Brasileiro e equipe chinesa descobrem novo réptil voador

quinta-feira, novembro 12, 2009

JC e-mail 3887, de 11 de Novembro de 2009.

16. Brasileiro e equipe chinesa descobrem novo réptil voador

Pterossauro de 140 milhões de anos apresenta mosaico de traços primitivos e outros mais modernos, afirma pesquisa

Reinaldo José Lopes escreve para a "Folha de SP":

Há mais de 140 milhões de anos, um pequeno réptil voador cujos parentes estavam sumindo da Terra quebrou a pata -um ferimento que parece ter levado o bicho à morte. Seus restos acabam de ser descritos como uma nova espécie de pterossauro, que mistura traços primitivos com outros mais "moderninhos" e traz novas pistas sobre a evolução das asas desses animais misteriosos.

Um dos "pais" científicos do bicho é o paleontólogo brasileiro Alexander Kellner, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O pesquisador trabalhou com Xiaolin Wang e seus colegas do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia de Pequim. Isso porque o pterossauro vivia onde hoje é a Província de Liaoning, nordeste da China, um dos locais mais ricos do mundo em fósseis da era dos dinossauros.

"Embora esteja bem próxima da base da árvore [genealógica] dos pterossauros, a espécie apresenta tanto características primitivas quanto derivadas [ou seja, mais diferenciadas em relação ao ancestral comum do grupo]", disse Kellner à Folha.

Nas pontas

As duas pontas do que sobrou do esqueleto do bicho exemplificam isso bem. Por um lado, ele apresenta uma cauda comprida, coisa que sumiu das espécies mais tardias de pterossauros. Por outro, trata-se de um animal pescoçudo -traço típico do "design" dos répteis voadores que predominaram depois dele, pertencentes a outro subgrupo de pterossauros.

"O pescoço longo evoluiu de forma independente nos dois subgrupos, talvez para aumentar o raio de ação na caça", diz Kellner. O mais provável é que o bicho, a julgar pelos dentes, adotasse um menu de insetos.

Batizado de Wukongopterus lii, o animal apresenta outro detalhe significativo, afirma o paleontólogo. Trata-se da forte curvatura do quinto dedo das patas do pterossauro, o que provavelmente sugere que esse dedo servia para ancorar um pedaço misterioso da membrana voadora da espécie.

Esse pedaço é conhecido como uropatágio ("membrana da cauda"), ficando entre as patas do bicho. Sua existência é controversa porque raramente os pesquisadores dão a sorte de achar espécimes com a membrana bem preservada. Assim, há diferentes maneiras de reconstruir as asas dos bichos, algumas sem uropatágio.

Nesse ponto, a má sorte do Wukongopterus lii pode, ao menos, ter ajudado os pesquisadores. A análise do fóssil sugere que a pata do bicho foi quebrada ainda em vida e não chegou a se soldar de novo -daí a ideia de que isso teria matado o animal. Apesar disso, o osso quebrado continuou muito próximo do resto do membro, o que sugere que o uropatágio o segurou no lugar.

A pesquisa sobre a nova espécie está em artigo na revista especializada "Anais da Academia Brasileira de Ciências".

Grupo tinha pelos, sangue quente e voo

Repita três vezes o mantra de muitos paleontólogos mundo afora: "pterossauros não são dinossauros". É natural as pessoas confundirem os grupos -afinal, o nome é parecido, e eles conviveram durante mais de 100 milhões de anos-, mas dizer que os pterossauros eram dinossauros é mais ou menos a mesma coisa que afirmar que os jacarés de hoje também o são.

Na verdade, todos esses bichos -jacarés, dinossauros e pterossauros- provavelmente descendem de um ancestral comum que viveu no começo do Triássico, há quase 250 milhões de anos. Juntos, eles são conhecidos como arcossauros.

Embora facilite o entendimento chamar os pterossauros de "répteis voadores", eles tinham um estilo de vida bem distinto de qualquer réptil de hoje. Para começar, muitos, ou talvez todos, tinham o corpo coberto de pelos eriçados, que o paleontólogo Alexander Kellner compara às cerdas de uma vassoura. Isso, mais o metabolismo (funcionamento do organismo) acelerado necessário para voar, indicam que os pterossauros tinham sangue quente, como os mamíferos de hoje.

Análises do interior do crânio (via tomografia computadorizada) e das membranas que foram preservadas mostram que os bichos conseguiam ajustar de forma precisa a posição e até o formato das asas em pleno voo.

A chapada do Araripe, no Nordeste brasileiro, é fonte de alguns dos fósseis mais importantes do grupo no mundo. Daí a experiência de Kellner com o grupo, que levou à parceria com os chineses. É o quinto trabalho do grupo em conjunto.
(Folha de SP, 11/11)