Enxergando além de Darwin III: Mary Jane West-Eberhard

segunda-feira, junho 04, 2012

27 de Maio de 2012 

Enxergando além de Darwin III: Mary Jane West-Eberhard

James Barham 

Mary Jane West-Eberhard (à esquerda) é tanto brilhante e quietamente subversiva, mas ela não é nenhuma agitadora.

Diferente da pessoa de minha prévia coluna nesta série, James A. Shapiro, ela não apresenta suas ideias como revolucionárias ou uma ameaça mortal à cosmovisão darwinista. 

Na verdade, ela saí de seu caminho para associar suas ideias com aquelas do próprio Darwin, que foram, em alguns aspectos, mais radicais do que aquelas dos seus herdeiros inferiores do século 20.(1) 

E mesmo assim, eu irei argumentar que West-Eberhard —que é pesquisadora no Instituto Smithsonian de Pesquisa Tropical no Panamá, bem como professora de Biologia da Universidade da Costa Rica— tem feito uma contribuição fundacional para uma nova e revolucionária abordagem para o teorizar evolucionário que parece ser bom (quaisquer que sejam suas intenções expressadas) para virar de cabeça para baixo o darwinismo dominante. 

As ideias de West-Eberhard são cruciais por uma razão principal: o projeto darwinista é voltado, mais do que qualquer outra coisa, para demonstrar que a teleologia, ou propósito, podem ser eliminadas de nosso entendimento teórico do mundo vivo. 

A obra de West-Eberhard ajuda a derrubar aquele projeto ao mostrar como a intencionalidade (ou direcionamento de objetivo) está no âmago de qualquer quadro explanatório realista em biologia evolucionária. Em outras palavras, sua contribuição consiste em demonstrar que, longe de eliminar o propósito da natureza, na verdade a evolução a pressupõe. 

Resumindo, a tese de West-Eberhard está contida no título de sua magnum opus, Developmental Plasticity and Evolution [Plasticidade de desenvolvimento e a evolução] (Oxford UP, 2003). 

O que é plasticidade de desenvolvimento? É a propriedade que todas as coisas vivas possuem de ser capaz de compensar durante o desenvolvimento ontogenético para as variações em condições tanto internas ou externas. Repare que “compensação” é um conceito teleológico. Isso implica que existe um estado particular final – ou com objetivo em que o ser vivo está tentando atingir por meio de manobras compensatórias. 

No caso de um organismo, o processo de desenvolvimento está objetivando a forma adulta viável. Se ocorre uma perturbação durante este processo —seja genético, fisiológico, ou ambiental— então as mudanças compensatórias irão ocorrer em outro local dentro do organismo a fim de garantir, na medida do possível, que uma forma adulta viável seja alcançada apesar da perturbação. É importante notar que tais mudanças compensatórias não precisam ser isoladas espacialmente ou temporariamente, mas podem, frequentemente resultar em cascatas de mudanças por todo o organismo, afetando múltiplos sistemas de órgãos no presente e no futuro. 

West-Eberhard chama esta força compensadora —que todos os organismos parecem possuir —”plasticidade de desenvolvimento (ou fenotípica).” O conjunto todo de mudanças compensatórias que ela se refere como “acomodação fenotípica.” Eis como West-Eberhard define estas duas ideias proximamente inter-relacionadas: 

“A plasticidade fenotípica capacita os organismos a desenvolver fenótipos funcionais apesar da variação e da mudança ambiental via acomodação fenotípica —ajustamento adaptativo mútuo entre as partes variáveis durante o desenvolvimento sem mudança genética.” (2) 

A razão por que a plasticidade de desenvolvimento e a acomodação fenotípica são importantes de um ponto de vista evolucionário é que levando os dois em consideração nos força a repensar radicalmente a explicação darwinista padrão de seleção natural.(3) 

O darwinismo está empenhado em extirpar a teleologia da biologia, com raiz e tudo. O modo pelo qual se propõe fazê-lo é invocando o acaso contra o contexto do pressuposto metafísico de mecanismo. 

