Mais que fibras ópticas

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

10/2/2010

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Em 1996, o físico irlandês Philip Russel fez a primeira demonstração prática de uma nova classe de fibras ópticas: as fibras de cristais fotônicos (PCF, na sigla em inglês). Ao permitir a otimização das propriedades ópticas em um nível inalcançável com as tecnologias de fibras ópticas convencionais, as PCF têm revolucionado, com suas aplicações, áreas como telecomunicações, tomografia óptica, espectroscopia, medicina, metrologia, desenvolvimento de sensores e dispositivos ópticos não-lineares.


Inventor da fibra de cristais fotônicos híbrida, pesquisador da Unicamp publica na revista Report on Progress in Physics artigo sobre os mais recentes avanços de uma nova era nas comunicações ópticas

Nos últimos anos, a tecnologia de PCF evoluiu sem parar, com expressiva contribuição de grupos brasileiros. Os progressos mais recentes e as aplicações mais inovadoras para essas fibras acabam de ser descritos na revista Report on Progress in Physics. O autor do artigo é o brasileiro Arismar Cerqueira Sodré Junior, professor da Faculdade de Tecnologia (FT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Limeira (SP).

Cerqueira explica que as PCF apresentam uma microestrutura periódicana escala do comprimento de onda da luz ao longo de seu eixo de propagação. Essa microestrutura periódica, denominada cristal fotônico, é análoga aos cristais fotônicos presentes nos semicondutores. Ao contrário das fibras ópticas tradicionais – sempre feitas de sílica e com uma estrutura muito simples –, o interior das PCF pode ter geometrias variadas e ser feito de materiais diferentes, como ar, líquidos, outros tipos de vidros, metais e até gases.

“As PCF revolucionaram a tecnologia de fibras ópticas, pois criaram novos graus de liberdade para o design, fabricação e aplicações das fibras. A inovadora possibilidade de variar materiais e geometrias permite que o guiamento da luz por meio de diferentes mecanismos de propagação em uma gama muito grande de comprimentos de onda”, disse à Agência FAPESP.

Os editores da revista – que tem alto impacto internacional (12,09) – indicaram Cerqueira para produzir um estudo de revisão em virtude de seu prestígio e de sua principal descoberta na área. Durante seu doutorado na Itália e na Inglaterra, concluído em 2006, o brasileiro idealizou, projetou e fabricou um novo tipo de PCF, conhecida como Hybrid Photonic Crystal Fiber.

Os primeiros resultados do estudo sobre a PCF híbrida foram publicados em janeiro de 2006, na revista Optics Express. De acordo com Cerqueira, a nova fibra reúne vantagens sobre as duas categorias de PCF existentes até então.

Na PCF original, a luz que se propaga ao longo da fibra de forma análoga ao guiamento nas fibras ópticas tradicionais, com reflexão interna total.

A segunda categoria de PCF é conhecida como photonic bandgap fibers (PBGF). Nela, a luz é guiada em janelas específicas de frequência, previamente estabelecidas no projeto da fibra óptica. Tal característica culminou no guiamento da luz em um núcleo de ar com baixa perda, o que era impossível com a tecnologia tradicional.

“A PCF híbrida alia a vantagem dos dois tipos iniciais de PFC em uma única fibra. Foi o primeiro guia de onda óptico que viabilizou o guiamento da luz pelos dois mecanismos de propagação simultaneamente. Por meio de um maior controle da luz guiada ao longo da fibra, conseguimos otimizar as suas propriedades ópticas, tais como dispersão cromática e efeitos não-lineares, atingindo com isso desempenhos anteriormente impossíveis ou até inimagináveis, abrindo um novo leque de projetos e aplicações”, explicou.

No artigo, Cerqueira descreve aplicações inovadoras, como o guiamento da luz na região do infravermelho. “Isso é inconcebível para a tecnologia tradicional. Outro aspecto interessante é o desenvolvimento de sensores de altíssima precisão, obtidos com a tecnologia PCF, além da produção de lasers, amplificadores e outros dispositivos ópticos de alta eficiência”, disse.

Segundo Cerqueira, as PCF estão viabilizando o guiamento da luz em frequências na faixa de terahertz – o que poderá contribuir para resolver o atual gargalo entre a nanotecnologia e as comunicações ópticas.

“Hoje, a tecnologia óptica está muito mais avançado do que o domínio da microeletrônica. Temos bandas de transmissão de dados praticamente ilimitadas nas comunicações ópticas, mas a eletrônica não acompanhou essa evolução. A possibilidade de ter guiamento da luz na faixa de terahertz representa uma solução chave para resolver esse gargalo, o que levaria a um salto tecnológico significativo”, destacou.

