Sambaquienses tinham rituais elaborados

quinta-feira, junho 10, 2010


10/6/2010

Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – Chamados muitas vezes de meras “comedoras de moluscos”, as sociedades sambaquienses que habitaram o litoral brasileiro durante um período entre 2 mil e 7 mil anos mantiveram hábitos e culturas elaboradas, de acordo com uma pesquisa coordenada pelo professor Paulo Antônio Dantas de Blasis, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP).

As informações foram levantadas durante o Projeto Temático “Sambaquis e paisagem: modelando a inter-relação entre processos formativos culturais e naturais no litoral sul de Santa Catarina”, apoiado pela FAPESP.




Pesquisa feita no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP indica que sociedades que construíram sambaquis no litoral brasileiro eram mais sofisticadas do que se estimava

Desde 2005, os pesquisadores coletam informações de sítios arqueológicos catarinenses sobre as sociedades que construíam os morros conhecidos como sambaquis, palavra que significa “monte de conchas” em tupi-guarani.

Essas comunidades ocupavam uma ampla faixa do litoral brasileiro que vai da região Sul até o Nordeste e desapareceram há cerca de mil anos. Os primeiros colonos europeus que chegaram ao Brasil ficaram intrigados com essas construções litorâneas, segundo Blasis. “Mas, até hoje, sabemos muito pouco sobre a finalidade dos sambaquis”, disse.

Entre suas funções principais estava a funerária. Covas rasas eram feitas na areia para depositar os mortos. O material encontrado pelo estudo evidencia grandes festas funerárias que reuniam várias comunidades sambaquianas. Os restos de comida eram depositados sobre os corpos que depois ficavam sob conchas.

Esses túmulos em forma de pequenos montes eram construídos lado a lado, recebiam mais corpos em novas camadas e, por fim, eram agrupados em um único monte. Com o passar do tempo, o cálcio se espalhava por toda a estrutura, petrificando-a.

O ritual funerário aponta para uma sociedade mais sofisticada do que se estimava anteriormente. “A maneira de tratar os mortos é bem característica de cada cultura”, disse Blasis, que também destacou outros aspectos encontrados que apresentam um maior aprimoramento daquelas sociedades.

Um deles é o sedentarismo. Diferentemente do que se estimava, os sambaquianos não eram nômades, mas estabeleciam comunidades fixas, o que exigia um maior grau de organização.

Seus membros também eram mais numerosos do que se pensava. Estima-se que havia milhares pela costa brasileira e os grupos interagiam entre eles, como indicam os rituais funerários que eram partilhados por mais pessoas do que caberia em uma única comunidade.

Essa característica levantou a hipótese de haver uma outra função para os sambaquis, a de funcionar como um marcador territorial, servindo de aviso a forasteiros de que o local pertencia a um determinado grupo.

Para levantar esses dados, os pesquisadores do Projeto Temático executaram escavações minuciosas, além de lançar mão de recursos tecnológicos como radares de superfície e instrumentos de datação de objetos com o método de carbono 14 e da luminescência opticamente estimulada.

Túmulos empilhados

Uma das principais conquistas do Temático, segundo Blasis, foi a realização de mais de cem datações, o que permitiu detalhar o mapa do desenvolvimento das sociedades sambaquianas e a construção de uma “supercronologia regional”.

Para realizar esse trabalho foi necessária a coordenação de uma equipe de geólogos, bioantropólogos, geofísicos e arqueólogos, entre outros profissionais. De modo a redesenhar as características geológicas e climáticas da época, foi necessário o auxílio da paleoclimatologia.

“Essa especialidade diz sobre as oscilações do nível do mar, se há vestígios de mangue, se o ambiente era mais frio em relação ao clima de hoje ou se o solo era mais salgado comparado ao atual, entre outras informações”, exemplificou Blasis.

A equipe de pesquisa escolheu o Estado de Santa Catarina por ser o local onde se encontram os maiores sambaquis remanescentes. “O litoral brasileiro tinha sambaquis de cerca de 70 metros de altura, inclusive na Baixada Santista, mas a maioria foi destruída”, contou o pesquisador.

Ao lado do óleo de baleia, a cal extraída dos sambaquis serviu de matéria-prima para a construção civil entre os séculos 17 e 19. E os montes continuaram a ser degradados pela ação humana até a década de 1970, segundo Blasis.

O estudo ainda apontou que o desaparecimento das comunidades deve ter ocorrido de forma pacífica. “Nos ossos encontrados não há sinais de mortes violentas, o que sugere que os sambaquienses podem ter desaparecido de forma pacífica ao se miscigenar com outros grupos”, sugeriu.

De acordo com Blasis, os resultados levantados serão organizados em um livro, de modo a sistematizar e organizar a grande quantidade de informações coletadas. A pesquisa ainda gerou dez trabalhos de mestrado e doutorado em diversas disciplinas envolvidas no projeto.



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