"Feynman": uma biografia diferente de um cientista incomum

terça-feira, fevereiro 07, 2012

JC e-mail 4431, de 06 de Fevereiro de 2012.


Livro conta em quadrinhos a história da vida do físico americano.

"Se este é o homem mais inteligente do mundo, que Deus nos ajude". A frase, dita por sua própria mãe, Lucille, resume bem quem foi o físico americano Richard Feynman. Gênio iconoclasta, ele recebeu o título quando concedeu entrevista à revista "Omni", dedica à ciência e à ficção científica, em 1979, quase 15 anos depois de ganhar o Prêmio Nobel de Física de 1965 e dez antes de sua morte, em 1988.

Com uma trajetória acadêmica e de vida incomuns, o físico acaba de ganhar uma biografia diferente à sua altura. Escrito por Jim Ottaviani e desenhado por Leland Myrick, o livro da editora "First Second Books" - intitulado apenas "Feynman" e ainda sem previsão de publicação no Brasil -, conta em formato de quadrinhos algumas das principais passagens de sua trajetória pessoal e profissional, como a participação no Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica; suas visitas ao Brasil, onde passou longos períodos sabáticos e até tocou na bateria de um bloco carnavalesco de Copacabana; e seu importante papel no comitê que investigou o acidente com o ônibus espacial Challenger, em 1986.

Formado em engenharia nuclear, Ottaviani conta que cruzou com Feynman e vários outros nomes emblemáticos da ciência, como Einstein, Bohr, Heisenberg e Schroedinger, enquanto estudava e trabalhava, mas eles frequentemente estavam associados a equações complexas.

"Comecei a imaginar quem foram essas pessoas e resolvi saber mais sobre suas vidas, descobrindo que eram pessoas muito interessantes", diz ele, que já escreveu outros roteiros de quadrinhos tendo a ciência como tema. "Ao mesmo tempo, eu era um leitor de quadrinhos. Quando percebi que esses cientistas dariam ótimos personagens de HQs e que ninguém mais faria isso se eu não fizesse, comecei a escrever e não parei desde então."

Ottaviani lembra que Feynman era um cientista muito visual que teve uma vida muito movimentada, o que facilitou adaptar sua história para os quadrinhos. Uma das suas principais contribuições para a ciência são os chamados "diagramas de Feynman", que mostram por meio de desenhos as complicadas interações de partículas da eletrodinâmica quântica, campo de pesquisas que lhe deu fama.

"Era fácil imaginar o que Feynman faria em uma determinada situação", conta. "Por outro lado, havia tantas situações em que ele podia ser mostrado que as coisas começaram a ficar difíceis. O que incluir? O que deixar de fora? Ele deixou tantas anedotas e histórias para um biógrafo escolher que tivemos que excluir muita coisa. No fim, nosso critério foi ver se determinado incidente fazia a história andar para frente ou era apenas divertido. O avanço da história sempre venceu, mas cada passagem que tivemos que cortar partia um pouco meu coração."


Segundo Ottaviani, a escolha de usar a linguagem dos quadrinhos em livros de divulgação científica não atrai necessariamente um público mais jovem, mas com certeza alcança pessoas que, de outra forma, não se interessariam pelo assunto.

"Os quadrinhos podem e alcançam um novo público que, por exemplo, não escolheria ler uma biografia ou um livro tradicional sem ilustrações", acredita. "Além disso, os cientistas se comunicam com imagens o tempo todo, mesmo quando estão apenas falando uns com os outros. Assim, usar os quadrinhos fazia sentido para mim."

E foi graças a essa natureza eminentemente visual do trabalho científico de Feynman que Ottaviani e Myrick creem ter conseguido dar aos leitores uma boa noção do que é a eletrodinâmica quântica que ele estudava.

"Com certeza é difícil explicar um assunto tão complexo para uma pessoa leiga, e, embora as duas partes sobre a eletrodinâmica quântica constituam apenas uma pequena parte do livro, creio terem sido as que dediquei mais tempo", lembra Ottaviani. "Parafraseando Einstein, precisávamos a física o mais simples possível, mas não simples demais. Tive sorte de ter as próprias e populares palestras de Feynman para trabalhar como base, já que a ideia era descrever a eletrodinâmica quântica da maneira como ele fazia, mas desta vez com quadrinhos. Se fui bem-sucedido? Espero que sim. Vários físicos comentaram favoravelmente, então estou feliz."

