Enxergando além de Darwin II – James A. Shapiro

terça-feira, maio 08, 2012

Enxergando além de Darwin II – James A. Shapiro 

James Barham 

James A. Shapiro (à esquerda), um biólogo molecular na Universidade de Chicago, publicou recentemente uma obra sintética magistral que se constitui na contribuição atual mais substancial ao pensamento pós-darwinista em biologia contemporânea.(1) 

O volume em questão é intitulado Evolution: A View from the 21st Century [Evolução: uma visão do século 21] (FT Press, 2011), e é simplesmente impressionante em todos os aspectos. 

Todavia, a obra magistral de Shapiro está envolta em detalhe técnico, e por esta razão ela talvez não seja lida tão amplamente como deveria ser fora da Academia. É por isso que é tão encorajador que o Professor Shapiro decidiu publicar os insights fundamentais de sua obra em uma série de pequenos ensaios —totalizando até aqui 15 artigos— no blog de ciência do Huffington Post. 

Eu digo que eu me sinto “encorajado” pela sua decisão de fazer isso, porque a importância de trazer os insights de Shapiro e de outros para uma audiência maior dificilmente pode ser exagerada. Muitas coisas em nossa cultura depende de o publico tomar conhecimento que a teoria darwinista, como interpretada de forma padrão, está intelectualmente falida.(2) E o pouco que eu tenho encontrado comunica este fato tão bem quanto a obra de James A. Shapiro. 

Eu vou continuar, primeiro irei considerar algumas das postagens mais significantes do Professor Shapiro, e depois me reportar à sua magnum opus. 

* * * 

No seu primeiro ensaio para o Huffington Post no começo deste ano —”More Evidence on the Real Nature of Evolutionary DNA Change” (1/6/2012) [Mais evidencial sobre a natureza real da mudança evolucionária do DNA] — Shapiro inicia com um tiro disparado diretamente no alvo daquela antiga e nitidamente duradoura batalha, o darwinismo: 

“O conhecimento convencional diz que as mudanças genéticas subjacentes à evolução são acidentes aleatórios, cada um tendo uma pequena chance de fazer melhoras incrementais na aptidão. Essas ideias surgiram antes de nós conhecermos sobre o DNA. Agora que nós temos quase que 60 anos de genética molecular baseada no DNA e sequenciamento de genoma nos apoiando, surgiu um quadro diferente. 

Neste pequeno ensaio, Shapiro prossegue citando novas pesquisas destacando a natureza conservada —daí funcional— de uma grande porcentagem de regiões de DNA não codificantes em uma variedade de mamíferos. Em seguida, ele destaca que muitas dessas regiões são elementos móveis reguladores que antes tinham sido erroneamente considerados pelos darwinistas como “lixo.” Depois ele explica como tais pesquisas vindicam mais as ideias de Barbara McClintock, laureada com o prêmio Nobel – sobre a importância dos elementos genéticos móveis — trabalho pioneiro que por muito tempo foi ridicularizado pelo consenso darwinista. 

Finalmente, Shapiro salienta que tudo isso é somente a ponta do iceberg. Nas muitas postagens seguintes que ele escreveu na primavera passada, ele persegue cada um desses tópicos de modo mais aprofundado, bem como outros. Seus dois ensaios sobre McClintock (à direita) —que foi mentora e bem amiga de Shapiro— são especialmente interessantes: ”Barbara McClintock, X-Rays, and Self-Aware, Self-Healing Células” (3/8/2012), e ”Barbara McClintock, Genoma Self-Repair and Cell Cognition: A Revolutionary Vision for the Future of Biology” (3/9/2012). 

Por toda esta série excepcional de ensaios no Huff Post, Shapiro destaca a importância de um conceito importante para a compreensão da obra da vida e da evolução —”engenharia genética natural.” Enquanto os detalhes técnicos deste fenômeno possam ser proibitivos, a ideia básica é bastante simples. Em poucas palavras, a frase “engenharia genética natural” se refere à capacidade das células de “reprogramar” seus genomas quando necessário —isto quer dizer, intencionalmente— a fim de satisfazer as condições ambientais alteradas. 

Em duas de suas postagens mais técnicas na série —”Purposeful, Targeted Genetic Engineering in Immune System Evolution” (2/6/2012), e o artigo seguinte, “Your Life Depends on Immune Células Doing the “Impossible”: Purposeful, Targeted Genetic Engineering (Part II)” (4/3/2012) — Shapiro explica para uma audiência laica alguns detalhes de como este processo funciona no caso particular do sistema imunológico: 

“A sua vida depende de mudanças intencionais e direcionadas ao DNA celular. Embora o pensamento convencional afirme que as mudanças direcionadas no DNA são impossíveis, a verdade é que você não poderia sobreviver sem elas. Seu sistema imunológico precisa projetar corretamente certas sequências de DNA a fim de funcionar adequadamente... 

