Espectrometria contra o crime

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Espectrometria contra o crime
6/1/2010

Por Fabio Reynol

Agência FAPESP – Descobrir em questão de segundos se uma cédula é falsa, se uma assinatura foi adulterada ou se o azeite de oliva é realmente puro são apenas algumas das aplicações da Easy Ambient Sonicspray Ionization Mass Spectometry (EASI-MS), técnica desenvolvida pela equipe do professor Marcos Nogueira Eberlin, no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Pesquisadores desenvolvem novas aplicações para a espectrometria de massa, como detectar cédulas falsas, modificações de documentos e adulterações de alimentos e combustíveis (Jornal da Unicamp)

A EASI-MS foi desenvolvida no âmbito do Projeto Temático “Desenvolvimento e estudo de materiais funcionais e estruturais dentro da perspectiva da complexidade”, apoiado pela FAPESP, e teve a participação do doutorando Gustavo Braga Sanvido e do estudante de pós-doutorado Renato Haddad, ambos bolsistas da Fundação.

Diferentemente das técnicas convencionais de espectrometria de massa, a EASI-MS não exige a preparação da amostra a ser analisada, o que agiliza muito o processo. Para descobrir se uma nota é verdadeira ou não basta inseri-la no espectrômetro de massa. Um spray ionizante é lançado sobre ela e libera íons (partículas eletricamente carregadas) que funcionam como uma “impressão digital”.

“A nota autêntica possui um perfil químico muito característico e o processo detecta até mesmo falsificações feitas a partir de cédulas verdadeiras que são lavadas e posteriormente pintadas com valores maiores”, disse Eberlin.

Isso ocorre porque os chamados íons diagnósticos da nota verdadeira estão no papel e não na tinta. “Para burlar esse método de detecção só mesmo imprimindo dinheiro dentro da Casa da Moeda”, disse.

A análise foi aplicada com sucesso em notas de real, euro e dólar. Para conseguir exemplares de dinheiro falsificado, a equipe contou com apoio da Polícia Federal e do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Além da falsificação de dinheiro, os peritos policiais também precisavam de uma solução para detectar adulterações em documentos. Entre os materiais submetidos estava uma carteira de trabalho. A Previdência Social desconfiava de uma adulteração no campo referente ao tempo de serviço e a equipe da Unicamp comprovou a fraude por meio da EASI-MS.

“A tinta não envelhece na caneta, o envelhecimento começa após o contato com o papel”, explicou o pesquisador. Com isso, a equipe verificou que é possível diferenciar traços feitos com a mesma tinta em épocas distintas.

Sem destruir o documento, a espectrometria de massa identifica quais partes da escrita são antigas e quais foram acrescentadas posteriormente, em um grau de detalhamento que permite localizar os pontos de cruzamento entre os traços e revelar qual está por cima. Atualmente, esse tipo de análise de documentos é feito por meio de observações com microscópios, o que é mais impreciso e demorado.

Rastreamento e fiscalização

A nova técnica também pode auxiliar em outra área importante da criminalística: o tráfico de drogas. Ao decompor entorpecentes, a EASI-MS detalha a composição química e com ela fornece dados importantes para a polícia rastrear a fonte do produto.

“As substâncias encontradas são traçadores químicos de origem. As impurezas presentes na cocaína vinda da Colômbia, por exemplo, são diferentes das observadas na droga produzida na Bolívia”, explicou Eberlin.

Com isso, os policiais poderão contar com uma informação precisa e que hoje só pode ser obtida por meio do depoimento de traficantes presos. Com a colaboração das polícias Civil e Federal, o laboratório da Unicamp realizou com sucesso análises de comprimidos de ecstasy, de lotes contrabandeados de suldenafil – princípio ativo de remédios para impotência sexual – e da cocaína.

Além do ramo criminal, a nova técnica também poderá auxiliar os serviços de fiscalização e de inspeção de produtos. A EASI-MS, por exemplo, fornece com exatidão o teor de óleo de soja presente em uma amostra de azeite de oliva e identifica possíveis contaminantes. Saber se um determinado uísque foi adulterado, ou se foi mesmo envelhecido pelo tempo que consta no rótulo, é outra possibilidade.

Essas mesmas aplicações valem para uma infinidade de produtos. A equipe de Eberlin já foi consultada para analisar a qualidade e o tipo de óleos presentes em amostras de biodiesel e para verificar o conteúdo de óleos cosméticos.

“Uma indústria de cosméticos que trabalha com produtos da Amazônia, como jaborandi e andiroba, queria saber se os óleos que recebia dos fornecedores eram realmente feitos dessas matérias-primas”, contou.

Os métodos convencionais para determinar a composição de óleos envolvem processos trabalhosos e demorados como hidrólise seguida de derivatização para extrair componentes. O tempo de análise de uma amostra realizada com essas técnicas equivale ao tempo médio de 100 ou 200 análises feitas pela EASI-MS.

Além disso, existem outras tecnologias de análise que necessitam de recursos complexos, como laser, alta voltagem ou lâmpadas especiais. A EASI-MS, ressalta Eberlin, é uma adaptação mais simples, feita em um espectrômetro de massa e que utiliza água e etanol como spray de ionização.

As facilidades da técnica aliadas ao seu baixo custo despertaram o interesse de órgãos de controle de qualidade e de certificação como o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), além dos dois parceiros do projeto, a Polícia Civil de São Paulo e a Polícia Federal.

Os trabalhos produzidos no âmbito do Projeto Temático FAPESP já resultaram em 25 artigos científicos publicados em periódicos internacionais como Analytical Chemistry e Journal of Forensic Science, da American Chemical Society, The Analyst, da Royal Society of Chemistry, e Journal of Mass Spectrometry e Rapid Communications in Mass Spectrometry, da Wiley.

O próximo passo do projeto, segundo Eberlin, é difundir e viabilizar a aplicação da tecnologia por meio da miniaturização dos espectrômetros de massa.

Apesar de já existir modelos portáteis, com cerca de quatro quilos, os mais utilizados nos laboratórios têm o tamanho de uma geladeira e os menores são um pouco maiores que um forno de micro-ondas. Com a ampliação das aplicações, o pesquisador acredita que o preço do aparelho, cerca de US$ 20 mil hoje, também deverá encolher.

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NOTA DESTE BLOGGER:


O Prof. Dr. Marcos Nogueira Eberlin, Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é membro da Academia Brasileira de Ciências, e do NBDI - Núcleo Brasileiro de Design Inteligente.

Foto: Unicamp