Destaque internacional

segunda-feira, abril 05, 2010

5/4/2010


Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – Pesquisadores do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) conquistaram um feito importante para a química brasileira.

Além de ter três artigos publicados em uma mesma edição da revista inglesa Analyst, da Royal Society of Chemistry, um dos trabalhos do grupo, sobre a análise forense de tintas e impressões digitais por espectrometria de massas, ganhou a capa da edição de abril da publicação.




Revista Analyst, da Royal Society of Chemistry, publica em sua edição de abril três artigos de grupo de espectrometria de massas da Unicamp (Analyst)

“Enviamos três trabalhos e todos foram aceitos, o que representa uma honra imensa para toda a equipe”, disse o coordenador do laboratório, o professor Marcos Nogueira Eberlin, à Agência FAPESP.

Os trabalhos publicados pela edição de número 135 da revista foram sobre a caracterização instantânea de óleos vegetais, o desenvolvimento de polímeros de impressão molecular e a análise de impressões digitais e de idade de tintas para fins forenses. Esse último foi tema de reportagem da Agência FAPESP em janeiro.

As três pesquisas utilizam a técnica Easy Ambient Sonicspray Ionization Mass Spectometry (EASI-MS), desenvolvida pelo grupo de Eberlin no âmbito do Projeto Temático “Desenvolvimento e estudo de materiais funcionais e estruturais dentro da perspectiva da complexidade”, apoiado pela FAPESP.

“Um dos maiores avanços obtidos com essa técnica foi a análise instantânea das amostras”, disse Eberlin, ressaltando a agilidade com que a EASI-MS consegue identificar e caracterizar tipos diferentes de óleos.

Segundo o pesquisador, um processo de análise convencional de óleos exige de quatro a cinco etapas de laboratório, enquanto que a EASI utiliza algumas gotas do produto e apresenta os resultados em questão de segundos.

O novo método é capaz de identificar óleos a partir do perfil de ácidos graxos que funcionam como assinatura química. A EASI ainda é capaz de identificar se um óleo está oxidado e o grau dessa oxidação.

O artigo sobre análise de óleos vegetais publicado na Analyst contou com a participação de Daniel Barrera-Arellano, coordenador científico do Laboratório de Óleos e Gorduras da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. “O professor Arellano nos procurou para essa parceria, pois ficou muito interessado na praticidade e na agilidade da EASI”, contou Eberlin.

Copiando enzimas

O segundo artigo do grupo da Unicamp aprovado pela revista britânica descreve um método inédito para detectar substâncias, os polímeros de impressão molecular. Inspirados na arquitetura de enzimas, esse tipo de polímero é projetado para encaixar na substância que se deseja detectar, de modo que a capture tal qual uma enzima se encaixa em uma molécula.

A ideia de copiar a arquitetura das enzimas foi do então doutorando Eduardo Costa Figueiredo, um dos alunos de Eberlin e principal autor do artigo publicado na Analyst. Durante o doutorado, terminado em 2009, Figueiredo contou com bolsa da FAPESP.

Para a detecção de cocaína, por exemplo, a droga é misturada a uma substância em estado líquido, o chamado monômero, que dará origem ao polímero. Depois é adicionado um iniciador que serve de gatilho à reação de polimerização. Com o material pronto e enrijecido, a cocaína que serviu de molde é retirada por um processo de lavagem.

O polímero construído é então colocado em contato, por cerca de dez minutos, com a amostra a ser analisada, por exemplo, urina. O formato do polímero prende a molécula-alvo a ponto de não ser possível retirá-la com uma lavagem simples. As demais substâncias que porventura tenham se agarrado ao material não conseguem a mesma aderência e são eliminadas no processo de lavagem.

Na última etapa, o polímero é submetido ao spray de ionização da EASI-MS, que é capaz de desprender as moléculas de cocaína que estiverem no material polimérico. O método possui sensibilidade para detectar quantidades muito pequenas de substâncias.