Como que as células com o DNA finito, e uma finita capacidade de codificação, produzam virtualmente uma infinita variedade de anticorpos? A resposta é que certas células do sistema imunológico (células B) se tornam fábricas de evolução rápida. Elas geram anticorpos com efetivamente diversidade ilimitada enquanto preservando as estruturas moleculares necessárias para interagir com outras partes do sistema imunológico. 

As células do sistema imunológico realizam tanto a diversidade e regularidade nas estruturas de anticorpos. Elas realizam isso por um processo direcionado, mas flexível de engenharia genética natural: elas cortam e emendam o DNA. (2/6) . . . 

Três coisas impressionantes sobre [tipos particulares de engenharia genética natural] são excluídas explicitamente da dominante filosofia de mudança genética. Primeira, elas são mudanças adaptativas e intencionais do genoma. Segunda, elas são funcionalmente direcionadas. Terceira, para CSR [Class switch recombination], o direcionar envolve sinais intercelulares que dependem de como outras células no sistema imunológico percebem uma infecção em particular. 

Se as células do sistema imunológico podem fazer tudo acima, há alguma razão científica que nós devemos assumir que outras células não fazer o mesmo? A reestruturação de acoplamento do DNA para a transcrição é de grande importância. Todas as células podem direcionar a transcrição para lugares funcionalmente relevantes no genoma. Dado que o sistema imunológico é como que a evolução evoluiu a evolução rápida das proteínas, nós não deveríamos considerá-lo na busca de pistas sobre os processos evolucionários básicos?” (4/3) 

É esta última afirmação, em particular —que a engenharia genética natural é significante para o nosso entendimento da evolução— que tem trazido dificuldades para Shapiro com os guardiães reacionários da ortodoxia darwinista

Aqui eu não irei entrar nos detalhes do debate que se seguiu. Será muito mais proveitoso explorar mais o que Shapiro está dizendo e por que é importante para nos ajudar a ver além de Darwin. 


De qualquer modo, o ponto principal em questão neste debate é se Shapiro está justificado em afirmar que a engenharia genética natural é “intencional.” E a principal razão por que o trabalho de Shapiro é tão importante é que ele tem a coragem de afirmar inequivocamente que é intencional: 

“Recentes postagens provocaram muitas questões sobre a minha aplicação do termo “cognitivo” para os processos celulares reguladores. Eu baseio este uso na noção de que as ações cognitivas são baseadas em conhecimento e envolvem decisões apropriadas para informação adquirida. É comum hoje para os biólogos moleculares, de células e do desenvolvimento falar de células “conhecendo” e “escolhendo” o que fazer sob diversas condições. Embora a maioria dos cientistas usando esses termos insistiria dizer que elas são apenas metáforas úteis, eu argumento aqui que nós devemos considerar essas palavras instintivas mais literalmente. A cognição celular pode muito bem revelar-se um conceito científico muito fecundo.” (3/19)


O livro de Shapiro cobre o mesmo assunto de sua série de postagens do blog, embora, é claro, que vai a muito maior profundidade —talvez até demais para o leigo. Eu tentarei aqui dizer resumidamente por que o livro é tão importante. Quem quer que tenha interesse nos detalhes técnicos pode se reportar ao livro que tem um excelente índice. 

A obra de Shapiro é importante porque ele é capaz de pensar claramente e disposto a dar nomes aos bois. 

Quanto ao primeiro ponto, ele afirma em termos inequívocos que a prevalência da engenharia genética natural falsifica a interpretação darwinista padrão de seleção natural, uma das pressuposições mais central é a aleatoriedade das mudanças genéticas. (3) 

Este é o ponto crucial com o qual Shapiro começa o seu livro: 

“A inovação, não a seleção, é a questão crítica na mudança evolucionária. Sem a variação e novidade, a seleção não tem nada sobre o que agir. Assim, este livro é dedicado a considerar as muitas maneiras que os organismos vivos mudam ativamente a si mesmos... A teoria evolucionária convencional fez da pressuposição simplificada que a novidade herdada era o resultado do acaso ou acidente... 

A necessidade percebida de rejeitar a intervenção sobrenatural, infelizmente levou os pioneiros da teoria evolucionária levantar uma distinção filosófica a priori entre os processos “cegos” de variação hereditária e todas as demais funções adaptativas. Mas a capacidade de mudar é, em si mesma, adaptativa... A capacidade de organismos vivos alterar sua própria hereditária é inegável. Nossas ideias atuais sobre a evolução têm de incorporar este fato básico da vida.” (p. 1–2)(4) 

A clarividência de Shapiro nesta passagem é correspondida somente pela sua coragem, que ele demonstra em muitas passagens que ele bem sabe serão amargamente desagradáveis para a maioria dos membros da associação profissional que ele pertence. 

