A entrevista concedida à Folha de São Paulo, MAIS, 01/10/2006 por Sean Carroll, da Universidade de Wisconsin (Madison), o principal proponente da evo-devo, intitulada "Darwin foi mais do que um gênio esforçado", diz cientista americano, o autor de "Infinitas Formas de Grande Beleza" [Rio de Janeiro, Zahar, 2006, 303 págs., R$ 49,00], tentou salvar Darwin, o ilusionista.
A turma de reparos de danos # 1 da Nomenklatura científica tupiniquim, oops, a editoria de ciência da FSP, mais uma vez vem em socorro de Darwin, e comete logo de saída um erro crasso de história da ciência – chamou Darwin de 'o pai da evolução' quando a idéia transformista remonta aos pensadores gregos pagãos antigos.
Nessa entrevista, Carroll disse por que 'o pai da evolução' [sic] ainda inspira os biólogos e antecipa o futuro da disciplina da evo-devo. O beija-pé, oops, o beija-mão de Darwin é evidente, pois Carroll atribuiu os grandes vislumbres de sua disciplina a Charles Darwin. Como, se Darwin e os cientistas da época nada sabiam sobre uma nada simples célula? Eles achavam que a célula nada mais era do que um 'pedaço de gelatina', e agora ele vislumbrou a evo-devo? Darwin, o ilusionista, mesmeriza até as mentes mais brilhantes...
Creio que foi um cochilo de Carroll quando ele disse: "Há coisas que Darwin levou algum tempo para indicar e analisar. É incrível que de cem a 120 anos depois nós não conseguimos fazer nada além daquilo". Eu sou suspeito para falar, mas não posso me conter – a ciência biológica poderia ter se desenvolvido muito mais se se livrasse do transe hipnótico das especulações transformistas de Darwin.
A FSP após afirmar que os biólogos evolutivos adoram citar o último capítulo de "A Origem das Espécies": "Uma Longa Argumentação" (Ernst Mayr), e "Esta Visão da Vida" (título da coluna de Stephen Jay Gould na revista "Natural History"), perguntou qual deles influenciaram a Carroll. Gente, eu quase caí para trás – atenção meninos da galera ultradarwinista, Carroll disse francamente que leu 'muito mais Gould que Mayr'. Nota bene, Mayr é considerado 'o papa', 'o Darwin do século 20', mas Carroll leu mais a Jay Gould...
A FSP perguntou: "O sr. volta muito freqüentemente a Darwin? Ele tem ainda muito a oferecer aos biólogos hoje?" Carroll respondeu que sim e que quando alguém se 'volta e lê o trabalho original dele e [vê] o quão cheios de vislumbres coisas como "A Origem das Espécies" são'.
Não dá para resistir, mas aqui eu acho que Carroll deveria ter lido muito mais a Mayr do que Gould. Mayr disse que o pensamento de Darwin em Origem das Espécies era muito confuso, e o que o título do livro se propunha – a origem das espécies – Darwin não entregou, e o 'mistério dos mistérios' continua ainda 'misterioso'...
Realmente há coisas que Darwin levou algum tempo para indicar e analisar. Será que conseguiu? Ou ficou somente na sua retórica de exemplos imaginários e tempos de verbos no condicional? O mais incrível foi a afirmação de Carroll de que 'de cem a 120 anos depois nós não conseguimos fazer nada além daquilo', é impressionante o exagero hiperbólico de Carroll: "Meu Deus! Algumas dessas idéias são tão atuais que parecem ter sido escritas ontem"! Ao contrário do afirmado por Carroll de que Darwin 'fez mais do que simplesmente um gênio esforçado faria', no frigir dos ovos, Darwin acertou no varejo e errou no atacado.
A FSP perguntou qual seria um exemplo de um desses "insights" darwinianos, e Carroll respondeu que 'achava' [aprendi na vida acadêmica marota que quem 'acha', não sabe realmente...] que Darwin entendeu realmente que partes do corpo duplicadas têm um papel tão grande na evolução. Carroll trata disso 'em alguma extensão' no seu livro "Infinitas Formas..." [Vide resenha tipo uma no cravo, outra na espora 'Monstros promissores', por Cláudio Angelo].
