O novo ‘elo perdido’ não é assim nenhuma Brastemp de forma intermediária

sexta-feira, abril 07, 2006

Morei nos Estados Unidos na década de 80 do Século 20 (o tempo é cruel!) e havia uma propaganda na televisão de um remédio: “How do you spell Relief?” (Como que você soletra alívio?). “Relief” era o nome do remédio. Entrou no jargão lingüístico americano para explicar uma situação difícil e como sair dela faceiramente.

Com o anúncio bombástico na Grande Mídia internacional, os evolucionistas já elegeram este suposto ‘elo intermediário’ como o novo ícone da evolução. “How do you spell relief? T-I-K-T-A-A-L-I-K”. Justamente agora quando grandes dificuldades epistêmicas na teoria geral da evolução são destacadas o anúncio deste ‘elo perdido’ vem aliviar um pouco esta tensão de desconforto entre a Nomenklatura e para ‘ensinar’ os leigos o que eles precisam saber sobre o FATO da evolução. Mas o que um ‘elo perdido’ encontrado não faz não é mesmo? RELIEF! Ooops, TIKTAALIK! Não pude resistir, mas Tiktaalik soa quase como Titanic. Que falta de perspicácia!

A descoberta é de Neil Shubin (U. of Chicago) e de dois colegas de um “fóssil de peixe tipo tetrápode” numa ilha do Canadá. O que isso significa? Peencheria a mais intrigante das transições do registro fóssil, e resgataria uma antiga e amarelecida nota promissória epistêmica de Darwin de quase 150 anos: a evolução de um peixe em um animal terrestre.

A Grande Mídia, como sempre, atrelada à Nomenklatura científica, reportou com grande estardalhaço esta descoberta já comparada de grande importância como o Archaeopteryx. Pronto, isso significa dizer agora que todos os críticos da teoria geral da evolução (mesmos os científicos) devem enfiar seus rabos epistêmicos entre as pernas, saírem de cena porque mais uma vez “os meninos de Darwin” venceram.

Para quem vinha afirmando desde 1859 que o registro fóssil era um testemunho contra as especulações transformistas de Darwin, eis aqui um ‘cala a boca’, ‘ponha-se no seu devido lugar’, ‘vá catar coquinhos’, de um perfeito caso de forma transicional.

Abaixo algumas das afirmações feitas em inglês sobre o Tiktaalik roseae, o mais novo ícone da evolução (ênfase adicionada em todas as citações):
• EurekAlert: a “key marker in the evolutionary transition of fish to limbed animals.”
• News@Nature: this is “the fish that crawled out of water” – a true ‘missing link’ that “it helps to fill in a gap in our understanding of how fish developed legs for land mobility, before eventually evolving into modern animals including mankind.”
• BBC News: “Fossil animals found in Arctic Canada provide a snapshot of fish evolving into land animals... giving researchers a fascinating insight into this key stage in the evolution of life on Earth.”.... Could “could prove to be as much of an ‘evolutionary icon’ as Archaeopteryx – an animal believed to mark the transition from reptiles to birds.”
• Scientific American: “Newfound Fossil Is Transitional between Fish and Landlubbers.”
• New Scientist: “IT WAS one of the most important events of the last 400 million years: the moment our fishy ancestors began hauling themselves onto dry land. Now a fossil from the very beginning of that crucial transition has been found in the remote Arctic.” Neil Shubin calls it a “a ‘fishopod’: part fish, part tetrapod.”
• MSNBC: “Scientists have caught a fossil fish in the act of adapting toward a life on land, a discovery that sheds new light on one of the greatest transformations in the history of animals. Researchers have long known that fish evolved into the first creatures on land with four legs and backbones more than 365 million years ago, but they’ve had precious little fossil evidence to document how it happened.... ‘It sort of blurs the distinction between fish and land-living animals,’ said one of its discoverers, paleontologist Neil Shubin of the University of Chicago.”
• National Geographic: “It’s our closest fish cousin, scientists say. Millions of years ago it apparently hoisted its croc-like head out of the water—and the rest is history.”
• LiveScience: “Fishy Land Beast Bridges Evolutionary Gap.”
Com uma cobertura jornalística dessa, o leitor leigo fica com a impressão de que isso realmente é uma importante descoberta. Depois de muito confete, serpentina e alguns choppes que cientista não é de ferro!), que tal dar uma olhada objetiva nos artigos científicos e ver o que eles disseram exatamente?
A notícia da descoberta deste ‘elo perdido’ foi artigo de capa da revista Nature, com dois artigos da equipe de Shubin e uma resenha de Jennifer Clack, uma proeminente pesquisadora em origens dos tetrápodes. É aqui no ambiente acadêmico que os cientistas falam entre si, e por isso mesmo é de se esperar que sejam mais céticos, formais, reservado e bastante cautelosos sobre as interpretações. Falta isso na Grande Mídia quando o assunto é Darwin.
Alguns aspectos que incomodam este ‘cético não global’ são os seguintes: A pesquisa foi submetida para a revista Nature em outubro de 2006, mas foi liberada somente agora, mas a Grande Mídia recebeu os ‘press releases’ com representação artística de como que o Tiktaalik roseae pareceria, entrevistas com os pesquisadores. Enfim, tempo suficiente para ‘armar o grande circo’ e dar aquela manchete em cima dos pobres mortais não especialistas.
É bem nítido nos artigos que todos os autores acreditam que este fóssil é realmente uma forma evolutiva transicional, mas convém destacar aqui para os leigos que as afirmações mais interessantes nos artigos científicos são as advertências e as notas discordantes. Mais o mais importante de tudo isso são os dados empíricos (observacionais) que sempre devem ter precedência sobre as interpretações.
Considere a abertura do primeiro artigo de Daeschler, Shubin e Jenkins [1]:
“The relationship of limbed vertebrates (tetrapods) to lobe-finned fish (sarcopterygians) is well established, but the origin of major tetrapod features has remained obscure for lack of fossils that document the sequence of evolutionary changes.”
“Here we report the discovery of a well-preserved species of fossil sarcopterygian fish from the Late Devonian of Arctic Canada that represents an intermediate between fish with fins and tetrapods with limbs, and provides unique insights into how and in what order important tetrapod characters arose. Although the body scales, fin rays, lower jaw and palate are comparable to those in more primitive sarcopterygians, the new species also has a shortened skull roof, a modified ear region, a mobile neck, a functional wrist joint, and other features that presage tetrapod conditions. The morphological features and geological setting of this new animal are suggestive of life in shallow-water, marginal and subaerial habitats”.

