USP registra aumento de alunos, mas número de professores encolhe

terça-feira, outubro 20, 2009

JC e-mail 3871, de 19 de Outubro de 2009.

15. USP registra aumento de alunos, mas número de professores encolhe

Expansão nos últimos 20 anos se deve à política de inclusão; ritmo de criação de novas vagas de docentes é lento

Renata Cafardo e Simone Iwasso escrevem para "O Estado de SP":

Em 20 anos, a Universidade de São Paulo (USP) cresceu em alunos, cursos e vagas no vestibular, mas encolheu no número de professores e funcionários. Os movimentos opostos, segundo docentes e estudantes ouvidos pelo Estado, aumentaram a carga de trabalho, lotaram salas de aula e sobrecarregaram a estrutura da instituição.

A expansão da universidade mais produtiva do país é fruto de uma política de inclusão que incentivou cursos noturnos, novas graduações e unidades em áreas distantes, como a zona leste da capital. O número de alunos de graduação e pós cresceu mais de 70% desde 1989. Também foram criados 108 novos cursos. Mas o aumento de aposentados - o número quase dobrou no período e eles permanecem na folha de pagamento da USP - inibiu a criação de mais vagas para docentes.

Entre 1989 e 2007 (números oficiais mais recentes) houve queda de 3% na quantidade de professores e de 14,2% de funcionários. O Estado procurou a reitoria para falar sobre os dados, que constam no anuário da USP. A assessoria de imprensa enviou, por e-mail, números de professores referentes a 2008 e 2009. No ano passado, a quantidade teria chegado a 5.638 e neste ano, a 5.740, um aumento de 2% em relação a 1989. Segundo a reitoria, outras 516 vagas foram autorizadas, mas os docentes não foram contratados.

De fato, nos últimos anos, o número de docentes começou a reverter a tendência de queda. Mesmo assim, o crescimento não se aproxima da expansão de alunos. No período, o orçamento da USP, que vem da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cresceu em R$ 1 bilhão.

Professores ouvidos pelo Estado relatam uma rotina de 12 horas diárias de trabalho - período que não necessariamente é dedicado às aulas ou pesquisas. "Gasta-se muito tempo com burocracia em vez de estar criando conhecimento", diz o professor titular do Instituto de Química da USP Mauro Bertotti.

Por burocracia entende-se participar de comissões semanais para resolver problemas do departamento ou da universidade, registrar notas ou frequência dos alunos no sistema, dar pareceres. "A gente não pode funcionar como órgão burocrático. Isso prejudica o ensino e a pesquisa. Sem funcionários, aumenta a carga administrativa dos professores", conta Sergio Souto, da Faculdade de Zootecnia, em Pirassununga.

Bertotti lembra que, ao organizar um curso de inverno, teve até de reservar hotel para os alunos de fora de São Paulo. "Daqui a pouco vai chegar o dia em que o docente terá de verificar se o banheiro está limpo ou não." Salas super lotadas se tornaram comuns principalmente em disciplinas introdutórias, que devem ser cursadas por alunos de várias áreas. Por causa da grande procura e poucos professores, alunos precisam esperar às vezes mais de um ano por um lugar na sala de aula. São disciplinas obrigatórias, ou seja, não é possível se formar sem frequentá-las.

"Nossa formação fica cheia de lacunas porque não há professor suficiente para dar conta da demanda. Preciso fazer aula de estatística, que é obrigatória, e não consigo vaga há dois semestres", diz o aluno de Ciências Sociais Tiago Aguiar.

Quando o estudante consegue vaga, enfrenta salas muitas vezes com mais de cem alunos - sem microfone, ar-condicionado ou sistema de ventilação. Nos cursos à noite, não há secretaria aberta. Os uspianos também reclamam da falta de segurança. "No noturno, tenho turmas com mais de cem alunos e, no diurno, entre 40 e 50. É evidente que o aproveitamento é menor. Uma aula desse tamanho vira conferência", diz José Álvaro Moisés, professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Políticas (FFLCH).

