Francis Collins e a ‘lógica do crioulo doido’ na revista VEJA: a Operação ‘Cavalo de Tróia’ em ação. Parte 3 de 3

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Eu vou tentar discorrer na parte mais subjetiva e ardilosa das perguntas feitas a Francis Collins sobre a sua subjetividade religiosa na entrevista de Gabriela Carelli.

A pergunta ‘Qual é a sua leitura da Bíblia’ era para a jornalista ter certeza em que topos epistêmico Collins poderia ser enquadrado — liberal ou ‘fundamentalista’. A Bíblia, como qualquer outro documento literário — o Origem das Espécies inclusive — pode ser lido e interpretado de várias maneiras: literal, figurativamente. O contexto literário é que determina a interpretação do texto.

Concordo com Collins de que há perigo de uma interpretação de textos de tradições religiosas terem uma única interpretação. Só que Agostinho é uma entre muitas vozes dentro da tradição cristã. Há quem pense o contrário de Agostinho, mas Collins saiu pela tangente.

Uma boa pergunta a Collins seria: ‘Como o sr. lê o Origem das Espécies?’ Ernst Mayr disse que o livro era muito confuso, e que a proposta de Darwin em explicar ‘a origem das espécies’ não surge em suas páginas. A leitura da ‘Bíblia da Evolução’ deve ser ‘literal’ ou ‘figurativa’? Como deve ser aceito ‘o dogma da transmutação’? Pela fé? Ou empiricamente confirmado? Afinal de contas, EMPIRICA, EMPIRICE TRATANDA — Das coisas empíricas, devem ser empiricamente consideradas!

Como Galileu, eu entendo que a Bíblia não como um livro científico — isto é, não diz como vão os céus, mas como se vai para o céu. Mas, é preciso mencionar que muitos dos fatos históricos bíblicos aqui e ali são confirmados pela arqueologia. As pedras confirmam os relatos do livro da tradição judaico-cristã, mas essas mesmas pedras continuam aqui e ali dizendo um sonoro NÃO às especulações transformistas de Darwin desde 1859. Essa é a leitura ‘literal’ que encontramos na literatura especializada. E também nas pedras... Que disparidade!

Não estou aqui esposando crença quanto à duração dos dias da criação — 6 dias de 24 horas, como se isso fosse um tremenda dificuldade para um Deus onipotente. Faço o raciocínio só para os ateus, agnósticos e céticos pensarem um pouco mais seriamente com os seus botões epistêmicos — uma leitura objetiva e desapaixonada da Bíblia vai mostrar muitos daqueles ‘milagres’ ocorrendo ‘instantaneamente’: água em vinho é um entre muitos que me vem à mente.

Até parece que a divindade, e aqui peço licença de mencionar o Nome, Deus se limitou, se despiu de sua onipotência ao relatar o ‘creatio ex-nihilo’ como tendo durado apenas 144 horas, quando poderia tê-lo feito como nas outras instâncias — VAPT, VUPT, instantaneamente! Isso na teologia cristã é chamado de ‘κενόσις’.
Collins se esqueceu de mencionar que as descobertas fundamentais da geologia, da cosmologia, da física, da química e da biologia, são revistas e descartadas quando novas evidências surgem contra ‘o consenso científico’. Hoje, o catastrofismo já não é mais tabu em geologia. Collins parece que não lê muito nesta área.

A pergunta ‘O senhor acredita na Ressurreição?’, é o mesmo que perguntar ‘O senhor acredita no invisível?’, ‘O senhor acredita em muliversos?’. Interessante, assisti em SP em 2006 um documentário sobre Mário Schemberg, e fiquei pasmo com a afirmação escatológica daquele grande físico brasileiro: “O invisível é que é real”, e que esse tipo de pergunta deveria ser permitido ser feita na Academia. Uau, há perguntas que não podem ser feitas na Academia! Imagina então afirmar que o invisível é que real! Até onde eu sei, Schemberg, judeu, era ateu e materialista, mas que permitia idéias assim serem discutidas na Academia. Pena que Schemberg não está mais conosco.

