A abordagem da seleção natural nos livros de Biologia aprovados pelo MEC/SEMTEC/PNLEM está crassamente errada

segunda-feira, outubro 19, 2009

Eu geralmente compro e ganho livros através de resenhas. Especialmente quando o resenhista critica as ideias do autor. Neste caso, o resenhista chamou a ideia de “um novo referencial teórico”, mas esta ideia solapa a noção encontrada nos melhores livros didáticos de Biologia do ensino médio aprovados pelo MEC/SEMTEC/PNLEM.

Na resenha, o livro foi considerado como “uma obra densa e profunda nos fundamentos da biologia evolucionária", mas critica por ser simples e detona as ideias de Richard Dawkins, um dos mais ardorosos defensores da seleção natural [NOTA DO BLOGGER: O livro mais recente de Dawkins defendo o fato, Fato, FATO da evolução tem o titulo de “The greatest show on earth” [O maior espetáculo da Terra].

O novo referencial teórico propõe um novo esquema de como funciona a seleção natural, mas ao mesmo tempo levanta mais questões do que responde.

O que é isso, gente? Um novo livro pelos teóricos e proponentes da teoria do Design Inteligente? De empedernidos criacionistas fundamentalistas ignorantes que não sabem o que é ciência? Não! Você está de bem com a vida? E o coração como é que está? E a pressão arterial? O colesterol? Não tem inimigos? Está sentado confortavelmente?


Então aguenta firme que lá vem a bomba: o livro Darwinian Populations and Natural Selection (Oxford, 2009) é de Peter Godfrey-Smith, professor de Filosofia de Harvard, nada simpático às teses do Design Inteligente, e muito menos com as ditas sandices dos criacionistas.


O resenhista, Jay Odenbaugh, está à altura de Godfrey-Smith: é professor do Departamento de Filosofia da Lewis and Clark College, Oregon. Sua resenha, quase que totalmente positiva saiu na revista Science. [1]

Esqueça tudo que os livros didáticos de Biologia do ensino médio aprovados pelo MEC/SEMTEC/PNLEM disseram sobre a teoria da evolução através da seleção natural. Prepare-se para jogar na lata do lixo epistêmico as noções “clássicas” de aptidão, de seleção e de sucesso reprodutivo. Liberte-se das amarras, tire o de suas costas o peso desnecessário de seleção de gene, seleção individual e seleção de grupo.

Pensou que era somente isso? Prepare-se então para ver Richard Dawkins [o escritor ‘darling’ da Companhia das Letras e o guru da Galera dos meninos e meninas de Darwin], o neo-ateu fundamentalista, dândi, pós-moderno, chique e perfumado, ser rebaixado do seu status de arauto eminente do darwinismo moderno.

No parágrafo inicial, Odenbaugh limpa o entulho epistêmico que a Nomenklatura científica se recusa discutir publicamente e que a Grande Mídia se recusa covardemente publicar, para dar lugar às ideias “novas” de Godfrey-Smith:

“O livro Darwinian Populations and Natural Selection, de Peter Godfrey-Smith, é uma obra densa e profunda nos fundamentos da biologia evolucionária. Os biólogos evolucionistas nos dizem que a evolução por seleção natural ocorre quando alguns ingredientes estiverem presentes —especificamente, quando houver variação concernente a uma característica, essas variantes difiram no número da descendentes produzidos, e que esta variação é, até certo grau, hereditária.

Infelizmente, como Godfrey-Smith argumenta, esta receita é por demais simples, e versões até mais complicadas como a abordagem do replicador oferecida por Richard Dawkins têm sérias falhas.

Esta “receita clássica”, por exemplo, ignora o fato de que para alguns organismos os números de descendentes necessariamente não determinam o sucesso reprodutivo (“aptidão”) enquanto que taxas de crescimento populacional, estrutura etária, ou variação em número esperado de descendentes determinam isso. Do mesmo modo, a seleção natural e padrões hereditários podem “eliminar” uns aos outros, sem deixar nenhuma mudança evolutiva.