“É a primeira vez que se usa uma superfície inteligente para fazer uma análise”, disse Eberlin. Os polímeros são considerados inteligentes por serem capazes de ancorar com eficiência apenas a substância alvo.

Falsificações de escrita

O artigo que ilustra a capa de agosto da Analyst destaca a análise de tinta pela EASI-MS, capaz de determinar a idade de uma assinatura por meio da degradação dos grupos metila contidos em um corante.

O corante utilizado nas tintas de caneta possuem quatro grupos metila (CH3). Ao longo do tempo, ele perde um grupo de cada vez desde o momento em que a tinta sai da caneta e adere ao papel. “Amostras com três grupos metila são mais novas, traços que apresentam dois grupos são mais antigos e aqueles com apenas um grupo são bem mais velhos”, explicou Eberlin.

Dentro do reservatório, porém, a tinta permanece preservada. O grupo da Unicamp chegou a analisar uma caneta de 16 anos que mantinha sua tinta com os quatro grupos CH3. “Mas, uma vez no papel, a tinta fica exposta ao ar que a degrada e um relógio químico passa a funcionar”, disse.

Por meio desse método, o Laboratório Thomson detectou recentemente uma fraude em uma carteira de trabalho. “O portador do documento fez um lançamento datado de 1978, mas verificamos que a tinta era muito nova para aquela data”, disse Eberlin, que conta estar recebendo muitos trabalhos forenses encomendados por instituições como a Polícia Federal.

O pesquisador pretende agora ampliar as aplicações em segurança da EASI-MS. “Corantes especiais utilizados em canetas e carimbos exclusivos de órgãos oficiais poderiam servir de marcas antifalsificação de passaportes”, estima. Para reproduzir tais tintas os falsificadores teriam de reconhecer as substâncias presentes no corante e tentar formulá-las tornando a falsificação extremamente complicada.

A EASI-MS também pode ser utilizada para detectar cédulas falsas de diferentes moedas, rastrear a origem de drogas por meio de seu perfil químico e verificar autenticidade e qualidade de matérias-primas diversas, como óleo diesel e óleos de origem amazônica.

A técnica tende a se expandir com a miniaturização do espectrômetro de massas, o aparelho que faz as análises. “Uma empresa já anunciou a comercialização de um espectrômetro portátil pelo valor de R$ 15 mil, o que tornaria a técnica interessante para muitas empresas”, disse Eberlin.

Artigos publicados na Analyst (2010, 135):

Fingerprinting and aging of ink by easy ambient sonic-spray ionization mass spectrometry (doi 10.1039/b923398a)
Autores: Priscila M. Lalli, Gustavo B. Sanvido, Jerusa S. Garcia, Renato Haddad, Ricardo G. Cosso, Denison R. J. Maia, Jorge J. Zacca, Adriano O. Maldaner and Marcos N. Eberlin.

Instantaneous characterization of vegetable oils via TAG and FFA profiles by easy ambient sonic-spray ionization mass spectrometry (doi 10.1039/b923272a)
Autores: Rosineide C. Simas, Rodrigo R. Catharino, Ildenize B. S. Cunha, Elaine C. Cabral, Daniel Barrera-Arellano, Marcos N. Eberlin and Rosana M. Alberici.

Molecularly imprinted polymers as analyte sequesters and selective surfaces for easy ambient sonic-spray ionization (doi: 10.1039/b923289c).
Autores: Eduardo Costa Figueiredo, Gustavo Braga Sanvido, Marco Aurélio Zezzi Arruda and Marcos Nogueira Eberlin.

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Professores, pesquisadores e alunos de universidades públicas e privadas com acesso ao site CAPES/Periódicos podem ler gratuitamente estes artigos da Analyst e de mais 22.440 publicações científicas.

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Postado também no JC E-Mail como "Destaque internacional".

O Prof. Dr. Marcos Nogueira Eberlin é membro da Academia Brasileira de Ciências e do NBDI - Núcleo Brasileiro de Design Inteligente.

Desconheço a posição dos demais autores desses trabalhos em relação ao DI.