Gabriela Carelli perguntou depois se não era uma contradição um cientista acreditar em ‘dogmas e milagres’. Ora, Gabriela, hoje o que mais os cientistas acreditam é em ‘dogmas’ e ‘milagres’. O dogma central em biologia é a teoria geral da evolução, e o milagre é a seleção natural e os mecanismos evolutivos de A a Z agirem ao longo de longos períodos de tempo. Isso é ‘aceito pela fé’, oops a priori é mais chique, mas está no mesmo patamar heurístico — os materialistas estão cada vez mais falando como os criacionistas: não vimos e nem podemos ver esses eventos únicos acontecerem, mas os cientistas disseram que foi assim e ponto final.

Logo, um cientista teísta ou ateu acreditar em dogmas e milagres depende de como essas palavras são definidas pelos topos epistêmico e o nexus lingüístico dos interlocutores: faz parte do jogo. A definição de Deus dada por Collins, me desculpem os seus fãs cristãos e ateístas, é heterodoxa: está mais para ‘deísta’ do que ‘teísta’.

Chegamos à parte da entrevista que chamo de ‘Operação Cavalo de Tróia em ação’ — a tentativa dos darwinistas cooptarem os de concepções religiosas aceitarem as teorias de Darwin e Deus ao mesmo tempo.

Instado se é possível acreditar nas teorias de Darwin e em Deus ao mesmo tempo, Collins respondeu prontamente: “Com certeza”. O que mais me impressiona em Collins, é que ele se arroga conhecer a mente divina: “Se no começo dos tempos Deus escolheu usar o mecanismo da evolução para criar a diversidade de vida que existe no planeta, para produzir criaturas que à sua imagem tenham livre-arbítrio, alma e capacidade de discernir entre o bem e o mal, quem somos nós para dizer que ele não deveria ter criado o mundo dessa forma?”

Eu não conheço, e ninguém conhece a mente de Deus, se bem que Stephen Hawking disse ser possível, mas nós conhecemos a mente de Darwin — a idéia central da seleção natural é demonstrar como que aparência de design pode emergir de mudanças aleatórias sem design intencional ou ajuda externa: ‘Se eu fosse convencido de que eu precisaria de tais adições à teoria da seleção natural, eu rejeitaria isso como lixo’ [Não consigo lembrar a citação exata, mas é uma das cartas de Darwin a Lyell].
Assim como nós conhecemos também a mente de alguns darwinistas como George Gaylord Simpson: ‘Portanto, o homem é o resultado de processos naturais sem propósito que não o tinham em mente’ [The Meaning of Evolution, ed. rev. New Haven, Yale University Press, 1967, p. 345].

Onde será que Collins estudou Lógica? Darwin, que propôs a teoria geral da evolução disse que não precisa de ajuda externa. Os discípulos ortodoxos dizem que os processos naturais não tinham o homem em mente. Então, alguém me ajude aqui que estou tendo uma apoplexia lógica, como é então que esse Deus pode ‘guiar’ um processo que não é guiado e atélico conforme proposto por Darwin?

O problema do altruísmo — geneticamente definido como comportamento autodestrutivo realizado em favor de outros membros da espécie — é incompatível para o darwinismo não porque esse fenômeno seja encontrado apenas entre os humanos. Darwin disse que a seleção natural nada faria para produzir qualquer modificação numa espécie exclusivamente para o benefício de outra espécie.

Para complicar ainda mais a questão, se o altruísmo [um componente genético da natureza humana?] não se originou com a seleção natural, a teoria geral da evolução está em dificuldades [Obrigado, Gould], pois se os argumentos a favor do altruísmo forem corretos, os nossos muitos conceitos sobre seleção natural estão errados! [Obrigado, Dr. Prof. T. H. Frazetta, University of Illinois].

As idéias têm conseqüências, e as de Darwin podem sim serem usadas para difundir o ateísmo. Exemplo mor disso: o apóstolo ateu fundamentalista Richard Dawkins que se utiliza do darwinismo para propagar a fé do ateísmo numa cruzada mortal contra os de concepções religiosas. Tudo com um aval velado da Nomenklatura científica que nada faz para chamá-lo à chincha por usar indevidamente a nobre ciência darwinista na difusão de uma ideologia.

Quanto às muitas religiões serem contrárias ao uso de técnicas científicas que poderiam salvar vidas, como a do uso de células-tronco, Gabriela Carelli foi sutil em evitar a correta expressão — células-tronco embrionárias. Isso é intencional e diariamente feito na Grande Mídia para evitar chocar a opinião pública sobre a questão ética de se matar seres humanos. Francis Collins parece estar desinformado cientificamente sobre a questão: a suposta ‘miraculosidade onipotente’ das células-tronco embrionárias é uma gigantesca ‘nota promissória’ que os cientistas querem que os cidadãos comuns endossem por eles.