O conceito dos replicadores de Dawkins — essas entidades que interagem com entidades semelhantes e das quais cópias são feitas — pressupõe que não pode haver nenhuma reprodução sem replicação, o que é falso quando nós temos características variantes evoluindo continuamente por seleção natural. Assim, os nossos modelos para entender o que é a evolução através da seleção natural são por demais simples.”

Depois destes parágrafos arrasa quarteirões epistêmicos, eu acho que você respiraria mais aliviado se Godfrey-Smith tivesse substituído estas noções teórico-heurísticas simplistas demais por alternativas mais profundas e testáveis, antes que a turma perversa do Design Inteligente e os criacionistas simplórios lancem mão dos argumentos que Odenbaugh acabou de admitir.

Esqueça isso. Infelizmente, Godfrey-Smith propôs um esquema mais etéreo do que empírico. Ele prevê três parâmetros: H (confiabilidade da herança [genética]), C (relação a traços de aptidão), e S (dependência das diferenças reprodutivas de traços intrínsecos). Depois ele os coloca num “espaço populacional.” Odenbaugh tentou dar respeitabilidade a este esquema:

‘Então Godfrey-Smith usa esta concepção espacial (junto com outras sobre reprodução) para entender as controvérsias [SIC ULTRA PLUS 1: a Nomenklatura científica nega de pés juntos que não há controvérsia dentro da comunidade científica sobre o fato, Fato, FATO da evolução] sobre a natureza da deriva genética aleatória, níveis de seleção, as principais transições na evolução (tais como o surgimento de organismos multicelulares), e a evolução cultural’.

Então Odenbaugh começa a bater nas teses encontradas no livro: “Vamos considerar que luz o referencial teórico de Godfrey-Smith lança sobre alguns desses tópicos.” O autor prometeu lançar luz sobre a explosão Cambriana [SIC ULTRA PLUS 2: o dilema de Darwin até hoje não resolvido pelos melhores teóricos evolucionistas. Razão? Porque as evidências encontradas no registro teimam não confirmar as especulações transformistas de Darwin], sobre as unidades de seleção (genes, indivíduos, ou grupos), e se a seleção natural até ‘criou’ [Argh, isso é como matar os meus amigos evolucionistas] a universidade (evolução cultural).

Odenbaugh aprofunda a questão usando alguns exemplos para ilustrar o novo referencial teórico (e.g., um gêmeo se for atingido por um raio não pode reproduzir, se ou não o outro gêmeo for menos apto). Ele explica o ponto de vista de Godfrey-Smith de que a deriva neutra não é uma “força” ou rótulo para nossa ignorância, antes, “ela diz respeito onde alguém está no espaço das populações darwinianas” (Deu pra entender?).

Quanto às unidades de seleção, nós ficamos sabendo que Godfrey-Smith rejeita a seleção de grupo, mas não oferece uma substituição plausível: “Por exemplo, nos casos onde a seleção ocorre nas vizinhanças, não existem grupos causalmente coesivos para a seleção agir.” Bem, e aqui a pergunta que não quer calar: sobre o que a seleção natural age? Godfrey-Smith tem uma resposta? Se tiver, Odenbaugh não revelou na sua resenha.

E os pontos mais controversos da teoria da evolução no contexto de justificação teórica? Vamos ver se o livro tem uma resposta para a controvérsia de onde as grandes transformações e inovações surgiram (o exemplo clássico — a explosão Cambriana. “Com respeito às transições evolucionárias, ele destaca que frequentemente a formação de novos indivíduos biológicos envolve populações darwinianas se mudando para populações paradigmáticas e partes de tais populações (isto é, as entidades de níveis inferiores) se mudando de populações paradigmáticas para populações marginais — um processo que denomina de ‘desdarwinização’.”

O leitor leigo poderá ter que ler aquela frase algumas vezes. Ele quis dizer apenas que os membros de uma população se mudam, através de alguma força inexplicável, para um novo paradigma? Uma esponja se transforma em trilobita ou algo parecido? E que outros membros se mudam do paradigma para as populações marginais? Eu confesso que é difícil ver como que este fraseado explica a origem da informação biológica complexa tais como o olho, as asas, e os novos planos corporais.

