Eliane Brum: Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço

sexta-feira, outubro 02, 2009

21/09/2009 - 09:10 - ATUALIZADO EM 22/09/2009 - 10:59

Por que as pessoas falam tanto?

Vivemos num mundo de surdos sem deficiência auditiva


ELIANE BRUM
ebrum@edglobo.com.br
Repórter especial de ÉPOCA, integra a equipe da revista desde 2000. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de Jornalismo. É autora de A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo)



Uma vez passei dez dias num retiro de meditação vipássana, no interior do Rio de Janeiro, para fazer uma reportagem para ÉPOCA. Havia muitas regras. Uma delas era o silêncio. Por dez dias era proibido falar. Também devíamos evitar olhar para as outras pessoas. O objetivo era silenciar a mente até que não houvesse nenhum ruído também dentro de nós. Foi uma experiência fantástica, que me mudou para sempre. Nunca antes estive tão em mim. E nunca depois voltei a estar.

O silêncio e um progressivo mergulho interno, em vez de me alienar do mundo, me conectaram a ele de um modo até então inédito para mim. Eu sentia cada segundo, por que eles demoravam a passar. Percebia o vento e as nuances das cores do céu e das folhas das árvores em detalhes. Olhava, cheirava, ouvia e tocava o mundo como se tudo fosse novo. Cada centímetro de terra era capaz de me ocupar por minutos. Sem palavras, a realidade me alcançava com mais força. Finalmente eu não apenas compreendia, mas vivia a poesia de Alberto Caeiro: “Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo”.

Antes que alguém tenha ideias, experimentei tudo isso sem nenhuma droga. Nenhuma mesmo. Não podíamos tomar álcool, fumar ou ingerir qualquer medicamento, nem mesmo aspirina. Minha droga era a lucidez. Naqueles dez dias, ouvi com mais clareza a mim mesma. E passei a escutar melhor o mundo em que vivia. Senti que finalmente estava no mundo. Eu era.

No décimo dia, voltamos a falar. O retiro acabaria no dia seguinte e precisávamos nos preparar para retornar a uma realidade cotidiana de ruídos e demandas excessivas. Lembro que eu não queria falar. Fiquei assustada quando todo mundo começou a falar ao mesmo tempo. Percebi que a maioria do que se dizia nunca deveria ter sido dito. Sobrava.

Uma parte eram fofocas que haviam sido guardadas por dias. E que poderiam ter ficado impronunciadas para sempre. Percebi, principalmente, que depois de dez dias de silêncio muitas de nós não queriam ouvir. Só falar. Poucas eram aquelas que realmente desejavam escutar a experiência da outra, a voz da outra. A maioria só queria contar da sua. Não tinham sentido falta de outras vozes, apenas do som da sua. Dez dias de silêncio não tinham sido suficientes para acabar com nossa surdez à voz alheia.

A reportagem foi publicada, com o título de “O inimigo sou eu”. Eu segui, guardando em parte o que aprendi lá. E tenho sentido falta daqueles dez dias de silêncio, agora que aumenta em níveis quase insuportáveis a poluição sonora dentro e fora de mim.

Acho que nunca escutamos tão pouco. E talvez por isso nunca fomos tão solitários. Quando faço palestras sobre reportagem, os estudantes de jornalismo costumam perguntar o que devem fazer para se tornarem bons repórteres. Minha resposta é sempre a mesma: escutem. Acredito que mais importante do que saber perguntar é saber escutar a resposta. Não apenas para ser um bom jornalista, mas para ser uma boa pessoa. Escutar é mais do que ouvir. Como repórter e como gente esforço-me para ser uma boa “escutadeira”.
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NOTA IMPERTINENTE DESTE BLOGGER:

Eliane Brum me lembra o velho ditado: Faço o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Explico: a repórter "escutadeira" da revista Época nunca escutou a resposta que lhe demos sobre o Design Inteligente. Pelo contrário, nós fomos descaracterizados por esta repórter. Esperneamos e reclamamos junto ao diretor de redação da Época.

Será que estes dez dias de 'experiência mística' (num retiro de meditação vipássana) foi depois? Se foi, Eliane Brum, que tal entrevistar agora escutando o Michael Behe, William Dembski, Stephen Meyer, Jonathan Wells e Paul Nelson sobre a teoria do Design Inteligente? Boa "escutadeira" agora que é, quem sabe nós não seremos realmente representados como somos???