Tanto Ottaviani quanto Myrick nunca estiveram no Brasil. Por isso, eles contam que tiveram que se basear em pesquisas na internet, livros de viagem, os relatos do próprio Feynman e outras fontes para escrever e desenhar sobre o país. Ambos confessam, no entanto, que isso fez crescer a vontade de viajarem para conhecer o Brasil.

"Como o Brasil é um lugar tão bonito e seu carnaval é tão famoso, eu tinha uma abundância de referências para basear minhas ilustrações", conta Myrick. "Desenhar esta parte do livro me fez querer tirar meu próprio período sabático e me juntar a uma escola de samba. Infelizmente, porém, meu talento musical é ainda menor do que o pouco que Feynman tinha."

Os autores também creditam à força do personagem que é Feynman o sucesso do livro, que entrou para a lista dos mais vendidos do "New York Times". Os dois pretendem usar isso para alavancar seus novos projetos. Atualmente, Ottaviani se dedica a dois novos roteiros. O primeiro e já quase pronto é sobre a vida e as pesquisas das primatologistas Jane Goodall, Dian Fossey, Birute Galdikas e Louis Leakey.

"Já a outra história é quase o mais diferente o possível de "Feynman" e do livro sobre as primatologistas", revela Ottaviani. "Ele vai contar a história de Alan Turing, o matemático responsável pela moderna ciência da computação que foi fundamental para a quebra do formidável código Enigma usado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Ele era uma pessoa incrível, mas a história da sua vida é trágica."

Myrick, por sua vez, vai voltar a se dedicar às "graphic novels" tradicionais e está empolgado com uma ambientada na Roma Antiga, além de ter começado a escrever histórias de fantasia. "Feynman foi uma experiência única para mim", conta. "Foi o primeiro livro que desenhei em cima do roteiro de outra pessoa, então não podia tomar decisões editoriais no caminho como faço quando estou ilustrando minhas próprias histórias. Mas foi uma limitação fascinante que creio ter me enriquecido como artista. Jim é um escritor muito talentoso, então muitas das imagens já estavam na minha cabeça a medida que eu lia o roteiro e trabalhava nelas no mesmo dia."

A ciência de Feynman - Richard Feynman ganhou o Prêmio Nobel de Física em 1965 por seu trabalho sobre a eletrodinâmica quântica (QED, na sigla em inglês). A teoria descreve como luz e matéria interagem e foi a primeira a unificar com sucesso a mecânica quântica e a relatividade espacial, fornecendo previsões acuradas sobre o comportamento de partículas eletricamente carregadas e como elas mediam suas interações por meio de fótons.

A obra de Feynman sobre a QED pode ser dividida em dois elementos principais. A primeira é essencialmente matemática e traz fórmulas de cálculo integral da mecânica quântica. Já a segunda é composta pelos seus famosos diagramas, destacados pelo comitê do Nobel quando de sua premiação.

Conhecidos como "diagramas de Feynman", os desenhos ajudam a conceituar e calcular as interações de partículas no espaço-tempo, notadamente entre elétrons e seus contrapartes de antimatéria, os pósitrons. Os diagramas permitiram a Feynman e outros cientistas abordarem a reversibilidade do tempo e outras questões fundamentais da física moderna.

Hoje, os diagramas de Feynman são considerados essenciais na formulação da "teoria das cordas" e da "teoria-M", tentativas de atingir uma chamada "teoria de tudo" que finalmente consiga unificar as previsões da mecânica quântica e da relatividade para todas as quatro forças fundamentais do Universo - nuclear forte, nuclear fraca, eletromagnetismo e gravidade -, e assim descrevendo-o com sucesso desde a escala subatômica à cósmica.

Aos que mostravam seu estranhamento frente às teorias física moderna, Feynman tinha uma resposta pronta e carregada com seu conhecido bom humor: "A Natureza é mesmo absurda. Não gostou? Então vai catar outro Universo!".

(O Globo - 3/2) 

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NOTA DESTE BLOGGER:

Diante da arrogância vista atualmente em muitos cientistas da Nomenklatura científica, a frase que eu mais gosto de Feynman é esta que ele dirigiu diretamente para cientistas:

"O primeiro princípio é você não deve enganar a si mesmo - e você é a pessoa mais fácil de ser enganada". Richard Feynman, Discurso na Caltech, formatura de 1974, Educador americano & físico (1918 - 1988)

"The first principle is that you must not fool yourself - and you are the easiest person to fool". Richard Feynman, Caltech commencement address, 1974, US educator & physicist (1918 - 1988)