Carroll disse que Darwin apontou isso, e que ninguém mais ligou para isso nos 30 ou 40 anos seguintes. Gente, quer dizer então que depois de Darwin, o pensamento científico 'congelou'? A novidade do 'insight' da evo-devo é que qualquer estrutura duplicada libera a outra estrutura para adquirir novas funções, e esse padrão é visto no reino animal. Mas será que a evo-devo salva realmente a Darwin, o ilusionista?
A FSP mencionou que Carroll diz no seu livro acima que a Moderna Síntese evolucionista [o neodarwinismo] não basta mais, e perguntou se a evo-devo vai substituí-la. Aqui entra em cena o beija-pé, oops, o beija-mão a Darwin-ídolo – Carroll respondeu que ele não considera ser isso 'uma questão de substituição, mas sim de preenchimento de uma grande lacuna'. Ah, entendi – Darwin certo mesmo em linhas tortas...
Atenção aqui para a Lógica Darwiniana 101 – Darwin não entendia bulhufas de como que as mudanças aconteciam em termos evolutivos da forma. Mesmo assim, Carroll disse que Darwin 'vislumbrou' essas coisas no Origem das Espécies. Carroll brilhantemente confuso disse que essa lacuna foi devido ao fato de que 'nós não entendíamos completamente como mudanças aconteciam em termos da evolução da forma'.
Carroll afirmou que se nós congelássemos a biologia em 1950 e perguntássemos: "a Moderna Síntese está certa"? Ele diria que sim, mas que o neodarwinismo é incompleto. Por quê? Porque 'não diz como toda a diversidade da vida se desdobrou ou como a diversidade pode ser gerada a partir de tijolos comuns'.
Como eu custo a entender cientificamente, como eu tardo a reconhecer o fato, Fato, FATO da evolução – agora eu entendi – a teoria geral da evolução não nos diz COMO [scientia qua scientia] toda a diversidade e complexidade de vida se desdobraram [evolução] nem COMO [scientia qua scientia] a diversidade e a complexidade podem ser geradas a partir de tijolos comuns, mas mesmo assim ela é incompleta e a evo-devo não irá substituí-la, apesar de 'quão impalpável era o estudo do desenvolvimento no primeiro século da biologia moderna'.
Vamos todos conjugar – os pensadores gregos pagãos antigos não entendiam, Darwin não entendia, nós não entendemos, mas mesmo assim Darwin-timoneiro já vislumbrara a evo-devo, e nós não precisamos de um novo paradigma em biologia evolutiva. Ponto final. Gente, a Lógica Darwiniana 101 é mais fácil do que o lulês [eu ando lendo muito o macaco Simão da FSP!].
A FSP perguntou se a evo-devo resolve finalmente a questão sobre como novas espécies são produzidas, que Darwin não conseguiu responder. Mas o título do livro não era Origem das Espécies??? Diplomaticamente, bing, bing, zing saída para a direita, Carroll respondeu que a 'evo-devo se dedica a responder como novas estruturas surgem' e que 'as espécies surgem por mecanismos que não são necessariamente muito importantes do ponto de vista da evo-devo'.
Alguém me ajude aqui que eu vou ter uma apoplexia epistemológica – Carroll afirmou que as espécies surgem por mecanismos que não são necessariamente muito importantes do ponto de vista da evo-devo. Gente, NOTA BENE, Carroll está afirmando que a seleção natural não é assim nenhuma Brastemp. Será que ele anda lendo este blog aqui?
Bing, bing, zing, saída diplomaticamente para a esquerda: Carroll disse que ele colocaria a formação das espécies como uma questão separada da formação de novas estruturas. E eu fiquei com uma baita interrogação: o todo é maior do que as partes, ou as partes são maiores do que o todo? O que é mais importante – a origem das espécies [o TODO] ou a formação de novas estruturas [as PARTES]??? É o paradoxo Tostines – é mais crocante porque é Tostines, ou é Tostines porque é mais crocante?