Por exemplo, ele rejeita a famosa imagem da seleção natural de François Jacob como um “tinkerer” [funileiro, fuçador, curioso] Em vez disso, disse Shapiro: “…o termo engenharia parece mais apropriado para os processos de automodificação embutidos que têm operados ao longo do curso da evolução.” [ênfase original] (p. 132)


Outro exemplo: 

“Apesar de generalizados preconceitos filosóficos, hoje as células são racionalmente consideradas como funcionando teleologicamente: seus objetivos são sobrevivência, crescimento, e reprodução.” (p. 137) 

Quando um homem está até desejoso de pronunciar a temida palavra “t” — de teleologia— você sabe que ele tem coragem. 

Este exemplo é ainda melhor: 

“Se as ideias de cognição celular, tomada de decisão, e função orientada de objetivo estão dentro das perspectivas biológicas contemporâneas —e se o conceito de engenharia genética natural está sujeito a investigação empírica— nós podemos legitimamente porque a ideia tem sido resistida tão fortemente pelos biólogos importantes, e pelos evolucionistas em particular. A minha opinião pessoal é que a oposição é de natureza profundamente filosófica e se reporta às discussões do século 19 sobre a evolução, e também ao debate do início do século 20 sobre “mecanismo-vitalismo”. A noção de que processos aleatórios e não dirigidos caracterizam totalmente os sistemas naturais (como eles fazem em termodinâmica teórica) foi aceita acriticamente naqueles tempos pela maioria da comunidade biológica. Ao longo do tempo, veio a se tornar conhecimento convencional não desafiado de que processos cognitivos e dirigidos com objetivo tinham de ser relegado às esferas da fantasia não científica e da religião.” (p. 138) 

Ou mais uma vez: 

“As células e os organismos vivos são entidades cognitivas (sencientes) que agem e interagem intencionalmente a fim de garantir a sobrevivência, crescimento e proliferação. Eles possuem correspondentes capacidades sensoriais, de comunicação, de processamento de informação, e de tomada de decisão.” (p. 143) 

Ou considere esta declaração concisa, mas vigorosa do óbvio, que irá, apesar disso ficar entalada na garganta de muitos darwinistas: 

“A seleção opera como uma força purificadora, mas não criativa.” (p. 144) 

Ou a melhor afirmação —a mais incisiva e devastadora— de todas: 

“Uma das lições mais profunda das últimas seis décadas de biologia molecular das células é que todos os aspectos do funcionamento celular e da bioquímica celular estão sujeitas à regulação. Nós não temos nenhuma base científica para postular que a função do genoma e a bioquímica do DNA sejam um pouco diferentes nesse sentido. Em outras palavras, nós temos toda a razão de esperar que as funções da engenharia genética natural irão também ser sujeitas à regulação e não irão funcionar de um modo incontrolado, e existe abundante evidência experimental para apoiar esta expectativa.” (p. 69) 

Dessas citações, o leitor pode ver que Shapiro não mede palavras. Ele sabe que a visão de evolução que ele propõe é revolucionária —ela não “amplia” o relato darwinista padrão de evolução, ela o derruba completamente —e ele não tem medo de dizer isso. 

Mas o que vem a ser a “engenharia genética natural”? 

Claramente, ela não pode ser explicada pela seleção natural, porque ela é o motor de toda a variação morfológica e fisiológica, e assim seria pressuposta pelo conceito de seleção natural. Na visão de Shapiro, a seleção natural é reduzida a uma descrição superficial do processo evolucionário, e não a explicação de algo de muito interesse. 

Mas, se a seleção natural não pode explicar a engenharia genética natural, o que pode explicá-la? 

Neste ponto, Shapiro é, sem dúvida, não tão incisivo quanto se gostaria que fosse. Pode se ver por que seus oponentes —tanto Darwinistas como defensores do Design Inteligente— se tornam impacientes com ele nesta questão. Embora ele esteja bem certo em destacar os preconceitos filosóficos de seus oponentes darwinistas, em nenhum lugar ele lida com o problema filosófico que ele herda deles —isto é, como pode a teleologia e a agência inteligente ser entendidas cientificamente? 

Ele não está totalmente alheio a este problema. Mas ele tem uma tendência de levantar sua mão na direção de tais vagas noções como “sistemas” e “informação” neste momento. Por exemplo, por todo o livro ele menciona coisas assim: 

“Pensar sobre os genomas a partir de uma perspectiva da informática, é aparente que os sistemas de engenharia é uma metáfora melhor para o processo evolucionário do que a visão convencional de uma jornada aleatória baseada na seleção através de um espaço ilimitado de possíveis configurações do DNA.” (p. 6) 

Isso é bom até onde vai. Mas o problema é que as noções de “informação” e “sistemas de engenharia”, elas mesmas, estão necessitando de considerável esclarecimento.


