Em busca da computação quântica

quinta-feira, janeiro 21, 2010


21/1/2010
Por Fabio Reynol
Agência FAPESP – Velocidade de processamento maior do que o mais avançado computador atual – exponencialmente maior. Isso é uma das vantagens que se espera do sistema computacional baseado nos conceitos da física quântica, que atualmente ainda se encontra na teoria.
Mas pesquisas feitas em diversos países têm avançado o conhecimento na área de forma constante, como um trabalho feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que acaba de dar um passo importante para a construção do computador quântico em um futuro próximo.
A pesquisa, desenvolvida pelo Professor Walter Carnielli, do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência e do Departamento de Filosofia, e por seu orientando de doutorado, com Bolsa da FAPESP, o colombiano Juan Carlos Agudelo, dá pistas para o avanço da informática quântica ao utilizar a lógica paraconsistente como fundamento para a elaboração de algoritmos voltados a esse modelo.





Pesquisa realizada na Unicamp utiliza a lógica paraconsistente como fundamento para a elaboração de algoritmos e impulsiona o conhecimento para se construir o computador quântico (Foto: Universidade James Madison)


O trabalho foi realizado no âmbito do Projeto Temático “Logical Consequence and Combinations of Logics – Fundaments and Efficient Applications”, apoiado pela Fundação e coordenado por Carnielli.
A computação quântica é fundamentada em conceitos criados pela física quântica como o da superposição (quando uma partícula está em diferentes condições contraditórias simultaneamente) e do entrelaçamento (quando a alteração em uma partícula provoca o mesmo efeito em outra que se encontra distante).
Segundo Carnielli, assim como a física clássica não apresenta resposta para situações de contradição em sistemas físicos, tampouco a lógica booleana, na qual os computadores atuais se baseiam, consegue responder a configurações em que as cláusulas sejam contraditórias.
A solução encontrada pelos pesquisadores foi utilizar a chamada “lógica paraconsistente”, capaz de obter resultados racionais mesmo nos casos em que duas ou mais condições não possam ocorrer (na lógica clássica) ao mesmo tempo.
Por exemplo, um comando que indique virar à esquerda e à direita simultaneamente. “Ou, mais dramaticamente, a transmissão de informações contraditórias de velocidade ao computador de bordo, como no caso da queda do voo 447 da Air France. A falta de controle racional da contradição tem como consequência, num caso desses, o desligamento do piloto automático, obrigando o comandante a pilotar sem nenhum instrumento, o que é extremamente difícil”, disse Carnielli.
Em sua tese de doutorado, intitulada “Computação Paraconsistente: Uma Abordagem Lógica à Computação Quântica”, Agudelo criou um modelo teórico que pode inspirar a criação de softwares para os computadores quânticos. “Ao elaborar circuitos paraconsistentes, simulamos uma proposta de circuitos quânticos”, disse Agudelo.
O pesquisador idealizou um computador que funciona com a lógica paraconsistente. Utilizando o esquema idealizado pelo matemático britânico Alan Turing (1912-1954), o cientista da computação esboçou uma máquina na qual corre uma fita dividida em células. A cabeça de leitura lê apenas uma célula por vez, a qual contém um sinal gráfico e um comando que corresponde a correr para a direita ou para a esquerda.
Na versão quântica, essa concepção moderna da máquina de Turing admite não um, mas um conjunto de posições que seriam inconcebíveis para a lógica clássica, como, por exemplo, um comando que faça a fita correr para a esquerda e para a direita simultaneamente. “Na lógica paraconsistente esses estados são superpostos, como se fossem empilhados”, explicou Agudelo.
Criptografia quântica
Segundo Carnielli, a originalidade do trabalho está na associação da lógica paraconsistente à computação quântica. Mesmo traçando modelos iniciais básicos, eles poderão abrir caminhos para uma produção de softwares quânticos.
A mera expectativa da computação quântica já tem aquecido o mercado de software, ressalta o professor da Unicamp. Universidades já começam a esboçar programas quânticos e empresas já anunciam sistemas de criptografia nesse novo paradigma.
“Os sistemas de criptografia atuais se baseiam em um código formado por um número grande que, para ser quebrado, deve ser decomposto em números primos”, explicou. Quanto maior forem esses fatores primos, mais difícil será a descoberta do código.
No entanto, com o advento do modelo de processamento quântico essa criptografia tradicional será atacada com muita facilidade, estima Carnielli. “O esquema criptográfico conhecido como RSA, largamente utilizado no comércio digital, em bancos e compras com cartões de crédito pela internet, baseia-se no fato de que é computacionalmente muito difícil conseguir fatorar um número grande no produto de dois números primos”, disse.
“O tempo estimado, por exemplo, para se conseguir fatorar um número de 2048 bits (chave de uma criptografia RSA) ultrapassaria a idade da Terra. Um algoritmo quântico, no entanto, realizaria essa tarefa em menos de 6 horas. Dessa forma, com os computadores quânticos as chaves RSA perderiam completamente sua eficácia. Esse problema motivou a criação da criptografia quântica. Nessa tendência, crescem os investimentos feitos em pesquisas de criptografia quântica a fim de fazer frente aos futuros computadores e apresentar um sistema de codificação praticamente inexpugnável”, disse.
Para o professor da Unicamp, as máquinas quânticas devem começar pequenas. “Antes do computador quântico, devem surgir estruturas mais simples, como o chip e o mouse quântico”, indicou.
Para tanto, é fundamental uma engenharia de software que contemple o novo paradigma. Por conta disso, o trabalho feito na Unicamp tem chamado a atenção da comunidade internacional.
A tese de Agudelo gerou um artigo produzido em parceria com Carnielli (Paraconsistent Machines and their Relation to Quantum Computing –odoi:10.1093/logcom/exp072k), publicado em 2009 no Journal of Logic and Computation, publicação da editora da Universidade de Oxford, e está sob avaliação de outros periódicos especializados.
Carnielli ressalta que a computação quântica é uma nova fronteira a ser explorada do ponto de vista científico, industrial e comercial. “Aspectos essenciais a serem explorados são as correlações não-clássicas e a grande variedade de graus de liberdade em alto grau de desempenho computacional. A questão é estratégica a ponto de não poder ser negligenciada em nenhum aspecto da computação, ainda mais quando se têm presentes as limitações impostas pela chamada Lei de Moore”, disse.
Um projeto ambicioso envolvendo um time de especialistas e parceiros estratégicos, liderado por Waldyr Alves Rodrigues Jr. (Steriwave Quantum Computing UK-Brazil e Unicamp),  Dario Sassi Thober (Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun, de Campinas) e Carnielli pretende atacar a questão sob vários aspectos, incluindo matemática, física, lógica, engenharia de processos e e-comércio, focando em especial as áreas de lógica quântica e criptografia quântica e suas aplicações comerciais e industriais.
“O projeto, que envolve alto custo e considerável complexidade, encontra-se em fase de negociação para financiamento por parte de empresas estrangeiras, prevendo um prazo de implantação inicial de dois anos e a criação de empresas incubadas”, explicou Carnielli.