A charada darwiniana proposta por Darwin 'é como novas estruturas evoluem'. E se elas evoluem gradualmente, não deveria haver vários intermediários sem a forma totalmente funcional? Eles não deveriam estar lá no registro fóssil???
Apesar de a evo-devo nos ajudar a entender muito melhor como essas estruturas se formam e quais são as bases genéticas e de desenvolvimento para fazer coisas novas, sejam novos membros de animais ou pintas nas borboletas, se os genes controlam o desenvolvimento, e animais radicalmente diferentes têm genes de desenvolvimento semelhantes, então por que os animais [produto final] são tão diferentes?
Para iluminar a questão, seria bom a FSP 'ouvir o outro lado' e entrevistar a Giuseppe Sermonti, biólogo italiano, autor de "Why is a fly not a horse? [Por que é uma mosca e não um cavalo?, Seattle, Discovery Institute, 2005]?
A FSP perguntou 'qual é o primeiro exemplo que lhe vem à cabeça de uma questão evolutiva que a evo-devo resolveu com sucesso?', e Carroll respondeu com duas histórias [sic]: 'Há uma que eu acho mais importante e outra que é a minha favorita'. A mais importante é sobre a origem do olho, do por que há tantos tipos diferentes de olho no reino animal. Carroll disse que 'houve descobertas profundas da evo-devo sobre isso', mas não elaborou sobre a questão. Pensar que o olho causava calafrios em Darwin. Contrariando Carroll, não há na literatura especializada nenhuma pesquisa que explique passo a passo a origem e evolução do olho. O que há é muita pesquisa do tipo 'era uma vez um ponto visual que resolveu evoluir...', mas nada de scientia qua scientia. Empirica empirice tratanda [As coisas empíricas são empiricamente consideradas].
A história preferida de Carroll é sobre a sua descoberta feita em 1999 de como as borboletas ganharam suas pintas, exemplos de como genes muito velhos, que estão desde o começo do reino animal, e pasmem, aprendem novos truques. O que precisa ser explicado é: como que um organismo ancestral relativamente simples pôde adquirir todos os genes de desenvolvimento que são agora encontrados em seus diversos e complexos descendentes? Isso não é evolução, é ESTASE! Ah, agora está explicado – o Carroll lê muito mais o Gould do que o Mayr...
A FSP afirmou meia surpresa que o livro de Carroll fala muito sobre expressão de genes, mas pouco sobre seleção natural. E perguntou mais surpresa ainda – nem sempre ela é o "mestre" da evolução? O entrevistado respondeu que na escala na qual ele fala das coisas é muito grande – algo como 'a diferença entre uma cobra e uma galinha'. Carroll, porém, foi veemente, 'Não há uma explicação imediata vinda da seleção natural. Há muita coisa no meio que mudou no meio do caminho para tornar esses animais tão diferentes'. Uhm, eu pensei que a evolução era um fato, Fato, FATO!
Carroll disse que tem um livro saindo nos EUA chamado "The Making of the Fittest" ("A Construção do Mais Apto"), lidando com a seleção natural e a assinatura da seleção natural no imenso registro de DNA da vida.
A FSP, como sempre, polariza esta questão de se fazer perguntas científicas questionando a plausibilidade do fato, Fato, FATO da evolução como sendo perguntas vindo somente de 'criacionistas'. É a velha estratégia em demonizar os oponentes e desqualificá-los da arena científica. Cientistas há muito vêm dizendo que a evo-devo tem evidências sobre como o "kit de ferramentas" funciona, mas não explica como ele surgiu. Tempo é um fator primordial para que o fato, Fato, FATO da evolução ocorra. Carroll não deve se esquecer do custo-benefício que tudo isso implica, e que quanto mais tempo for adicionado, mais difícil fica para que o relojoeiro cego 'enxergue' e realize a sua obra evolutiva...
A questão Carroll e FSP, não é somente de argumentação, mas o de seguir as evidências aonde elas forem dar. (Risos)...