Esta dificuldade decorre principalmente do fato de que o nosso conceito de uma coisa viva ser diferente de nosso conceito de uma coisa não viva em certos aspectos muito fundamentais. A diferença, em poucas palavras, é que nossos conceitos normativos —tais como propósito, necessidade, bem/mal, certo/errado, êxito/falha, significado, razão por que, dever, e outros mais —todos se aplicam nitidamente a coisas vivas, mas não a objetos inanimados. E nós não temos uma boa explicação porque isso é assim.

Contudo, embora Shapiro em nenhuma parte do livro lida com este problema de modo nítido e direto, nós não devemos ser muito severos com ele por esta falha.

A razão é que este livro não pretende oferecer um sistema metafísico alternativo completo em competição com o darwinismo. Antes, ele está contente em oferecer a evidencial a favor da existência da engenharia genética natural, e deixar a explicação completa deste surpreendente fenômeno para o futuro progresso da ciência.

O que é uma atitude mais humilde e cientificamente respeitável do que a postura da onisciência dogmática assumida pelos darwinistas.

Eu tenho uma proposta modesta para o Professor Shapiro.

Para seus oponentes, o jeito como ele invoca a “engenharia genética natural” vai cheirar a “vitalismo,” embora ele mesmo veja como um fato nítido, empiricamente fundamentado. Ele poderia avançar mais para satisfazer seus oponentes fazendo explícita a seguinte distinção:

“Vitalismo” tem dois significados muito diferentes: Pode significar que a vida difere de não vida de modos fundamentais —sem mais especificação do que consiste a diferença, deixando aberta a possibilidade de investigação científica sobre a natureza da diferença. Ou pode significar a afirmação dogmática de que a ciência é, em princípio, impotente para pesquisar a diferença, e sempre permanecerá assim.

Shapiro deve deixar claro que ele defende uma forma científica de vitalismo —que assume que a ciência eventualmente irá progredir sobre o problema do que faz a vida ser essencialmente diferente de não vida —e que ele rejeita resolutamente a forma anticientífica da doutrina.

O mero fato de que ele mesmo faz pouco para nos dirigir para um entendimento mais profundo do caráter distintivo da vida não é uma objeção razoável de sua obra.

Não é necessário dizer o que está certo a fim de demonstrar que algo está nitidamente errado. Portanto, o professor Shapiro não pode ser legitimamente solicitado a explicar como que o darwinismo será substituído, a fim de demonstrar que o darwinismo como nós temos conhecido, está radicalmente defeituoso e deve ser abandonado.

De qualquer modo, outros cientistas estão trabalhando com este mesmo problema, como nós veremos nas futuras postagens desta série.

__________________

(1) Este é o segundo de uma série continua sobre a teoria pós-darwinista em biologia contemporânea. A Parte I identificou a metáfora da máquina como obsoleta, e a noção de “agência inteligente” como subjacente no cerne das tentativas de construir uma fundação teórica mais adequada para a biologia. Esta postagem e as subsequentes irão examinar apenas o que está envolvido nesses esforços.

(2) Um pequeno exemplo: Um recente ensaio importante por Charles Murray (“Out of the Wilderness,” New Criterion, 2012, May, 30[9], 32–40) http://www.newcriterion.com/articles.cfm/Future-tense--IX--Out-of-the-wilderness-7357 , que analisa as razões para o declínio das artes em nosso tempo, é seriamente marcada pela obediência irrefletida ao neodarwinismo. O ensaio perspicaz de Murray sofre grandemente porque ele não percebe que o pensamento darwinista está na raiz das tendências culturais que ele deplora, e enxergar além de Darwin em biologia é um pré-requisito para a renovação da cultura nos moldes das linhas neo-aristotélicas que ele defende.

(3) A gradação delas é outro ponto. Shapiro também aborda este ponto na Parte III de seu livro, onde ele enumera as muitas linhas de evidência apontando para transições rápidas e reorganizações genéticas completas como as maneiras habituais de mudança evolucionária significante.

(4) Esta e todas as citações subsequentes citadas acima são do livro de Shapiro, Evolution: A View from the 21st Century.


******


VIDE TAMBÉM: Enxergando além de Darwin I: a metáfora da máquina.


+++++

NOTA DESTE BLOGGER:

Este artigo está foi traduzido para o português, para a alegria de nossos leitores leigos e para a raiva bufante dos GDRs [guardiães darwinistas reacionários] da Nomenklatura científica!!!