Até parece que estamos lendo a Folha de São Paulo, mas vamos buscar o que realmente interessa: o que não foi dito pela mídia. Os pesquisadores admitem:

“The evolution of tetrapods from sarcopterygian fish is one of the major transformations in the history of life and involved numerous structural and functional innovations, including new modes of locomotion, respiration and hearing.”

Trocando em miúdos (acho que mais ‘em graúdos’), muitas mudanças substanciais (isso demanda grande quantidade de informação genética) tinham de acontecer simultaneamente em um animal – do respirar antes através de guelras e agora respirar com pulmões, desenvolver pés que pudessem suportar o peso, desenvolver ossos digitiformes, tornozelos, dedos dos pés e ‘aprender’ [sic] como usá-los. Eles prosseguem:

“During the origin of tetrapods in the Late Devonian (385?359 million years ago), the proportions of the skull were remodelled [sic; implies intelligent design], the series of bones connecting the head and shoulder was lost, and the region that was to become the middle ear [sic; implies progress] was modified. At the same time, robust limbs with digits evolved, the shoulder girdle and pelvis were altered, the ribs expanded, and bony connections between vertebrae developed”.

Eles afirmam que algumas dessas inovações são vistas nos ‘parentes’ mais próximos de tetrápodes – Panderichthys, Acanthostega e Ichthyostega, mas as desconsideram como fragmentárias e de utilidade duvidosa. Isso também se aplica ao candidato mais antigo daquela lista de ‘parentes’:

“Panderichthys possesses relatively few tetrapod synapomorphies [convergent features], and provides only partial insight into the origin of major features of the skull, limbs and axial skeleton of early tetrapods. In view of the morphological gap between elpistostegalian fish and tetrapods, the phylogenetic framework for the immediate sister group of tetrapods has been incomplete and our understanding of major anatomical transformations at the fish-tetrapod transition has remained limited”.

Esta declaração prepara o terreno para o novo fóssil que, segundo os pesquisadores, “aumenta significativamente o nosso conhecimento da transição peixe-tetrápode”. Devagar com andor meus amigos, pois esta afirmação tem de ser examinada ‘cum granum salis’, pois afirmações semelhantes sobre o Panderichthys foram feitas anteriormente.

Eles classificaram o Tiktaalik em algum lugar entre os Panderichthys e os tetrápodes. No artigo eles forneceram os dados obrigatórios que devem aparecer numa publicação científica: local onde foi encontrado, taxonomia, nomenclatura, a descrição do fóssil, fotos, desenhos, etc. A cabeça estava bem preservada e foram encontrados três espécimes. Agora vem a parte mais difícil: nomear e classificar um fóssil. Por quê? Porque não fornece aos descobridores a liberdade de classificá-lo em algum cenário evolutivo presumido.