Há 35 anos na USP, ele diz que a relação professor/aluno tem caído nas últimas décadas de maneira prejudicial. "Quando cresce a demanda e mantém estável a oferta de serviços, a qualidade tende a cair."

Salários

Apesar das greves frequentes, os professores reclamam mais das condições de trabalho que do salário. Hoje, o menor salário de titular com dedicação exclusiva é R$ 9.642,43, mas há gratificações a cada 5 ou 20 anos. O iniciante, com dedicação exclusiva e sem doutorado, ganha R$ 3.240,84.

A reitoria aprovou neste ano um plano de carreira que permite aumento gradual por meio de avaliação de desempenho. A mudança foi bloqueada na Justiça a pedido da Associação dos Docentes (Adusp).

Uma eventual consequência do excesso de trabalho seria a prática recente de professores se juntarem para dar apenas uma disciplina e, assim, se revezar nas aulas. Para docentes que discordam desse comportamento, isso ocorre porque os colegas trabalham também para as chamadas fundações de apoio, uma polêmica antiga na instituição. Essas entidades oferecem consultorias e cursos de extensão pagos.

"Eles não dão aula no noturno, não aparecem. Muitas vezes dois se encarregam de uma disciplina", conta um professor que pediu para não ser identificado.

"Já cursei três disciplinas assim, os professores avisam no primeiro dia que vão juntar as turmas e dar a aula em parceria. Em uma delas, foram três professores, cada um apareceu uma parte do semestre", conta Juliana Nazaré, de 23 anos, estudante do 2º ano de Pedagogia. "Quem está no fim do curso sofre com a questão dos estágios, porque professores não fazem a supervisão e o acompanhamento direito. Nossas dúvidas passam batido", conta.

A dificuldade na supervisão de estágios, segundo Adrián Fajul, professor titular de espanhol da FFLCH, está no aumento dos cursos de licenciatura. "No projeto de Letras seriam contratados dois professores e dois auxiliares para cada licenciatura, mas a reitoria só contratou metade", diz.

Docentes reclamam até da tecnologia. "Quando comecei a orientar na pós, o aluno ficava dois meses na biblioteca pesquisando. Agora, em um dia, ele chega com dez artigos lidos do mundo todo, que baixou pela internet", diz o professor titular da Faculdade de Educação Nelio Bizzo, que está na USP há 20 anos. "Apesar de não ter aulas, não conheço um docente que não trabalhe aos sábados."

Contratação de docentes beneficia o interior

As faculdades e os institutos da USP no interior do Estado foram os que mais aumentaram o número de professores nos últimos anos, quando a tendência de queda se reverteu. Entre 2004 e 2007 (números oficiais mais recentes), as unidades da capital expandiram, no máximo, em 9% seu quadro docente. Algumas escolas tradicionais como Direito, Politécnica e Medicina até perderam professores no período.

Já em Ribeirão Preto, São Carlos e Pirassununga só houve crescimento, com até 38% de professores a mais. A Escola de Enfermagem de Ribeirão, por exemplo, aumentou de 70 para 87 professores nestes quatro anos (24%). No mesmo período, o número de alunos cresceu 12%. A reitora Suely Vilela, que assumiu o em 2005, é professora dessa unidade.

Os críticos da gestão atual a acusam de ter dado preferência a novas vagas na USP do interior. Professores da capital dizem que querem eleger agora um reitor de unidades paulistanas. A reitora acaba se filiar ao PSB e pode concorrer a uma vaga de deputada, com votos principalmente da região de Ribeirão Preto.

"Acredito que as unidades do interior foram mais ousadas na questão da expansão do que as da capital", analisa Luis Nunes de Oliveira, professor titular de Física do campus de São Carlos.

A unidade tinha, há cerca de cinco anos, 50 docentes. Atualmente, está com 80. "Novos cursos foram criados no campus e professores contratados. Temos problemas agora com infraestrutura."
(O Estado de SP, 18/10)