Em novo livro Marcelo Gleiser 'assopra e morde' radicalmente a teístas, ateus e buscadores de teorias finais

sexta-feira, março 12, 2010

JC e-mail 3967, de 12 de Março de 2010.

24. Universo deselegante

Livro do cientista Marcelo Gleiser diz que a física foi iludida pela estética da simetria e tomou o caminho errado

A tentativa da física de explicar toda a natureza com um único conjunto de regras é a encarnação científica do monoteísmo. Essa é a tese que o físico Marcelo Gleiser -professor do Dartmouth College, de New Hampshire (EUA), e colunista da Folha- defende agora.

Em seu novo livro, "A Criação Imperfeita" (Ed. Record), ele explica por que acredita que fenômenos físicos em desequilíbrio revelam mais coisas sobre a origem do Universo do que as leis simétricas que sábios constroem para descrever o mundo desde a Grécia Antiga. Invertendo a máxima do poeta Vinicius de Moraes, Gleiser diz que "beleza não é fundamental" e que a elegante matemática que vem sendo usada para unificar a física não consegue ser mais do que metafísica.

O principal ataque do brasileiro é contra as teorias que tentam unir a relatividade de Einstein com a física quântica. Essa empreitada, considerada hoje o Santo Graal da ciência, uniria todas as forças da natureza (gravidade, eletromagnetismo e as forças nucleares) numa única explicação. O esforço para tal reúne desde físicos de partículas até cosmólogos.

Contudo, a chamada teoria das supercordas -a principal candidata ao cálice sagrado- existe há décadas sem conseguir propor um experimento que possa testá-la. No livro, Gleiser explica por que acha que os físicos estão apostando fichas demais numa linha de pesquisa ao assumir de antemão que há uma essência única subjacente a toda a realidade.

A criatividade na ciência, é claro, depende de uma certa liberdade de especulação, mas Gleiser nega estar tolhendo isso. Seu argumento é mais uma espécie de reverência à criatividade da natureza. Com seu talento narrativo, ele conta como gregos, renascentistas e físicos quânticos foram driblados pela realidade, uma vez após outra, sempre que acreditavam estar perto da "teoria final" capaz de explicar a essência de tudo.

"Estou voltando às raízes da ciência"

O novo livro do físico Marcelo Gleiser, 50, pode ser visto como um contraponto a um clássico da divulgação científica, "O Universo Elegante", de Brian Greene, defensor da chamada teoria das supercordas. Segundo essa linha de pesquisa, partículas elementares não são os componentes mais básicos da matéria, e sim minúsculas cordas que vibram em um universo de 11 dimensões.

Em "A Criação Imperfeita", o físico brasileiro ataca ideias por trás desse tipo de especulação, que partem do princípio de que existem simetrias ocultas por trás de uma realidade complexa. Em entrevista à Folha, Gleiser explica por que ele próprio mudou de ideia.

Leia entrevista com Gleiser:

- Por que o sr. não acredita que toda a física possa ser unificada em uma única teoria? É uma questão de limitação técnica ou o sr. acredita que não exista uma natureza única subjacente a tudo?

Existe um lado pragmático nessa pergunta, porque as informações que nós temos do mundo dependem daquilo que podemos medir. E o que podemos medir é limitado, pois nossos instrumentos têm precisão e alcance limitados. Então, sempre haverá algo sobre o mundo natural que não saberemos. Estou voltando às raízes das ciências naturais concebidas como ciências empíricas, e não metafísica.

O que eu tento dizer é que não há razão concreta empírica para a gente acreditar em uma unidade por trás de todas as coisas. Nesse livro, eu confronto a corrente dominante de pensamento na física de altas energias, que prega a busca de uma teoria unificada. Existe uma outra maneira de pensar o mundo que não é por simetrias.

É justamente o oposto: mostrar que as assimetrias é que são importantes. Isso cria toda uma nova estética da natureza.

- A desistência da busca por uma teoria final não pode soar como "derrotismo'? Que tipo de reação o sr. espera de outros físicos?

Já existe um grupo que nunca gostou dessas ideias de unificação e acha isso metafísica. Mas o pessoal da área de supercordas -como Brian Greene e Leonard Susskind, que se acham os caras mais importantes do mundo- defende isso. A Instituição Smithsonian queria fazer um debate comigo e com Greene, mas ele não topou. Também não sou dono da verdade a ponto de dizer "parem de trabalhar nas supercordas". O que digo é que, mesmo que eles cheguem a uma descrição razoável desse assunto, ela não será "a" teoria final.

- A busca de simetria em teorias tem a ver com busca de simplicidade. Porque isso é ruim?

Não tenho dúvida de que a busca por simetrias na natureza vai continuar a ser importante. Meu livro não é contra a simetria. Isso seria errado. A ideia de busca pela unificação pode continuar a funcionar e a inspirar muitas pessoas, mas é um erro transformar essa noção em dogma.

- O sr. critica o fato de as supercordas serem muito especulativas. Teorias não precisam ser especuladas antes de serem provadas?

Não estou dizendo que especulação é besteira. Pelo contrário: é preciso continuar a fazê-la. Agora, existe o perigo de você perder a noção de o que deve ou não ser feito. A ideia de supersimetria [a simetria entre partículas embutida na teoria das supercordas], por exemplo, foi proposta em 1974. Ela fez uma porção de previsões sobre alguns efeitos que poderiam ser observados em aceleradores de partículas a energias alcançáveis. Vários desses efeitos poderiam ter sido descobertos, mas não foram.

O que foi feito então? Voltaram à teoria, ajustaram alguns parâmetros, mas aí ela não poderia mais ser testada com a energia disponível nos aceleradores de partículas de então. Seria preciso esperar mais uns 15 anos. Assim, a coisa vira um ciclo.

- A tese da "navalha de Occam" diz que é preciso achar a teoria mais simples possível para descrever um fenômeno. O sr. concorda?

A navalha de Occam é válida, mas é levada a sério demais. Como você define simplicidade? Simplicidade é beleza? Aí a discussão se complica. A simplicidade às vezes tem mais a ver com facilidade de implementação, manipulação e um uso pragmático da teoria.

- O sr. argumenta que a religião monoteísta inspirou a busca pela teoria final, mas critica autores como Richard Dawkins e Daniel Dennett por ofenderem a religião. Seu livro não faz algo parecido?

Meu livro é antimonoteísta e critica a noção de que tudo vem de uma coisa só. Não escondo isso. E eu argumento que o "sobrenaturalismo" não é o caminho do conhecimento. Mas eu tenho a humildade, que Dawkins não tem, de aceitar que a ciência tem seu limite. Há questões além desse limite sobre as quais a ciência tem pouco a dizer. Se você me perguntar se eu sou ateu ou agnóstico, vou dizer que sou agnóstico.

(Rafael Garcia)

(Folha de SP, 12/3)

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NOTA DESTE BLOGGER:

Gleiser se confessa agnóstico, se distanciou radicalmente de Richard Dawkins, um homem a quem admiro pela sua honestidade e integridade ideológica, mas Gleiser é agnóstico por pragmatismo para vender livros junto aos crentes de subjetividades religiosas: o agnóstico é um ateu enrustido que teme sair do armário por razões pragmáticas. Aqui no caso de Gleiser: $$$.$$$.$$$,$$ que ele pode ganhar ocupando o vazio de Dawkins. O garoto-propaganda de Soros aprendeu rapidamente.