Charbel Niño El-Hani (UFBA), como você está fazendo biologia evolucionária, se não há mais teoria evolucionária mestre???

quinta-feira, outubro 26, 2017

Da publicação científica Biology Direct: O Darwinismo, agora totalmente separado de suas raízes históricas como uma teoria falsificável, “deve ser abandonado”


A biologia evolucionária, nós somos informados, não necessita de uma teoria mestre. Pesquisadores devem pensar em termos de “pensamento contemporâneo dominante.” Do artigo de Arlin Stoltzfus na Biology Direct:

Why we don’t want another “Synthesis” [Porque nós não queremos outra “Síntese”]



Debates de alto nível em biologia evolucionária frequentemente tratam a Síntese Moderna como uma estrutura fundacional da genética populacional, ou como uma linhagem intelectual com uma distribuição mutável de crenças. Infelizmente, essas noções flexíveis, usadas para  negociar décadas de inovações, estão agora totalmente separadas de suas raízes históricas na Síntese Moderna original [original Modern Synthesis (OMS)], uma teoria científica falsificável. A OMS defendia que a evolução pode ser adequadamente entendida como um processo de mudança adaptativa suave deslocando-se as frequências de alelos de efeito pequeno em muitos loci simultaneamente, sem o envolvimento direto de novas mutações. Essa teoria de deslocamento das frequências de genes foi planejada para apoiar uma visão darwinista na qual o curso da evolução é governada pela seleção, e excluir uma visão dirigida por mutação na qual o tempo e as características da mudança evolucionária podem refletir o tempo e a característica dos eventos de mutação. A OMS não é a fundação do pensamento atual, mas um caso especial de uma concepção mais ampla que inclui (entre outras coisas) uma visão orientada pela mutação introduzida pelos bioquímicos nos anos 1960s, e agora amplamente invocada. Esta inovação é evidente em modelos matemáticos relacionando a taxa de evolução diretamente à taxa de mutação, que surgiu em 1969, e agora representa um ramo principal da teoria com muitas aplicações. Na evo-devo, o pensamento mutacionista se reflete pela preocupação da “chegada do mais apto”. Embora a biologia evolucionária não seja governada por nenhuma teoria mestre, e incorpora visões excluídas da OMS, o reconhecimento dessas mudanças tem sido dificultada pela concepções vagas de teorias, e pelos relatos históricos, comuns na literatura evolucionária, que deturpam os debates que definiram a OMS. (acesso público) Mais.

Do artigo:

A narrativa da Síntese [Moderna], mantida somente pelos enormes sacrifícios de rigor e clareza, deve ser abandonada. A OMS é uma teoria muito mais inteligente quando considerada como um caso especial, mas propô-la como uma teoria mestre foi prematuro, e afirmar que ela tinha sido estabelecida empiricamente foi um exagero beirando ao delírio. O fato que a OMS fracassou lá pelos anos 1970s nos diz duas coisas: a narrativa histórica da Grande Teoria Unificadora é falsa, e mais importante, a biologia evolucionária não precisa de uma teoria mestre.

O termo correto para descrever o pensamento dominante contemporâneo em biologia evolucionária é “pensamento dominante contemporâneo”. Chamá-lo de “Síntese Evolucionária” ou “Síntese Moderna” mostra um desrespeito pelo rigor acadêmico. Não uma “Síntese” flexível, mas antes (1) uma disciplina científica que muda apropriadamente suas opiniões, baseada nas descobertas mais recentes, e (2) conformistas prolongando versões cada vez mais frágeis da reivindicação que a biologia evolucionária é governada por uma teoria mestre flexível que remonta a Darwin através de Mayr et al.

“Na verdade, abandonar a noção de uma teoria mestre unificada é uma reforma óbvia para a biologia evolucionária do século 21. Quando a demanda implícita para que tal teoria seja removida do debate atual da Síntese Evolutiva Ampliada/Estendida, por exemplo, o que fica é uma série de fatores causais relevantes à construção de nicho, viés desenvolvimentista, e plasticidade fenotípica, cada um deles merece ser avaliado em seus méritos. Debates sobre tais fatores seriam mais produtivos se os proponentes das novas causas seguissem o modelo da Teoria Neutra de Kimura, que não invoca meramente um possível modo de mudança, mas faz uma afirmação geral exata sobre o tamanho de seus efeitos na evolução.

Este tipo de reforma conceitual é possível sem revolução. A biologia evolucionária foi mudada permanentemente pela crítica do argumento “bom para as espécies” feita por Williams [66], e pela derrubada do adaptacionismo ingênuo de Gould e Lewontin [67]. Esses reformadores subverteram os hábitos de pensamento convencionais expondo sua superficialidade. Hoje, as defesas insípidas de “Síntese” em marcha são alvos fáceis de uma reforma muito necessária no nosso discurso em curso sobre o estado do pensamento evolucionário: rejeitar a propaganda da Síntese, e aceitar a biologia evolucionária como uma disciplina científica legítima que entretém conjeturas ousadas sobre os efeitos mensuráveis de causas novas, sem necessidade de uma teoria mestre. A era de teorias mestres baseadas nos princípios governantes e em grandes esquemas já passou faz tempo. A OMS foi a última de tal teoria. Não haverá outra.”

Parece como se a evolução está se tornando uma história da vida, ao contrário de uma metafísica para a vida, que é mais ou menos o que muitos de nós temos pensado deveria acontecer por algum tempo. Quanto menos nós ouvirmos “Assim disse Darwin” e “Assim disse Ernst Mayr”, melhor.

O artigo foi revisto por pares por W. Ford Doolittle, Eugene Koonin e J. Peter Gogarten. Em particular, Doolittle oferece no relatório do revisor:

“Stoltzfus adentra audazmente nas águas enlameadas da Síntese Moderna e das recentes versões “ampliadas/estendidas” da mesma, e conclui que nós não precisamos de qualquer grandiosa teorização. Há muitos pontos que ele destaca que eu gosto, e desde que isso é um tópico que ele sabe melhor do que eu, eu não posso criticar sua história a não ser de um modo geral. Cada um de nós chegou a crer que o que nós fazemos sobre a evolução Cada um de nós chegou a acreditar no que faz sobre a evolução através das combinações idiossincráticas de leitura, de ouvir e pensar, e eu duvido que haja uma única história verdadeira sobre isso. Certamente que os biólogos evolucionários sofrem do fato que os nossos principais ou mais amplamente lidos escritores de história têm sido, geralmente, especialistas com seus motivos/agendas ulteriores. Nós não esperaríamos que os políticos escrevessem histórias políticas sem viés, mas nós biólogos parece que confiamos em nossa espécie, como se os cientistas pudessem mais facilmente transcender a si mesmos. A minha geração de biólogos moleculares (ou pelo menos eu) demoramos muito para perceber que Ernst Mayr não era de fato um observador desinteressado. Stoltzfus destaca isso, e mostra como a OMS (a síntese moderna original) assumiu que as populações relevantes já tinham abrigado suficiente variabilidade genética relevante para se adaptar à maioria dos desafios ambientais.”

Incidentalmente, Ford Doolittle tem justificado ginástica mental no passado (2009) porque “muito está em jogo social e politicamente”, isto é, a necessidade de se derrotar os “antievolucionistas” nas “guerras culturais.”

Ele deve ter decidido não permitir que os antievolucionistas sejam os únicos adultos no quarto. Pensamento legal esse.

Vide também: What the fossils told us in their own words

Source/Fonte: Uncommon Descent