Vespa parasitoide é sequenciada

sexta-feira, janeiro 15, 2010


Por Alex Sander Alcântara


Agência FAPESP – Por matar insetos, as vespas parasitoides são conhecidas pelo potencial de controle biológico na agricultura. Isso já seria suficiente para ressaltar a importância do sequenciamento anunciado na edição desta sexta-feira (15/1) na revista Science, que dá novos rumos às pesquisas sobre a biologia do gênero Nasonia, mas essas pequenas vespas também representam um valioso modelo para estudos genéticos.


O trabalho, feito por um consórcio internacional com participação de pesquisadores brasileiros, resultou no sequenciamento dos genomas de três espécies de vespas parasitoides (Nasonia vitripennisN. giraulti e N. longicornis), no qual foram identificados 17 mil genes, incluindo aqueles responsáveis pela produção do veneno.






Em artigo publicado na Science, grupo de pesquisadores com participação brasileira descreve sequenciamento do genoma de vespas Nasonia, que tem papel importante no controle de pragas e como modelo para estudos genéticos (divulgação)




Os resultados apontam que 12% dos genes são específicos do gênero Nasonia, contra 2,4% compartilhados apenas entre os himenópteros (da ordem da qual fazem parte vespas, abelhas e formigas).


Os pesquisadores, coordenador por Jack Werren, da Universidade de Rochester, e por Stephen Richards, da Faculdade de Medicina Baylor, nos Estados Unidos, analisaram informações codificadas nas sequências nucleotídicas do DNA dos genomas sequenciados.


No conjunto, os achados desvendam as bases moleculares que vão desde a capacidade de adaptação ao ambiente, passando pelas rotas metabólicas e vias de produção de veneno, até aspectos biológicos que permitem o ataque a potenciais hospedeiros, além do uso desses insetos em programas de controle biológico de pragas.


Zilá Luz Paulino Simões, professora do Departamento de Biologia da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e uma das autoras do artigo, conta que a participação do grupo brasileiro se deu pela experiência anterior no conhecimento da biologia e da genética de abelhas produtoras de mel (Apis mellifera), em que foram identificados três grupos de genes responsáveis pelo desenvolvimento de estruturas morfológicas específicas em rainhas e operárias.


“Além de contribuir com a anotação do genoma de Nasonia, o grupo brasileiro desenvolveu, concomitantemente, um estudo com proteínas de estocagem conhecidas como hexamerinas, que também será publicado na revista Insect Molecular Biology, simultaneamente à publicação do genoma pela Science”, disse Zilá à Agência FAPESP.


Do lado brasileiro, também assinam os dois artigos Angel Roberto Barchuk, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Francis Nunes e Márcia Bitondi, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Alexandre Cristino (USP e Universidade de Queensland) e Valéria Aguiar Coelho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Zilá coordena o Projeto Temático “Genômica Funcional de Apis mellifera – Busca de novos genes e redes funcionais no contexto do desenvolvimento, da diferenciação de castas de reprodução”, apoiado pela FAPESP.


Ela destaca que pesquisadores brasileiros têm tido importância fundamental na análise do DNA de insetos. Depois da mosca-das-frutas (Drosophila), do mosquito vetor da malária na África (Anopheles gambiae) e da abelha produtora de mel, a vespa Nasonia é o quarto inseto a ter o genoma completamente sequenciado com participação de brasileiros.


“Os grupos que tiveram acesso à informação sobre o genoma obtiveram enorme avanço nas próprias pesquisas e uma penetração internacional muito forte. A partir de agora as pesquisas podem avançar muito mais rapidamente porque existem mais organismos para comparar”, disse.


Controle de pragas


Segundo Barchuk, professor do Departamento de Ciências Biomédicas da Unifal, metade dos genes codificadores de moléculas de veneno agora descritos era desconhecida.


