 anos. No Brasil, a professora Alice Teixeira apontou o caso de Alissa, embrião congelado por seis anos. Por certo, inúmeras são as pessoas, embriões congelados por vários anos.
Tais fatos, tão inequívocos, constatam que o prazo único de três anos, posto no artigo 5º da Lei de Biossegurança, após o que autorizada estava a pesquisa com embriões, é prazo aleatório, destituído de qualquer fundamento científico sério. O princípio constitucional que consagra como direito individual fundamental a inviolabilidade da vida humana queda inexoravelmente comprometido ao permitir-se que permaneça a eliminação do embrião humano, para qualquer fim. Inviolabilidade da vida humana significa destacar e colocar em patamar supremo a existência do ser humano.
Como manter pesquisa cujo objeto são embriões humanos congelados se, quando descongelados e implantados no útero materno, vivem? Se há os que morrem, há os que vivem. Aí estão Alissa, Vinícius e tantos mais.
O princípio da inviolabilidade da vida humana não se define por estatísticas. Demonstrado e provado, como está, e por forma inequívoca, que o embrião congelado por mais de três anos vive, a norma jurídica que autoriza sua eliminação para pesquisa é flagrantemente inconstitucional.
Como, ainda, diante de fatos tão claros e inequívocos, dizer que Alissa, Vinícius e tantos mais não são vidas humanas, não são brasileiros, porque foram embriões congelados e, segundo o pensamento do relator, ministro Carlos Britto, fecundados "in vitro", estariam condenados à solidão infinita e vida neles não há?
Depois que propus a ação direta de inconstitucionalidade, linhas várias de pesquisa se abriram, a indicar o valor do líquido amniótico, da placenta, do cordão umbilical, a presença das células-tronco adultas nas paredes de todos os vasos sanguíneos -aqui, graças ao trabalho de equipe de pesquisadores da USP de Ribeirão Preto, segundo declaração à imprensa do professor Dimas Tadeu Covas-, no tratamento das doenças degenerativas.
O professor Thompson, quem primeiro pesquisou com células-tronco embrionárias, abandonou essa linha de pesquisa para concentrar-se, como o faz o professor Yamanaka e equipe, em outra vertente: a reprogramação genética das células adultas, conduzindo-as à pluripotência.
O leque de pesquisas está aberto. Por que insistir naquela vertente que já tem caminhada de dez anos e cujo resultado é nenhum ou, a dizer com a realidade, cujo resultado é violar a vida humana?
Termino repetindo o alerta de Maria Roseli, mãe de Vinícius: "Imagine se eu tivesse doado o embrião para pesquisa".
(Folha de SP, 1/4)