Resfriamento luminoso

quinta-feira, outubro 06, 2011

06/10/2011

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – Um grupo internacional de pesquisadores, com participação brasileira, conseguiu pela primeira vez, utilizando um laser, resfriar um nano-objeto mecânico até o seu estado de mais baixa energia possível – a chamada energia de ponto zero.

De acordo com os autores, ao empregar a luz para colocar um sistema mecânico sólido no estado de energia de ponto zero – e no qual ele se comporta de acordo com as leis da mecânica quântica – o estudo abre caminho para o desenvolvimento de detectores de massa e força extremamente sensíveis, além de abrir perspectivas para a realização de experimentos quânticos em sistemas macroscópicos.



Grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, consegue utilizar laser para resfriar nano-objeto até estado mínimo de energia, abrindo caminho para desenvolvimento de detectores ultrassensíveis e experimentos quânticos (Nature)

O trabalho, publicado na edição desta quinta-feira (06/10) da revista Nature, foi realizado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, em colaboração com uma equipe da Universidade de Viena (Áustria).

Um dos autores é o brasileiro Thiago Alegre, atualmente professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nos últimos três anos, Alegre esteve no Caltech como pós-doutorando, depois de concluir o doutorado na Unicamp, com Bolsa da FAPESP.

Com o uso de um laser, o grupo resfriou a microcavidade de um nano-objeto até seu estado de energia de ponto zero. O feito só havia sido alcançado anteriormente em sistemas de armadilhas ópticas contendo poucos átomos.

“Usamos um recurso óptico, o laser, para resfriar um sistema mecânico sólido ao estado de mais baixa energia possível. Isso só havia sido feito com poucos átomos ou íons, mas conseguimos fazê-lo com um sistema composto por bilhões de átomos. O estudo abre caminho para realizar experimentos quânticos em sistemas macroscópicos, o que é um sonho dos cientistas há quase uma década”, disse Alegre à Agência FAPESP.

Para o experimento, os cientistas projetaram e fabricaram uma cavidade óptica nanométrica, composta de uma pequena viga feita de silício, na qual buracos da ordem de 200 nanômetros são cuidadosamente posicionados. A estrutura tem dimensões de cerca de 560 nanômetros de largura e 15 mícrons de comprimento. O mícron e o nanômetro são, respectivamente, a milionésima e a bilionésima parte do metro.

“Essa geometria forma uma cavidade óptica onde apenas uma frequência – ou cor – de um laser pode ser confinada. O sistema tem a capacidade de servir como oscilador mecânico, podendo também aprisionar fônons – as partículas associadas com oscilações mecânicas, assim como os fótons estão associados com as oscilações eletromagnéticas, ou luz”, explicou.

Por confinar em um mesmo local fótons e fônons, a pequena estrutura intensifica a interação entre vibrações mecânicas e luz. “Trata-se de um sistema optomecânico. A luz que atravessa essa cavidade, carregando informação sobre a amplitude de oscilação do sistema, ou número de fônons, pode ser associada à temperatura desse modo de oscilação”, disse Alegre.

Ao escolher cuidadosamente a frequência do laser de excitação, os pesquisadores conseguem extrair energia mecânica por meio da luz que sai da cavidade, resfriando o sistema, segundo o cientista. Com isso, criam uma interface eficiente entre um sistema óptico e um sistema mecânico onde a informação pode fluir de um para outro.

Estabelecer o “diálogo” entre o mundo mecânico e o mundo óptico tem desdobramentos científicos importantes, segundo Alegre. Em outro estudo também publicado na Nature, no início de 2011, o mesmo grupo demonstrou os efeitos do modo mecânico sobre a luz, interação que possibilita em tese a criação de memórias ópticas.

“Já no trabalho que acaba de ser publicado, demonstramos o efeito da parte óptica sobre a parte mecânica. Demonstrando a interação pelos dois lados, abrimos a possibilidade de conseguir um controle muito maior sobre ela”, afirmou Alegre.

Zero kelvin

Um dos recursos utilizados por cientistas para estudar efeitos quânticos em escala macroscópica tem sido os experimentos que utilizam a condensação de Bose-Einstein – uma fase da matéria formada por átomos em temperaturas próximas do zero absoluto.

Mas, segundo Alegre, para se trabalhar dessa maneira, o primeiro passo é levar o sistema ao estado fundamental, isto é, baixar sua temperatura global até poucas dezenas de milikelvins.

“Para chegar ao estado fundamental é preciso trabalhar com as temperaturas próximas de zero kelvin, o que é bastante complexo e caro. No nosso experimento, não baixamos a temperatura global do sistema. Trabalhamos com uma temperatura de cerca de 20 kelvin. Em vez de baixar toda a temperatura do sistema, criamos um caminho óptico para que apenas o modo vibracional chegasse próximo de zero kelvin”, explicou.

Segundo Alegre, os cientistas criaram um caminho de fuga para os fônons através da luz. “Aprisionada na cavidade óptica, a luz tenta mudar de cor toda vez que a cavidade se move, absorvendo energia mecânica do sistema, que é assim resfriado”, disse.

O artigo Laser cooling of a nanomechanical oscillator into its quantum ground state(doi:10.1038/nature10499), de Jasper Chan, Thiago Alegre e outros, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com.