“Novas abordagens serão possíveis a partir de agora com a decodificação da informação genética envolvida na síntese de cada uma das moléculas do veneno pela vespa. A grande variedade molecular implica uma rica farmacopeia a ser explorada com enorme potencial para a elaboração de novas drogas para uso em medicina e farmacologia e para o entendimento de seus modos de ação”, disse à Agência FAPESP.


Barchuk explica que os himenópteros – grupo de insetos ao qual pertence a vespa Nasonia – possuem muitas espécies que são parasitoides e que atacam vetores de doenças humanas como moscas, baratas e ácaros e também pragas da agropecuária, atuando como reguladores biológicos naturais.


“A mosca doméstica, por exemplo, carrega mais de 100 patógenos para humanos, responsáveis por problemas como conjuntivite, cólera e diarreia. As diarreias, particularmente, estão entre as maiores responsáveis por morbidades e mortalidades em países em desenvolvimento”, disse.


Os efeitos do veneno das vespas em seus hospedeiros incluem parada no desenvolvimento, alterações na fisiologia e no crescimento do organismo, supressão da resposta imune, indução de paralisia e morte celular.


Segundo Barchuk, já existem nos Estados Unidos programas sanitários que se baseiam no uso de parasitoides na agricultura para o controle de pragas que permitem uma economia anual estimada em US$ 20 bilhões.


“O conhecimento sobre o genoma dessas vespas e de seus produtos proteicos permitirá o uso extensivo da vespa no controle de insetos-pragas na agricultura, evitando o uso de pesticidas com comprovada ação negativa sobre a saúde humana”, disse.


A pesquisa publicada na Science destaca que as três espécies de vespa atacam e matam insetos, agindo como “bombas inteligentes” que procuram e matam somente espécies específicas de insetos e outros inimigos naturais. “Por isso, são preferíveis no lugar de pesticidas químicos”, afirmou Zilá Simões.
O estudo também descobriu que as vespas Nasonia têm adquirido genes de bactérias e de vírus (como um relacionado com o da varíola). Os pesquisadores não sabem por que isso tem ocorrido e o que tais genes estão fazendo nas vespas. Segundo eles, “a aquisição de genes pode ser um mecanismo importante para a inovação evolutiva nesse grupo de animais”.


Modelo ideal


Durante décadas, as moscas-das-frutas (Drosophila) têm sido usadas como modelo padrão para estudos genéticos, por serem pequenas, facilmente cultivadas em laboratórios e se reproduzirem rapidamente.
As vespas Nasonia também representam um importante organismo modelo, especialmente por serem haplodiploides, isto é, as fêmeas derivam de ovos fertilizados e carregam dois conjuntos de cromossomos, mas os machos se desenvolvem de ovos não fertilizados e, portanto, possuem apenas um conjunto cromossômico. Todos esses atributos fazem dessa vespa um verdadeiro “rato de laboratório”, ou seja, um modelo entre os insetos para estudos genéticos.


As vespas são capazes de modificar o seu DNA (por meio de um evento epigenético chamado de metilação) de maneira muito semelhante ao que ocorre em seres humanos e outros vertebrados e, curiosamente, diferente do observado em moscas-das-frutas.


Segundo Barchuk, os achados possibilitam a criação de um sistema modelo para estudos de genética do desenvolvimento e de genética evolutiva. “Poderemos abordar o estudo dos processos moleculares que vão desde a fecundação até o surgimento do organismo adulto e os responsáveis pelas mudanças morfofisiológicas e comportamentais de populações dessas três espécies. E, ainda, analisar a forma como essas espécies se diferenciam entre elas e de outros grupos de insetos”, destacou.


O artigo Functional and Evolutionary Insights from the Genomes of Three Parasitoid Nasonia Species (DOI 10.1126/science.1178028), de John Werren, Stephen Richards, Zilá L.P. Simões, Angel R. Barchuk Alexandre S. Cristino, Francis M.F. Nunes, Márcia MG Bitondi e outros, pode ser lido por assinantes da Science (DOI 10.1126/science.1178028) em www.sciencemag.org.