Vamos considerar a descrição técnica das partes. O Tiktaalik comparado com fósseis mais antigos conhecidos tem algo maior ou algo menor do que os outros. As comparações dos crânios não parecem ser muito informativas, considerando-se que não há partes moles fossilizadas e nós nem sabemos como que o animal viveu no seu ambiente devoniano (abundância de plantas terrestres, mas de algum modo este fóssil parece mais um carnívoro do que herbívoro).

Um pequeno lembrete histórico en passant – lembra-se do Celacanto? Ele foi considerado uma forma transicional porque tinha nadadeiras ósseas, mas quando foi descoberto um espécime vivo, ele não as usava para andar ou levantar-se. Mas o que o Celacanto tem a ver com este fóssil? Muito, pois sem as partes moles (guelras e outros órgãos) e sem um exemplo vivo, a interpretação dada aos ossos é, na melhor das hipóteses, um EXERCÍCIO SUBJETIVO DE ADIVINHAÇÃO.

Qual seria a posição filogenética do Tiktaalik? Quais características levaram estes pesquisadores a decidir que esses espécimes eram transicionais?

“A phylogenetic analysis of sarcopterygian fishes and early tetrapods (Fig. 7) supports the hypothesis that Tiktaalik is the sister group of tetrapods or shares this position with Elpistostege. Tiktaalik retains primitive tetrapodomorph features such as dorsal scale cover, paired fins with lepidotrichia, a generalized [sic] lower jaw, and separated entopterygoids in the palate, but also possesses a number of derived [sic] features of the skull, pectoral girdle and fin, and ribs that are shared with stem tetrapods such as Acanthostega and Ichthyostega. Tiktaalik is similar to these forms in the possession of a wide spiracular tract and the loss of the opercular, subopercular and extrascapulars. The pectoral girdle is derived [sic] in the degree to which the scapulocoracoid is expanded dorsally and ventrally, and the extent to which the glenoid fossa is oriented laterally. The pectoral fin is apomorphic [i.e., derived, more developed] in the elaboration of the distal endoskeleton, the mobility of segmented regions of the fin, and the reduction of lepidotrichia distally”.

Resumindo, eles acham que os Panderichthys, Elpistostege e o Tiktaalik representam uma:

“paraphyletic [partially evolved] assemblage of elpistostegalian fish along the tetrapod stem that lack the anterior dorsal fins and possess broad, dorsoventrally compressed skulls with dorsally placed eyes, paired frontal bones, marginal nares, and a subterminal mouth.”

Contudo, “Some tetrapod-like features evolved independently in other sarcopterygian groups,” enquanto que os outros dois fósseis parecem ter as características partilhadas com os tetrápodes básicos por meio de evolução convergente (homoplasia).

Ora, foi basicamente isso que eles afirmaram no primeiro artigo. O segundo artigo [2] discutiu o nadadeira peitoral do Tiktaalik, que eles afirmam ser “morfologica e funcionalmente transicional entre uma nadadeira e um membro”. Eles acham que as nadadeiras frontais capacitou a criatura a se levantar e arrastar a sua cauda atrás.

Todavia o “pulso” não tem os cinco dígitos (dedos), e representa um “mosaico” de caracaterísticas encontradas em taxon mais “básicos”. Embora ossos do “pulso” adicional sejam novas características deste fóssil, a presença dos cinco dígitos é INFERIDA no diagrama deles por meio de linhas pontilhadas. Como não há espécimes vivos representativos, eles também não foram capazes de dizer com certeza para o que foram realmente utilizados os ossos das nadadeiras.

Embora os pesquisadores tenham reconhecido que a transição da água para a terra requer “grandes mudanças em desenvolvimentos genéticos, estrutura esqueletal, e biomecânica”, o aspecto mais evidente da nadadeira é o ângulo do “pulso” homólogo hipotético, mesmo não havendo evidência de que os dígitos verdadeiros para locomoção tenham mais tarde se desenvolvido dos ossos das nadadeiras deste animal.

Mas, mesmo que eles possam ter assim se desenvolvido [será???], os jornalistas científicos ficaram mais sintonizados com a conclusão confiante dos pesquisadores:

“The pectoral skeleton of Tiktaalik is transitional between fish fin and tetrapod limb. Comparison of the fin with those of related fish reveals that the manus [hand] is not a de novo novelty of tetrapods; rather, it was assembled in fishes over evolutionary time to meet the diverse challenges of life in the margins of Devonian aquatic ecosystems”.