De acordo com ele, a eletrônica atualmente limita a transmissão de dados nos sistemas ópticos comerciais a cerca de 40 gigabites por segundo (Gbps). Com a viabilização da faixa de terahertz, o limite passaria para algumas dezenas de terabites por segundo (Tbps), o que representaria uma melhora de até mil vezes no desempenho. “Ou seja, a capacidade dos sistemas de comunicação no mundo poderia ser multiplicada por mil”, disse.

Estudos de alto impacto

O primeiro estudo de revisão com alto impacto sobre as PCF, de acordo com Cerqueira, foi publicado em 2003 pelo próprio Russel, inventor da nova classe de fibras ópticas. “Desde então, na minha opinião, os poucos artigos de revisão publicados sobre a tecnologia não têm acompanhado o intenso ritmo das publicações e a evolução das PCF ocorrida nesses anos”, disse Cerqueira.

O estudo publicado na Report on Progress in Physics parece ter ajudado a preencher a lacuna: de acordo com os editores da revista, o artigo foi baixado pela internet 250 vezes nos primeiros 11 dias após a publicação em 21 de janeiro. De acordo com eles, apenas 10% dos artigos de todas as revistas publicadas pelo Instituto de Física (IOP, na sigla em inglês) alcançaram esse número de downloads.

Em 2008, Cerqueira foi o primeiro autor de um artigo publicado na revista Optics Letters. “Naquele estudo, utilizando a PCF híbrida proposta no meu doutorado, conseguimos, pela primeira vez, fazer uma conversão de frequência e transferência de energia entre diferentes bandgaps fotônicos”, disse.

Os experimentos foram realizados no Laboratório de Fenômenos Ultrarrápidos da Unicamp, coordenado pelo diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, autor principal do trabalho.

Em outro estudo, Cerqueira e Hugo Fragnito, diretor executivo do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de Campinas (CePOF) –, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP – conseguiram bater o recorde mundial de geração de múltiplas frequências a partir do fenômeno não-linear conhecido como multiple four-wave mixing.

“A partir de uma nova e eficiente técnica proposta por nosso grupo de pesquisa, geramos 275 ondas eletromagnéticas a partir de somente três lasers iniciais. Esse resultado também é inédito no mundo”, disse Cerqueira.

O pesquisador baiano, hoje com apenas 31 anos, formou-se em engenharia elétrica da Universidade Federal da Bahia e, em 2002, concluiu mestrado na Unicamp, na mesma área. Entre 2003 e 2006, cursou o doutorado na Escola Superior Sant'Anna de Estudos Universitários e Aperfeiçoamento, na Itália, com um período sanduíche na Universidade de Bath, na Inglaterra, centro de referência mundial em fibras PCF.

De volta ao Brasil em 2006, Cerqueira realizou um pós-doutorado na Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, com Bolsa da FAPESP. Nesse período, ministrou diversos minicursos e tutoriais sobre as PCF. Atualmente, o pesquisador tem auxílio da FAPESP no âmbito do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), coordenando um projeto voltado para o desenvolvimento de um sistema de rádio sobre fibra com antena integrada para monitoração e controle de processos.

Cerqueira é pesquisador em diversos grandes projetos apoiados pela Fundação. Teve projeto aprovado em chamada no acordo de cooperação para apoio à pesquisa na área de telecomunicações e comunicações ópticas entre FAPESP e Padtec. Também atua no Projeto da rede KyaTera, desenvolvida no Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), e no CePOF.

O CePOF e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Fotônica para Comunicações Ópticas (Fotonicom) estão sediados no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp.

Criado no início de 2009, o Fotonicom é um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) que, no Estado de São Paulo, são apoiados pela FAPESP, por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático, e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O artigo Recent progress and novel applications of photonic crystal fibers, de Arismar Cerqueira e outros, pode ser lido por assinantes da Report on Progress in Physics em http://stacks.iop.org/0034-4885/73/024401.

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Recent progress and novel applications of photonic crystal fibers

S Arismar Cerqueira Jr 2010 Rep. Prog. Phys. 73 024401 (21pp)   doi: 10.1088/0034-4885/73/2/024401 
S Arismar Cerqueira Jr
Coordenadoria de Graduação em Telecomunicações, Faculdade de Tecnologia (FT), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 13484-332, Limeira, SP, Brazil and Optics and Photonics Research Center, UNICAMP, 13083-970, Campinas-SP, Brazil
E-mail: arismar@ft.unicamp.br


Abstract. Photonic crystal fibers present a wavelength-scale periodic microstructure running along their length. Their core and two-dimensional photonic crystal might be based on varied geometries and materials, enabling light guidance due to different propagation mechanisms in an extremely large wavelength range, extending to the terahertz regions. As a result, these fibers have revolutionized the optical fiber technology by means of creating new degrees of freedom in the fiber design, fabrication and applicability. This report aims to provide a detailed statement on the recent progress and novel potential applications of photonic crystal fibers.


Print publication: Issue 2 (February 2010)
Received 9 June 2009, in final form 28 October 2009
Published 21 January 2010

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