Gente, onde que o Godfrey-Smith estava com a cabeça? Será que ele não percebeu quão indesejável e inapropriado é a introdução de um novo conceito teórico como “desdarwinização”? Logo agora que se aproxima os 150 anos do livro de Darwin da evolução através da seleção natural que Daniel Dennett disse ser “a maior ideia que toda a humanidade já teve”?

O próximo parágrafo da resenha envolve o debate das distinções entre os reprodutores — se eles podem ser descritos como coletivo, simples, ou “scaffolded” (i.e., partes de entidades reprodutoras que são reproduzidas, tais como um gene em um mamífero dando à luz). È justamente aqui que Dawkins leva outra bordoada, pero no mucho:

“Estas distinções são empregadas habilmente. Por exemplo, ao contrário de Richard Dawkins, muitos casos de seleção gênica são casos de reprodução scaffolded de genes pelas células, e os modelos evolutivos estão representando definitivamente a seleção de organismos via suas propriedades genéticas. Frequentemente (embora nem sempre), quando nós tratamos os genes como unidades evolucionárias nós impregnamos a biologia evolutiva com um referencial teórico “agencioso” envolvendo agentes, objetivos, estratégias, e propósitos que podem corromper os fundamentos da biologia evolutiva.”

Argh, nós não podemos ter nada disso em biologia! Pereça tal pensamento! Darwin não permite teleologia na evolução desde 1859. Todavia, aqui o conceito de “gene egoísta” de Dawkins foi criticado como impregnado de conceito de agência, estratégia ou propósito. Gente, Dawkins vem corrompendo os fundamentos da biologia evolutiva. Pelo menos foi isso que Odenbaugh (na resenha) e Godfrey-Smith (no livro) disseram. Eu queria ver a cara do Dawkins, a reação dele diante dessa acusação nefasta de outros evolucionistas. Dawkins, quem diria, defende uma evolução teleológica!!!

Bem, chegamos ao último parágrafo da resenha do livro. Já era tempo de alguém aparecer e organizar esta bagunça. Gente, vocês não vão nem acreditar, mas o filósofo Odenbaugh atribui ao filósofo Godfrey-Smith, hipocrisia e de ter complicado:

“O livro Darwinian Populations and Natural Selection levanta também questões difíceis. Godfrey-Smith e outros têm argumentado que há um papel em biologia evolucionária para noções “funcionais”. Por exemplo, eles defendem que faz sentido afirmar que o coração nos humanos tem a função de circular o sangue.

Todavia, considerando a crítica do autor do referencial teórico “agencioso” e a teleologia por detrás, esta nova obra é compatível com a antiga? Além disso, embora os referenciais teóricos espaciais ou estados espaciais podem ser bastante úteis no entendimento dos processos evolutivos, alguém pode perguntar se eles também escondem muito de importância.

O uso deles é criticamente dependente de quais dimensões eles estão incluídos (e quais eles estão omitidos) e sobre se alguém pode “classificar” essas dimensões de maneiras plausíveis. Algumas vezes alguém se pergunta se muito está sendo omitido e se preocupa que as variáveis como S não pode ser classificada em nenhum sentido objetivo.”

Apesar de ter ‘mordido’ um pouco, Odenbaugh também ‘assoprou’ no final:

“Mesmo assim, o livro de Godfrey-Smith proveitosamente nos força a pensar em novas maneiras sobre a evolução e a seleção natural.”

Gente, mais uma vez este blogger é vindicado por alguém do alto escalão da Nomenklatura científica. De vez em quando neste blog eu afirmo que a seleção natural não é assim uma Brastemp de mecanismo/processo evolutivo. Nunca foi. Desde 1859. Huxley, Lyell, Hooker e St. George Jackson Mivart sabiam. Até Darwin sabia disso.

E pensar que Dennett teve o topete de dizer que esta foi “a maior ideia que toda a humanidade já teve”...

Fui, pensando no Prof. Tarcísio da Silva Vieira: a teoria da evolução através da seleção natural é apenas uma miragem heurística!

NOTA

1. Jay Odenbaugh, “Evolution: A Fresh Theoretical Framework”, Science, 16 October 2009: Vol. 326. no. 5951, pp. 368 - 369, DOI: 10.1126/science.1176940.

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Tirando o chapéu para DC pelos preciosos insights.