Darwin deu asas científicas à imaginação

terça-feira, novembro 24, 2009

JC e-mail 3895, de 23 de Novembro de 2009.

25. Darwin deu asas científicas à imaginação, artigo de Nélio Bizzo

"Passados 150 anos, Darwin estaria contente. A longa série de fósseis entre um mamífero terrestre e a baleia foi praticamente completada nos últimos 30 anos"

Nélio Bizzo é professor da USP e autor de Darwin no Telhado das Américas (Odysseus, 2009). Artigo publicado em "O Estado de SP":

O livro mais famoso de Charles Darwin, Origem das Espécies, foi publicado em novembro de 1859 em torno de muita expectativa. Seu autor se notabilizara como um bem relacionado homem da ciência britânica e tinha finalmente decidido publicar suas ideias evolucionistas em livro.

Vinha sendo aguardado como a obra que lançaria luz não apenas no passado, mas também no futuro da humanidade: "Se um macaco originou o homem, o que não poderá se originar a partir dele?", perguntava uma resenha às vésperas do lançamento. Como Darwin não contestou a resenha (algo laudatória), acabou ficando famoso por essa polêmica afirmação, que não estava no livro.

As resenhas negativas vieram em seguida, lançando dúvidas sobre questões teóricas, como a idade de uma formação do Cretáceo da Inglaterra, que o livro estimava em 306.662.400 anos. A evolução da baleia foi outro exemplo. O livro dizia que os cetáceos deveriam ter se originado de um mamífero terrestre [NOTA DO BLOGGER 1: um urso!] e não de répteis aquáticos, como preferiam os evolucionistas lamarckistas.

Algumas resenhas faziam troça de Darwin, com perguntas que procuravam ridicularizá-lo. Como um molusco bivalve poderia transitar de um continente a outro? "Batendo suas valvas como uma ave?", perguntava um crítico, que acusava Darwin de preencher com sua bela imaginação a simples falta de evidências empíricas. [NOTA DO BLOGGER 2: Darwin não tinha evidências empíricas para o fato da evolução por meio da seleção natural, tanto é que pediu licença aos leitores para utilizar duas analogias para 'corroborar' suas teses transformistas.]

Passados 150 anos, Darwin estaria contente. A longa série de fósseis entre um mamífero terrestre e a baleia foi praticamente completada nos últimos 30 anos. Sabemos que em 50 milhões de anos um animal parecido com um cachorro originou as formas atuais de cetáceos. [NOTA DO BLOGGER 3: Bizzo sabe existem dificuldades encontradas pelos cientistas quando tentam reconciliar as árvores filogenéticas baseadas em moléculas e as árvores filogenéticas baseadas em morfologia. Vide GURA, Trisha, "Bones, Molecules or Both?", Nature, Vol. 406:230-233, July 20, 2000] [1] O calcário do Cretáceo inglês, de fato, não era tão antigo, mas tem seus 85 milhões de anos, o que está de acordo com a perspectiva de tempo geológico de Darwin.

Mas Darwin teve grande satisfação ainda em vida. Seu último artigo publicado (Nature, 1882) trazia uma síntese de relatos recebidos por carta, de bivalves aderidos a animais voadores, inclusive uma ave migratória.

Os correspondentes atestavam que os bivalves não batiam suas valvas, mas podiam percorrer grandes distâncias na carona de aves e besouros. Fato curioso: um dos correspondentes era o avô de Francis Crick, que ganharia o Nobel por elucidar a estrutura do DNA. Avô e neto ajudaram a preencher com evidências o que se exigia da imaginação científica.
(O Estado de SP, 22/11)

NOTA

1. Vide que as 'asas científicas à imaginação' de Darwin carecem de evidências:

"As morphologists with high hopes of molecular systematics, we end this survey with our hopes dampened. Congruence between molecular phylogenies is as elusive as it is in morphology and as it is between molecules and morphology." (Colin Patterson et al., "Congruence between Molecular and Morphological Phylogenies", Annual Review of Ecology and Systematics, Vol 24, pg. 179 (1993).)

"That molecular evidence typically squares with morphological patterns is a view held by many biologists, but interestingly, by relatively few systematists. Most of the latter know that the two lines of evidence may often be incongruent." (Masami Hasegawa, Jun Adachi, Michel C. Milinkovitch, "Novel Phylogeny of Whales Supported by Total Molecular Evidence," Journal of Molecular Evolution, Vol. 44, pgs. S117-S120 (Supplement 1, 1997).)

"[T]he wealth of competing morphological, as well as molecular proposals [of] the prevailing phylogenies of the mammalian orders would reduce [the mammalian tree] to an unresolved bush, the only consistent clade probably being the grouping of elephants and sea cows." (W. W. De Jong, “Molecules remodel the mammalian tree,” TREE, Vol 13(7), pgs. 270-274 (July 7, 1998).)