Uma mutação pontual é introduzida de maneira aleatória no genoma. As consequências causais deste evento então se propaga como consequência de mudanças mecânicas aleatórias, daí serem deterministas, através de todo o resto do organismo. Se o fenótipo resultante for por acaso mais bem sucedido do que as formas competidoras, então a mutação original é mantida (“selecionada”) e que o genótipo, junto com seu fenótipo mecanicamente relacionado, são propagados gradualmente por toda a população. 

Na verdade, este cenário parece estar desprovido de teleologia. Há muito tempo tem sido aceito como uma questão de fé pela maioria dos biólogos. Por outro lado, tem sempre parecido absurdo para uma pequena, mas tenaz minoria de cientistas, praticamente desde 1859 até o presente. 

A ênfase de West-Eberhard sobre o papel da plasticidade do desenvolvimento na evolução consegue quebrar escancaradamente este longo debate não resolvido, ao demonstrar o papel conceitual fundamental que um processo claramente teleológico desempenha no quadro explanatório tácito da teoria da seleção natural. 

Os darwinistas se sentiram convencidos pelo quadro padrão porque eles confiaram tacitamente no fato de que os organismos possuem plasticidade fenotípica— resumindo, eles não são máquinas. 

Os críticos do darwinismo permaneceram céticos do quadro padrão porque eles mantiveram suas premissas mecanicistas mais claramente em perspectiva: Se você trocar aleatoriamente as peças de uma máquina, você nunca ganhará uma melhora no seu funcionamento. 

Bem, neste sentido restrito, verifica-se que os darwinistas estavam certos: Você pode trocar as partes de um organismo. Mas somente porque as outras partes, automaticamente, irão compensar pela mudança. Isto é, porque os organismos não são máquinas. Mas, é claro, naquele caso, dificilmente pode se dizer que o darwinismo eimina a teleologia do mundo natural. 

Assim, os críticos terminam com a preponderância da evidencial e a lógica estão do seu lado: se os darwinistas estivessem certos e os organismos fossem realmente máquinas, então a evolução teria sido impossível. 

West-Eberhard reivindica a possibilidade da evolução rejeitando a metáfora de máquina e colocando o poder adaptativo dos seres vivos (plasticidade do desenvolvimento e acomodação fenotípica) no centro do processo evolucionário. 

O livro-texto dela está repleto de exemplos concretos de plasticidade do desenvolvimento. O meu favorito é um conhecido como o “cabrito de Slijper,” que algum dia eu espero possa suplantar os tentilhões de Darwin como nosso modelo padrão para se pensar sobre a evolução. 

Everhard Johannes Slijper (1907–1968) foi um zoólogo holandês que durante a Segunda Guerra Mundial publicou um relatório sobre um cabrito que tinha nascidos sem as patas dianteiras.(4) Ele criou o animal até a idade de um ano, depois o sacrificou a fim de estudar sua anatomia. 

Com ajuda humana, o cabrito aprendeu a pular com suas patas traseiras. Slijper demonstrou que esta capacidade era apoiada por todo um conjunto de mudanças coordenadas no esqueleto e musculatura do animal. Na verdade, após a dissecção do corpo do animal, descobriu-se que se parecia mais com um canguru do que um cabrito normal. 