Que tal dar uma olhada no que os outros especialistas pensam a respeito disso? Na mesma edição da Nature, Erik Ahlberg e Jennifer Clack apresentaram sua análise [3]. Será que Clack, uma especialista eminente na pesquisa de ponta em evolução de tetrápode ficou extasiada pela descoberta? Será que ela não teve nenhuma ponta de inveja ou sentimentos de rivalidade? Eu não sei, eu só sei que juntamente com Ahlberg ela colocou um freio nas interpretações mais lépidas e tonitroantes, embora reconhecendo a significância da descoberta.

Em primeiro lugar, que tal dar uma ‘puxada de orelhas’ sobre o conceito dos ‘elos perdidos’?

“The concept of “missing links” has a powerful grasp on the imagination: the rare transitional fossils that apparently capture the origins of major groups of organisms are uniquely evocative. But the concept has become freighted with unfounded notions of evolutionary ‘progress’ and with a mistaken emphasis on the single intermediate fossil as the key to understanding evolutionary transitions. Much of the importance of transitional fossils actually lies in how they resemble and differ from their nearest neighbours in the phylogenetic tree, and in the picture of change that emerges from this pattern.

We raise these points because on pages 757 and 764 of this issue are reports of just such an intermediate: Tiktaalik roseae, a link between fishes and land vertebrates that might in time become as much of an evolutionary icon as the proto-bird [sic] Archaeopteryx”.

Nota Bene: Embora este fóssil vá “muito longe” no preenchimento da lacuna no registro fóssil, esses dois críticos disseram que ele não vai em toda a extensão. O exemplo mais próximo disso seria o Elpistostege, um fóssil fragmentado considerado ser mais próximo dos tetrápodes dos que o Panderichthys. Eles admitem que “os autores demonstratam convincentemente que o Elpistostege e o Tiktaalik ficam entre o Panderichthys e os tetrápodes mais antigos na árvore filogenética”.

Você pensou que era o fim da estória, não é mesmo? Embora impressionados, esses dois críticos levantam algumas questões interessantes. Sobre os ossos das nadadeiras eles afirmaram:

“Although these small distal bones bear some resemblance to tetrapod digits in terms of their function and range of movement, they are still very much components of a fin. There remains a large morphological gap between them and digits as seen in, for example, Acanthostega: if the digits evolved from these distal bones, the process must have involved considerable developmental repatterning. The implication is that function changed in advance of morphology”.

Embora cada um dos fósseis encontrados pareça representar um mosaico de características em vez de uma linha direta de evolução, esses dois críticos prontamente concordaram que a criatura foi “evidentemente uma etapa verdadeira a caminho da água para a terra”, e “parece que os nossos ancestrais remotos [sic] eram peixes grandes, achatados e predadores, com cabeças tipo crocodilo e fortes nadadeiras peitorais tipo membros que os capacitaram a sair da água”.

Aqui um pouco de ceticismo se faz mister. Leve em conta que este é apenas um espécime e são necessários muito mais para a confirmação de um achado científico. Além disso, esta criatura deve ser ser examinada no seu contexto. Quem sabe, e aqui serão emitidas mais notas promissárias epistêmicas, as formas transicionais mais importantes não serão descobertas no futuro? Ah, o futuro pertence a Darwin:

“Of course, there are still major gaps in the fossil record. In particular we have almost no information about the step between Tiktaalik and the earliest tetrapods, when the anatomy underwent the most drastic changes, or about what happened in the following Early Carboniferous period, after the end of the Devonian, when tetrapods became fully terrestrial. But there are still large areas of unexplored Late Devonian and Early Carboniferous deposits in the world – the discovery of Tiktaalik gives hope of equally ground-breaking finds to come”.

CONCLUSÃO:

O “elo perdido” não é assim nenhuma Brastemp como foi reportado na mídia!

[Artigo elaborado sobre os ‘ombros de gigantes’]

NOTAS:

[1] Daeschler et al., “A Devonian tetrapod-like fish and the evolution of the tetrapod body plan,” Nature 440, 757-763 (6 April 2006) | doi:10.1038/nature04639; Received 11 October 2005; ; Accepted 8 February 2006.

[2] Shubin et al., “The pectoral fin of Tiktaalik roseae and the origin of the tetrapod limb,” Nature 440, 764-771 (6 April 2006) | doi:10.1038/nature04637; Received 11 October 2005; ; Accepted 8 February 2006.

[3] Per Erik Ahlberg and Jennifer A. Clack, “Palaeontology: A firm step from water to land,” Nature 440, 747-749 (6 April 2006) | doi:10.1038/440747a.