quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Lagartos do Vale do Peruaçu

3/2/2010


Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – Ao acompanhar um amigo em uma viagem ao Vale do Peruaçu, região norte de Minas Gerais, o biólogo Mauro Teixeira Júnior teve uma grande surpresa. Ele avistou um lagarto Enyalius pictus, espécie que até então os especialistas só haviam encontrado na região da Mata Atlântica.

Pesquisa traz informações inéditas sobre lagartos que habitam mata seca ao norte de Minas Gerais (Stenocercus quinarius/divulgação)

O episódio levou Teixeira a elaborar um projeto de mestrado com o objetivo de fazer um levantamento dos lagartos do Vale do Peruaçu. Sob a orientação do professor Miguel Trefaut Urbano Rodrigues, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), o biólogo começou seu trabalho em 2007 com apoio de uma Bolsa da FAPESP, no âmbito de um Auxílio à Pesquisa – Regular coordenado por Rodrigues.

Dois anos depois, o trabalho de Teixeira resultou em um levantamento inédito sobre as espécies de lagartos encontradas durante a pesquisa, além de seus hábitos alimentares, relações com o clima, períodos de reprodução, entre outros dados relevantes.

Para coletar exemplares, o biólogo visitou o local durante os períodos de inverno (seco) e de verão (chuvoso) nos anos de 2008 e 2009 e espalhou armadilhas pela vegetação. Grupos de quatro baldes foram enterrados dispostos em formato de “Y” com uma lona preta ao redor. Os animais, ao tentar contornar a lona, caíam nos baldes.

Com esse sistema, chamado de armadilha de interceptação e queda, Teixeira recolheu informações valiosas sobre a fauna da chamada mata seca, bioma caracterizado por florestas sobre solo calcário que perdem a folha durante o período anual de estiagem.

Uma espécie de lagarto, a Stenocercus quinarius, considerada rara até então, foi encontrada em abundância no Vale do Peruaçu. “Só no primeiro dia de coleta, capturamos 20 lagartos dessa espécie”, disse Teixeira, informando que na literatura especializada só havia registros de oito exemplares avistados.

O conhecimento sobre os hábitos das espécies também foi aperfeiçoado com a pesquisa. Lagartos do gêneroPhylopezus, considerados pela literatura como de hábitos noturnos, foram encontrados ao sol. E exemplares do gênero Mabuya, que os pesquisadores acreditavam ser terrícula (que só vive no solo), foram encontrados sobre árvores.

Para traçar o trajeto desses animais, o biólogo amarrou uma linha no dorso de exemplares capturados e os libertou. “Encontramos linhas passando sobre árvores, o que indicou que os Mabuya sobem na vegetação”, disse. Segundo ele, o sistema locomotor desse grupo não parece adaptado para escalar as plantas, o que torna a descoberta mais intrigante.

Nova espécie

O lagarto da Mata Atlântica que levou Teixeira a iniciar sua pesquisa, o Enyalius, mereceu uma atenção maior. Como os exemplares do norte de Minas apresentaram algumas diferenças morfológicas em relação aos da vegetação litorânea, o biólogo pretende agora fazer um exame de DNA para comparar os grupos. “Caso haja diferenças significativas no DNA, poderemos ter encontrado uma nova espécie”, disse.

Outra novidade que o estudo trouxe está relacionada aos hábitos reprodutivos dos lagartos. Apesar de a maioria das espécies se reproduzir no período chuvoso, foram encontradas algumas que se reproduzem o ano todo e ainda outras que preferem o período seco para esse fim, contrariando a hipótese inicial de que as condições extremas impostas pela estiagem impediriam a reprodução.

Além de lagartos, as armadilhas do projeto capturaram sapos e cobras. Entre eles, foi descoberta uma nova espécie de sapo. Teixeira quer aproveitar os dados de incidência desses outros animais para escrever um artigo sobre a herpetofauna (anfíbios e répteis) do Vale do Peruaçu.

Estudos como esse são muito importantes, segundo o orientador da pesquisa, pois tratam de uma região muito pouco conhecida e estudada. “Não sabemos praticamente nada desses pequenos biomas de transição”, disse Rodrigues, para quem essas áreas têm sido devastadas em vários pontos do país sem que ninguém se dê conta.

O professor da USP espera agora que Teixeira amplie esse trabalho em um projeto de doutorado, mapeando e coletando espécies da herpetofauna de matas secas de outras regiões do Brasil.