No caso de tudo isso parecer difícil de se creditar, West-Eberhard documenta numerosos exemplos similares. Além disso, uma vez que ver é crer, o leitor é convidado a assistir o pequeno vídeo clip abaixo de um cachorro que anda com as duas patas, e ainda vive hoje —Faith, o Cachorro.
Qual é o ponto fundamental do exemplo do cabrito de Slijper? Reconhecido, este caso é extremo, mas casos patológicos são, frequentemente, muito úteis em lançar luz em fenômenos normais em biologia. Embora uma deformidade extrema dessas teria certamente resultado na morte do animal na ausência da intervenção humana, o ponto fundamental é que todas as variações naturais devem passar por um processo de desenvolvimento similar, se for menos extremo.
As West-Eberhard explains:
“… o ponto fundamental é dramatizar como que uma mudança em um aspecto do fenótipo —neste caso das patas dianteiras— pode levar a mudanças correlacionadas que mostram um grau de complexidade e integração funcional que nós geralmente assumimos necessitar gerações de seleção natural e de mudança genética em muitos lugares.” (5)
O exemplo do cabrito de Slijper é útil porque nos ajuda a representar para nós mesmos as noções abstratas da “plasticidade de desenvolvimento” e da “acomodação fenotípica” de um modo mais vívido. Nos casos do cabrito de Slijper  e de Faith, o Cachorro, nós podemos ver o poder desses fenômenos em ação. Mas eles também são igualmente ativos em casos menos extremos. Na verdade, sempre que qualquer que seja a mudança é introduzida em nível genético, alguma compensação dirigida a um objetivo deve ocorrer a fim de que uma forma adulta viável possa ser atingida.
Numa única frase:
“A estrutura fenótipa responsive é principal fonte de novos fenótipos...”(6)
Isto significa que o processo de seleção natural pressupõe o fenômeno de plasticidade de desenvolvimento e de acomodação fenotípica. Portanto, longe de ter sido expulsa da biologia, a teleologia aparece no seu âmago. Neste sentido, a evolução é vindicada, mas vira o darwinismo de cabeça para baixo.
Para evitar a teleologia, o darwinismo deve pressupor mudanças genéticas aleatórias que resultam em mudanças fenotípicas aleatórias. Mas o trabalho de West-Eberhard nos mostra que não existe isso de mudança fenotípica aleatória. Em vez disso, nós podemos ver que toda a mudança fenotípica é dirigida a um objetivo.
“Assim, o processo evolucionário tem dependido da capacidade inerente, teleológica de todos as coisas vivas se adaptarem às circunstâncias, dentro e fora de si mesmas. É esta capacidade que explica a evolução, e não do outro jeito.” (7)


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(1) Mary Jane West-Eberhard, “Toward a Modern Revival of Darwin’s Theory of Evolutionary Novelty,” Philosophy of Science, 2007, 75: 899–908.

(2) Mary Jane West-Eberhard, Developmental Plasticity and Evolution (Oxford UP, 2003); p. 51.

(3) Claro, essas ideias não são absolutamente novas. Por exemplo, a plasticidade do desenvolvimento (ou fenotípica) é claramente relacionada com tais ideias de “chreode” de Conrad Waddington, a “homeostasis” de Walter B. Cannon, e o “milieu intérieur”  de Claude Bernard. Todavia, a plasticidade do desenvolvimento de West-Eberhard é muito mais dinâmica e flexível do que quaisquer desses conceitos. Neste sentido, suas ideias remetem ao “sistema equipotencial harmonioso” de Hans Driesch, ou até mesmo à “unidade de composição” de Etienne Geoffroy Saint-Hilaire. De qualquer modo, a contribuição notável de West-Eberhard tem sido o de enfatizar a plasticidade do desenvolvimento como um factor contribuinte significante na evolução, em vez de cancelá-la no estilo típico darwinista como apenas outro resultado da seleção natural.

(4) E.J. Slijper, “Biologic-anatomical Investigations on the Bipedal Gait and Upright Posture in Mammals, with Special Reference to a Little Goat, born without Forelegs,” Proceedings of the Koninklijke Nederlandsche Akademie van Wetenschappen, 1942, 45: 288–295, 407–415.

(5) Mary Jane West-Eberhard, Developmental Plasticity and Evolution (Oxford UP, 2003); p. 52.
(6) Ibid.; p. 503.

(7) Para uma apresentação mais sucinta de suas ideias, inclusive o exemplo do cabrito de Slijpe, vide Mary Jane West-Eberhard, “Phenotypic Accommodation: Adaptive Innovation Due to Developmental Plasticity,” Journal of Experimental Zoology, Part B: Molecular and Developmental Evolution, 2005,304B: 610–618.
Source/Fonte: BestSchool Org