Resenha de Richard Kirk
Livro: The God Delusion, Houghton Mifflin, 416 p., US$ 27,00
Autor: Richard Dawkins
Publicada: 08/12/2006 12:07:28 AM
Fonte: The American Spectator
Tradução e publicação neste blog autorizada pelo autor e a revista The American Spectator.
"Sublimemente não tendencioso", esta é a frase que eu sempre atribuí a Alfred North Whitehead – um homem que começou a sua carreira acadêmica como matemático na Universidade de Cambridge colaborando com Bertrand Russell e encerrando a sua carreira como filósofo e metafísico na Universidade Harvard. Você pode contar com duas coisas ao ler Whitehead. Em primeiro lugar, ele considerará a totalidade da situação. Em segundo, ele dará generosamente a todos os atores históricos o crédito que lhes é devido. Eu saliento estes dois pontos para contrastar o modus operandi de Whitehead com o tiroteio banal a esmo que permeia o livro The God Delusion [A Ilusão de Deus – a ser publicado pela Companhia das Letras em 2007] de Richard Dawkins (Houghton Mifflin, 416 páginas, US$27,00).
Eis aqui uma amostra tirada de Whitehead: Science and the Modern World [A ciência e o mundo moderno] – um texto extraordinariamente perspicaz baseado nas Palestras Lowell de 1925:
"A Reforma e o movimento científico foram dois aspectos da revolta [histórica] que foi o movimento intelectual dominante da última parte da Renascença. O apelo para as origens do cristianismo, e o apelo de Francis Bacon para causas eficientes comparando-as com causas finais, foram dois lados de um movimento de pensamento".
e novamente:
"Eu não acho... que eu já tenha destacado a maior contribuição do medievo para a formação do movimento científico. Eu quero dizer a crença inexpugnável de que cada ocorrência detalhada pode ser correlacionada com seus antecedentes numa maneira perfeitamente definida, exemplificando princípios gerais. Sem esta crença, as incríveis obras dos cientistas estariam sem esperança... A minha explicação de que a fé na possibilidade da ciência, gerou antecedentemente ao desenvolvimento da teoria científica moderna, é uma derivação inconsciente da teologia medieval.
Simplificando, a Reforma e a ciência moderna surgiram de um "movimento de pensamento" que, no caso da ciência, se rebelou contra as causas finais. Mas, ironicamente, a confiança que a ciência moderna mostra no seu projeto intelectual se apóia numa fé inconsciente na racionalidade detalhada do universo que foi derivada da teologia medieval".
Não procure por nada assim desse tipo de análise sutil no livro The God Delusion [A ilusão de Deus]. Antes, o que você encontrará é página sarcástica após página sarcástica de ataques contra qualquer inimigo que Dawkins considera como alvo fácil: Pat Robertson, Pastor Ted Haggard, Ann Coulter, uma pequena escola fundamentalista do noroeste da Inglaterra (são dedicadas 7 das 374 páginas do livro de Dawkins), Pastor Fred "Deus odeia os Gays" Phelps, Dr. James Dobson, e, é claro, G. W. Bush – que supostamente invadiu o Iraque porque foi informado por Deus para fazê-lo. Até o pobre do Carl Jung é transformado num bobalhão por Dawkins por acreditar "que livros particulares explodiram espontaneamente na sua estante". (Eu tenho várias obras escritas pelo protegido infiel de Freud e ainda estou por encontrar o conceito de combustão espontânea de livro. Dawkins, contudo, como no comentário sobre o presidente Bush e o Iraque, nem se incomoda em fornecer referências para essas afirmações).
No que diz respeito a magnanimidade, eis uma amostra da generosidade do autor: "Para ser justo, muito da Bíblia não é sistematicamente mal, mas simplesmente esquisito". Este comentário mostra o desdém que Dawkins mostra consistentemente por idéias que não se conformam com as suas – um biocredo que inclui as seguintes afirmações: a vida surgiu na Terra devido à interação aleatória de elementos materiais; a vida evoluiu de suas formas primitivas até a sua atual complexidade por causa da seleção natural; nenhum deus é necessário para entender esse fenômeno (ou qualquer outro).