A posição de Collins nessa polêmica é dúbia — ele ataca os de concepções religiosas por serem contra a utilização de embriões humanos para uma terapia que ainda está no imaginário dos cientistas. Por outro lado, ele defende os teístas, afirmando que a clonagem humana é uma fronteira que a ciência não deve transpor. Onde foi mesmo que Collins estudou Lógica? O que é a terapia usando as células-tronco embrionárias? Não é clonagem humana? É o quê então?

Além disso, os radicais defensores dessa nova forma de Holocausto, não ousam dizer para o público leigo que o tratamento utilizando as células-tronco embrionárias será um tratamento médico não universal, e somente para os muito, mas muito ricos. Explico — hoje para se obter uma linhagem de células-tronco são necessários em torno de 260 óvulos. Um óvulo no mercado internacional para ser removido através de cirurgia invasiva custa em torno de US$ 4.000,00. Total: US$ 1.040.000,00 (Um milhão e quarenta mil dólares). Fora as despesas com os médicos, enfermeiras, laboratório. Não há no mundo INSS ou SUS que agüente um tratamento médico desses tão elitista.

Não são somente os geneticistas que são muitas vezes acusados de brincar de Deus. Os cientistas também. Há perigo nisso? Sim, porque os cientistas depois não têm controle sobre suas descobertas. Prova disso — a física nuclear que terminou gerando o horror de Hiroshima e Nagasaki. O público desconhecia da gravidade dessa linha de pesquisa científica. Somente os cientistas é que se posicionaram contra, mas mesmo assim cooperaram com o governo dos Estados Unidos por temerem que os alemães conseguissem a bomba atômica primeiro. Foi usada como ‘instrumento de persuasão’ para a rendição do Japão.

Quem nos garante será diferente com a eugenia pós-moderna? Oops bioengenharia é mais chique. Collins disse ‘Nosotros somos la garantia’, mas é preciso mais, muito mais ceticismo localizado da sociedade. Somos nós que pagamos os salários dessa turma. Barnabés. É preciso sim haver mais debate e controle público sobre essas questões éticas de algumas pesquisas científicas. Eles não são deuses.

Gabriela Carelli fez uma pergunta escatológica a Collins: O senhor acredita que Deus ouve suas preces e as atende? Eu vou fazer aqui o papel de advogado do Diabo. Collins disse que nunca ouviu Deus falar. Se tivesse, estaria internado num hospício. Mas, ele mencionou que algumas pessoas ouviram. Collins, afinal de contas, Deus fala ou não fala, ouve ou não ouve as preces?

É comovente a definição subjetiva dele sobre a comunicação ‘crente’ e ‘Deus’: não é caminho para manipular as intenções de Deus, é uma forma de entrarmos em contato com Ele, e nesse processo, os ‘crentes’ aprendem coisas sobre eles mesmos e sobre as suas motivações.

Ainda no meu papel de advogado do Diabo vou definir aqui o que é ser ‘fundamentalista’ na pós-moderrnidade. Um fundamentalista é alguém que acredita na existência objetiva de Deus, nos textos sagrados como sendo revelatio ex Deo aos homens, que Deus fala, se relaciona e responde às preces de suas criaturas, e que suas injunções éticas têm jurisdição sobre os crentes. Por favor, me perdoem os que são cristãos, mas para mim o exemplo mor de fundamentalista é Jesus Cristo.

Eis como o relato sagrado dos que são cristãos descreve o angst de Jesus, o Fundamentalista, diante de uma situação profundamente humana e escatológica — a morte do seu amigo Lázaro:

‘E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse: Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste. E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora”. Evangelho de São João 11.41-43

NOTA BENE: Os que não conhecem a História da Ciência estão condenados a repeti-la (Santayana???). Não se esqueçam de St. George Jackson Mivart (1827-1900), ele foi o primeiro evolucionista teísta expulso do círculo darwinista por razões científicas e extracientíficas. Essa tentativa dos darwinistas em cooptar os de concepções teístas para a Igreja de Darwin está fadada a repetir a história: é possível ser darwinista e teísta, mas um teísta não pode ser darwinista. A História da Ciência já demonstrou isso em 1871.