Qualidade da divulgação científica é usada em ensino de BIOLOGIA na UnB

sexta-feira, outubro 09, 2009

Qualidade da divulgação científica é usada em ensino de bioquímica na UnB

Por Ana Paula Morales
07/10/2009

O jornalismo científico, geralmente utilizado para a divulgação de temas relacionados à ciência para a população em geral, segue o caminho de volta para o meio acadêmico, em iniciativa inovadora no ensino na Universidade de Brasília (UnB). Na disciplina de bioquímica clínica dos cursos de medicina e nutrição, os alunos têm os seus conhecimentos avaliados a partir da análise de textos retirados de jornais, revistas e sites sobre ciência e saúde. As experiências obtidas com a nova proposta pedagógica, desenvolvida e aplicada por Marcelo Hermes-Lima, professor do Departamento de Biologia Celular, serão publicadas em breve na revista científica Biochemistry and Molecular Biology Education.

Segundo os autores do artigo, a decisão de usar esse método na avaliação formal dos estudantes vem da ideia de que a habilidade de reconhecer equívocos nos textos selecionados requer um bom conhecimento biomédico. A mídia também poderia, segundo os pesquisadores, ser utilizada como uma ferramenta para diminuir a distância entre os profissionais da saúde e pacientes. “No futuro, os alunos serão profissionais e terão que encarar a forte influência da mídia em como os seus pacientes percebem e lidam com assuntos relacionadas à saúde”, diz Hermes-Lima.

Nas provas, preparadas pelo professor em parceria com alunos-tutores que frequentam o curso avançado de bioquímica, são utilizados textos da grande mídia que apresentam conteúdos corretos ou que contenham erros, entre textos de blogs, revistas semanais e femininas e jornais de grande circulação.

O distanciamento da fonte é apontado por Hermes-Lima como o principal problema que acarreta nos erros encontrados, inclusive na mídia considerada de credibilidade. “A idéia é jogar com mitos e desmistificar a fonte”, comenta. Veículos de divulgação científica considerados muito confiáveis, como a revista Pesquisa Fapesp, por exemplo, não são utilizados nas avaliações dos alunos, pois nesses casos, segundo o pesquisador, o jornalista é especializado e tem tempo de apurar as informações, o que evita que tais erros aconteçam.

A prova, toda do tipo verdadeiro ou falso (V/F) – como o vestibular da UnB –, é realizada semestralmente, ao final do curso, e já está na sua vigésima primeira edição. Os alunos respondem a três tipos de questões (veja exemplos no box ao final). Nelas, eles devem avaliar fragmentos de textos jornalísticos, comentários relacionados ao tema ou julgamentos feitos pelos alunos-tutores a partir de textos retirados da mídia. Cada prova é temática e reflete assuntos aprendidos e discutidos em aula, como colesterol, obesidade e diabetes. “Os testes do tipo V/F não foram elaborados somente para avaliar o que foi discutido durante as aulas, mas para avaliar se os estudantes aprenderam a utilizar os conhecimentos que obtiveram”, argumentam os autores do trabalho.

Dificuldade com o fim do “decoreba”

No artigo prestes a ser publicado, são apresentados os resultados obtidos a partir da análise de quatro provas, num total de 192 questões, realizadas por 258 alunos. A nota média encontrada, de 5,85 (numa escala de zero a dez), foi considerada baixa pelos pesquisadores. “Provavelmente, porque os alunos não estão familiarizados com esse tipo de prova, que não coloca ênfase na memorização das vias e processos bioquímicos, e que, ao contrário, avalia a compreensão e a aplicação do conhecimento”, dizem. Segundo os autores, esse tipo de avaliação requer um conhecimento mais profundo do conteúdo, quando comparado aos exames que valorizam somente a memorização.

Ao final da prova, os alunos responderam também um questionário optativo sobre aquela proposta. Apesar de a maioria dos estudantes (60%) classificarem esse tipo de prova como difícil, 64% a consideraram satisfatória em relação à abrangência do conteúdo aprendido e a grande maioria a considerou de boa qualidade (87%). Além disso, 69% dos alunos demonstraram acreditar que a mídia tem grande relevância para o aprendizado de assuntos relacionados à saúde.

Atividades alternativas

O realizador da pesquisa, que estuda formas inovadoras de ensino há mais de dez anos, também utiliza outros métodos alternativos de ensino e avaliação no curso. A partir do primeiro semestre de 2008, os alunos passaram a desenvolver blogs sobre os assuntos apresentados por eles em seminários durante as aulas. A ideia foi tão bem aceita entre os estudantes que os próprios blogs passaram a ser utilizados na preparação dos testes.

Outras disciplinas da área médica poderiam aplicar esse tipo de exame. Segundo os autores, textos relacionados a temas como imunologia, endocrinologia, farmacologia, epidemiologia e oncologia, que estão sempre presentes na mídia, comumente apresentam erros. “Possibilitar que os estudantes questionem e sejam críticos em relação à informação que recebem, especialmente da mídia, é um aspecto fundamental e desafiante no desenvolvimento de futuros bons médicos e nutricionistas”, ponderam.

Exemplos de questões utilizadas nas provas:
Questão tipo A
(V ou F) “Além de melhorar a qualidade de vida no processo de envelhecimento, o chá verde combate o stress, auxilia no tratamento do colesterol e inibe os níveis de leptina no sangue, proteína que favorece a absorção de gordura, e age, portanto, como um importante coadjuvante no emagrecimento”.
Fonte: Delas – O Portal da Mulher.

Questão tipo B
“A importância do colesterol é diferente para pessoas obesas, para os fumantes, para mulheres que não estão na menopausa e para as pessoas com fatores de risco que se exercitam regularmente. Na ausência de fatores de risco importantes, níveis de colesterol elevados oferecem pequeno risco”.
Otávio Rizzi Coelho, presidente da Sociedade de Cardiologia de São Paulo na revista Época, junho de 2004.

(V ou F) Apesar de estar intimamente relacionado com a obesidade e doenças cardíacas, o colesterol também é bom para sua saúde. É adquirido exclusivamente na dieta e é essencial, porque, por ser um importante precursor dos hormônios esteróides e da vitamina D, o colesterol é também essencial para a fluidez das membranas celulares.

Questão do tipo C
“Apesar do que muitos pensam, o bom condicionamento aeróbico não muda o seu metabolismo. Isso porque esse tipo de condicionamento não tem nada a ver com a quantidade de energia gasta por seu metabolismo durante o descanso. Você pode passar sua vida inteira correndo em uma esteira e até se tornar um corredor de maratona e seu metabolismo permanecerá o mesmo, a menos que você construa a massa magra”
Fonte: http://www.fisioculturismo.com.br

(V ou F) O autor do texto está errado, porque apesar de o exercício aeróbico não promover ganho de massa magra, ele melhora a função cardíaca e pulmonar.

Para saber mais:
Blog dos tutores, com as provas já realizadas.