Na verdade, todo o livro de Dawkins é um exercício em desdenhar – resumidamente desconsidera os argumentos teológicos de Tomas de Aquino e devota menos do que 100 páginas joviais para toda a questão da existência de Deus. O resto do livro de Dawkins discute – com o olho pessimista de um H. L. Mencken em roupagem biológica – como que as crenças religiosas recebem uma deferência social indevida, por que as referências de Einstein sobre Deus não são religiosas, por que as religiões orientais não são religiões, por que a religião se desenvolveu (socio-biologicamente), como que a Bíblia é um amontoado de lixo histórico, como que a religião promove a intolerância e sabota a ciência, como que Hitler pode ter sido um católico, por que o ateísmo de Stalin não importa, por que a sociedade não precisa da religião para ser moral, por que Jefferson provavelmente era ateu (as declarações não mencionando a Deus no Jefferson Memorial apesar do contrário), por que estudar a religião para compreender citações literárias está certo, e por que os pais doutrinando seus filhos com crenças religião são culpados de abuso infantil. (A profundidade do pensamento político de Dawkins é mostrada pela sua falha em ponderar por um segundo sobre as implicações de um governo que pode dizer aos pais quais crenças que eles podem ou não transmitir para os seus filhos).
MUITO LONGE DE SER UM LIVRO FILOSÓFICO SÉRIO [sic], esta diatribe mal editada e loquaz contém quase tudo que passa pela mente do autor – inclusive várias citações daquele autor popular, ateu e aluno de pós-graduação, Sam Harris. O que ninguém encontrará no livro The God Delusion [A ilusão de Deus] é a curiosidade séria sobre a natureza essencial do universo. As bilhões de bilhões de estrelas e galáxias que Carl Sagan invocou com admiração quase mística, tornam-se para Dawkins, uma mera premissa para a sua presunção teórica de as interações aleatórias poderiam ter produzido o fenômeno da vida na Terra. (Com tantos planetas, teria de ter acontecido em algum lugar!) Não importa o fato de que os cientistas dotados com aquela misteriosa característica química chamada de consciência, não podem, com intenção proposital, replicar aquele acidente vital. E não importa se aqueles cientistas como o teórico do DNA, Francis Crick, ficaram tão intrigados pela complexidade das formas de vida primitivas que eles se entreteceram com uma hipótese de panspermia, segundo a qual alienígenas espaciais trouxeram sementes de vida para a Terra. E finalmente não importa a confissão embaraçosa sobre o registro fóssil pelo falecido biólogo [sic Gould era paleontólogo] da Universidade Harvard, Stephen Jay Gould, que "a maioria das espécies exibe nenhuma mudança direcional durante a sua existência na Terra" e que em qualquer área local, "uma espécie não surge gradualmente pela transformação contínua de seus ancestrais; ela surge de uma vez e plenamente formada".
O tratamento de Dawkins daquele gênio matemático e filósofo do século XVII, Blaise Pascal, é típico de sua abordagem geral. Dawkins aproveita-se do argumento mais fraco de Pascal, a aposta, e ridiculariza as suas falhas óbvias. Ignoradas são as passagens bem conhecidas que fundamentam a fé (freqüentemente vacilante) de Pascal na inadequação da mente humana em lidar com a enormidade do universo – tanto o infinitamente grande como o infinitamente pequeno. Nas palavras de Pascal, "Todo o mundo visível é somente um átomo imperceptível no amplo seio da natureza. Nenhuma idéia aproxima-se disso. Nós podemos aumentar as nossas concepções além de todo o espaço imaginável; nós somente produzimos átomos em comparação com a realidade das coisas. É uma esfera infinita, o centro da qual está em todo o lugar, a circunferência em nenhum lugar. Resumindo, é a maior marca sensível do poder todo-poderoso de Deus de que a imaginação se perca naquele pensamento".
