Com a evolução não se brinca
Por Diogo Meyer, professor do Instituto de Biociências da USP
Post category:Artigos
Post published:22/03/2021
Diogo Meyer – Foto: Genevol Lab
O material genético do coronavírus que hoje circula pelo mundo causando a covid tem várias diferenças em relação àquele que começou a se espalhar no final de 2019. Essa transformação resulta de mutações, que são erros que ocorrem quando o material genético é copiado. Algumas das mutações que surgiram se tornaram comuns. As linhagens do coronavírus, como a P.1, que se torna cada vez mais comum no Brasil, são definidas pela combinação de mutações que acumularam. A mudança na composição genética de uma espécie ao longo do tempo é uma forma de definir a evolução. Assim como outros seres vivos, o vírus evolui.
Há dois principais processos que explicam por que uma mutação no vírus pode se tornar comum, com o passar do tempo. Um deles é o acaso. Se uma mutação não altera de modo importante o funcionamento do vírus, ela pode tornar-se comum ou sumir por mero acaso, num processo chamado de deriva genética. Por outro lado, há mutações que se tornam comuns pois trazem alguma vantagem. É o caso da mutação D614G, presente numa linhagem do coronavírus chamada B.1, e que altera um aminoácido da proteína que o vírus usa para entrar em células humanas, tornando-o mais infeccioso. Nesse caso, estamos diante de uma mudança que resulta da ação da seleção natural.
Vírus em geral, e com o coronavírus não é diferente, sofrem seleção natural constantemente. A seleção explica o aumento de frequência de mutações que os tornam capazes de resistir a drogas antivirais, de resistir a anticorpos gerados pela imunidade natural e à imunidade induzida pela vacina, ou de apresentar maior potencial de infecção. Os vírus evoluem, e a evolução por seleção natural torna-os capazes de burlar nossas defesas. Ainda não sabemos quais das novas variantes foram selecionadas, mas há indícios de que algumas delas aumentem a transmissão e algumas reduzam a eficácia dos anticorpos geradas pela exposição às formas mais antigas do vírus.
Antivirais e vacinas exercem uma pressão seletiva sobre os vírus, favorecendo a disseminação de formas resistentes. Pode então parecer que há algo indesejável no uso de antivirais e vacinas, pois eles são agentes de mudança evolutiva indesejável. Mas analisando com atenção como antivirais e vacinas podem mitigar epidemias, e pensando sobre a forma ideal de usá-los, vemos que o risco de selecionarmos formas resistentes é algo que pode ser minimizado, como explico agora.
As mutações acontecem quando o material genético do vírus é copiado. O vírus não é capaz de ativamente “escolher” uma mutação que lhe seja vantajosa; dentre as milhares que ocorrem, ocasionalmente haverá aquelas que lhe conferem uma vantagem. O surgimento de uma mutação vantajosa é, portanto, como “ganhar na loteria”, um evento muito improvável. Porém, considere o que acontece quando o vírus se disseminou extensamente numa população, havendo muitas pessoas infectadas e altas taxas de transmissão. Nesse caso, haverá um número grande de vírus tendo seu material genético copiado: são milhares de bilhetes lotéricos sendo vendidos, o que aumenta a chance de que entre eles surgirá uma variante que confere vantagem ao vírus.
Repare então que entramos num ciclo perigoso: a maior proliferação do vírus implica o surgimento de mais mutações, o que por sua vez aumenta as chances de que entre elas haverá uma variante que torna o vírus mais infeccioso, ou mais resistente a tratamentos (digamos, por antivirais) ou à prevenção (por exemplo, usando vacinas). Controlar a disseminação do vírus – por isolamento físico, pela vacinação extensa e rápida— irá reduzir o número de cópias de vírus circulando, encurralando o vírus, no sentido de diminuir seus números a ponto de tornar mais improvável que sejam originadas, por mutação, formas resistentes. À luz desse raciocínio, não é surpreendente que algumas das variantes que mais nos preocupam tenham se originado em países com grandes números de pessoas infectadas (Espanha, Reino Unido, África do Sul, Brasil).
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NOTA CÁUSTICA DESTE BLOGGER:
Darwin foi contra o uso de vacinas, pois isso faria com que os indesejáveis da sociedade continuassem vivendo e se reproduzindo:
utmost to check the process of elimination; we build asylums for the imbecile, the maimed, and the sick; we institute poor-laws; and our medical men exert their utmost skill to save the life of every one to the last moment. There is reason to believe that vaccination has preserved thousands, who from a weak constitution would formerly have succumbed to small-pox. Thus the weak members of civilized societies propagate their kind. No one who has attended to the breeding of domestic animals will doubt that this must be highly injurious to the race of man. It is surprising how soon a want of care, or care wrongly directed, leads to the degeneration of a domestic race; but excepting in the case of man himself, hardly any one is so ignorant as to allow his worst animals to breed.
in The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex (London: John Murray, 1871), p. 168.
PANO RÁPIDO!!!