Uma nova história evolutiva das aves
Análise de várias seqüências de DNA de 169 espécies redesenha árvore filogenética do grupo
Um grande estudo genético sobre as aves acaba de reescrever a história evolutiva desse grupo e revela parentescos surpreendentes. A análise de diversas seqüências de DNA de 169 espécies de aves vivas, conduzida por pesquisadores norte-americanos, confirma a idéia de que esses animais tiveram uma trajetória evolutiva complexa, mas contesta classificações existentes e altera o atual entendimento da evolução.
Elaborar a árvore evolutiva das aves tem sido uma tarefa difícil e controversa para os especialistas. As espécies modernas surgiram relativamente rápido, entre 65 e 100 milhões de anos atrás. Como resultado dessa divergência veloz e precoce, muitos grupos de aves aparentemente similares (como corujas, papagaios e pombos) têm poucas formas intermediárias – às vezes, nenhuma – que os associem a outros grupos de aves.
O novo estudo, publicado na Science desta semana, usa uma abordagem inédita para traçar a história evolutiva das aves. Durante mais de cinco anos, os pesquisadores analisaram mais de 32 mil bases de cromossomos, genes e porções não-codificadoras espalhados por 19 pontos diferentes do genoma de 169 espécies de aves dos principais grupos existentes.
Segundo os autores, foram examinados cerca de cinco vezes mais dados genéticos do que em qualquer estudo anterior. “Esse é o primeiro estudo filogenômico de aves, pois se baseia em uma grande quantidade de dados genéticos e um grande número de genes, o que reflete amplamente o genoma das espécies”, diz à CH On-line uma das autoras da pesquisa, Rebecca Kimball, da Universidade da Flórida (Estados Unidos).
A análise genética confirmou estudos morfológicos e moleculares anteriores, que apontavam uma primeira ramificação na árvore evolutiva das aves, ocupada por um grupo que inclui avestruzes e emas e algumas espécies com aparência galinácea. Em seguida, galinhas, patos e seus parentes se separaram do tronco principal. As aves restantes integram o grupo das Neoaves, representado por 95% das espécies existentes. Para esse grupo, o novo estudo encontrou divisões profundas, diferentemente de outras pesquisas.
Árvore redesenhada
A estrutura da nova árvore sugere que as espécies podem ser agrupadas, de forma mais ampla, em grupos de aves aquáticas, litorâneas e terrestres. Mas as adaptações a esses diferentes ambientes teriam surgido em vários momentos ao longo da história evolutiva. Um exemplo disso é que os flamingos e outras aves aquáticas não evoluíram de espécies da família Anatidae (como os patos), adaptadas evolutivamente para nadar, flutuar e mergulhar.
O estudo também levanta questões sobre a evolução do vôo, pois algumas aves que não voam são agrupadas com outras que têm essa habilidade. Para os cientistas, isso sugere que a capacidade de voar foi perdida separadamente em muitas espécies ou que surgiu mais de uma vez independentemente – e não uma vez em um ancestral do grupo.
Os dados genéticos revelaram ainda que modos de vida distintos, como o noturno (das corujas, por exemplo), o de rapina (de falcões, gaviões, águias etc.) e o oceânico (de fragatas, entre outros), também surgiram em diversos momentos da história evolutiva das aves. Os beija-flores, por exemplo, com seus hábitos diurnos e cores vivas, evoluíram de aves amarronzadas e noturnas conhecidas como bacurau no Brasil. Já os falcões, ao contrário do que se supõe, não são parentes próximos de gaviões e águias.
Os resultados mostram que, em muitos casos, um velho ditado popular também pode ser aplicado à aves: as aparências enganam. “Pássaros que se parecem ou agem de forma similar não estão necessariamente relacionados”, diz em comunicado à imprensa a co-autora da pesquisa Sushma Reddy, do Museu de Campo de História Natural, em Chicago (Estados Unidos).
O contrário também acontece. Várias aves que parecem muito diferentes, como pica-paus, falcões e corujas, são parentes próximos dos passerídeos, grupo que representa mais da metade de todas as espécies vivas e reúne aves geralmente pequenas e que cantam. “A descoberta mais surpreendente é que os passerídeos são mais intimamente relacionados aos papagaios”, conta Kimball. Esses novos parentescos devem mudar o entendimento científico sobre esse grupo.
“Nossas conclusões desafiam as classificações e alteram nosso entendimento da evolução de características”, destacam os autores no artigo. Segundo Kimball, cerca de 1/3 das classificações existentes diferem das da análise filogenômica.
Mas os pesquisadores ressaltam que ainda há muitas questões a serem respondidas na história evolutiva das aves. Eles pretendem agora coletar mais dados para tentar preencher essas lacunas e confirmar suas conclusões, além de ampliar o número de espécies estudadas.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
26/06/2008