Tivesse Dawkins se importado em citar esta afirmação, sem dúvida que ele a teria contra-atacado com respostas que se repetem por todo o seu livro. Primeiro, a admiração que Pascal discute não tem nada a ver com a religião. Antes, é o tipo de admiração ateísta que é típica em cientistas como Einstein. Segundo, este argumento "Deus das lacunas" simplesmente preenche as lacunas de nossa ignorância com um conceito destruidor e que impede a curiosidade. Terceiro – e este é o argumento favorito de Dawkins – a complexidade de um Deus que criou o mundo exige explicação. Colocado de modo simples: Quem fez Deus?
Humildade respeitável diante dos universos (possivelmente paralelos) difíceis de imaginar é uma emoção estranha a Dawkins – embora o pugilista acadêmico admita sentir-se muito sortudo. Quanto ao argumento "Quem fez Deus?", esta réplica incisiva (convincente para qualquer calouro universitário cético que não leu Aristóteles ou Kant) ignora o fato que explicações filosóficas, como Wittgenstein e outros destacaram, têm que terminar em algum lugar. A questão real é se a explicação de alguém termina com um cosmo sem significado ou com um ser que fornece uma razão para as coisas. Dawkins, sem mais cerimônias, presume que a alternativa anterior é a única escolha racional. Desta maneira, ela dá tácita expressão ao ponto de vista que Whitehead criticou há uns 80 anos atrás:
"Persiste... por todo o período [moderno] que a cosmologia científica fixa que pressupõe o fato final de uma matéria bruta irredutível, ou material, espalhada através do espaço num fluxo de configurações. Em si mesmo, tal material é insensível, não tem valor e nem propósito. Faz apenas o que é para fazer, seguindo uma rotina fixa imposta por relações externas que não se originam da natureza do seu ser. É esta suposição que eu chamo de "materialismo científico". Além disso, é uma suposição que eu contestarei como sendo inteiramente inadequada para a situação científica na qual nós chegamos agora".
Whitehead continua mostrando não ser tendencioso conforme me referi previamente,
"Ele [o materialismo científico] não é errado, se adequadamente construído. Se nós nos limitarmos a certos tipos de fatos, abstraídos das circunstâncias completas nas quais eles ocorrem, a suposição materialista expressa esses fatos à perfeição. Mas quando passa além da abstração, ou pelo emprego mais sutil de nossos sentidos, ou pela exigência de significados e pela coerência de pensamentos, o esquema desmonta de uma vez".
Em outras palavras, assim que nós procurarmos uma base racional para o desenvolvimento complexo, autoconsciente, estético, moralidade, e o universo em si, os fatos brutos de Dawkins (que no mundo da física quântica não são nem brutos ou fatos) parecem extremamente pouco convincente. Este pouco convencimento, eu devo acrescentar, comporta-se muito bem com o sistema ético baseado no prazer ao qual Dawkins apela sem nenhum rigor particular.
Na totalidade, a "filosofia" de Dawkins nada mais é do que esta observação chistosa não intencional pelo Dr. Edward Tryon que foi citado num livro Time-Life sobre cosmologia, "O nosso universo é simplesmente uma daquelas coisas que acontecem de vez em quando". Essa é a razão de acordo com Dawkins – um homem cujas observações culturais e filosóficas são previsivelmente au courant, consistentemente dogmáticas, e amplamente não ponderadas. Ele é o não-Whitehead, um homem que nunca (exceto a intervenção divina) aprecia este comentário sublime pelo meu mentor filosófico: "No estudo das idéias, é necessário lembrar que a insistência na clareza prática se origina de uma sensação sentimental, como se fosse uma neblina, disfarçando as perplexidades do fato. A insistência na clareza a todo custo é baseada na simples superstição quanto ao modo no qual a inteligência funciona. Os nossos raciocínios tentam agarrar palhas por premissas e flutuam em teias de aranhas por deduções".
Richard Kirk é um escritor free-lance que reside em Oceanside, Califórnia. Ele é colunista no jornal North County de San Diego, e suas resenhas também têm sido publicadas no American Enterprise, First Things, Touchstone, e no website California Republic. Vide o seu blog, Richard Kirk on Ethics: Musing With A Hammer [Richard Kirk sobre Ética: Refletindo com um Martelo.